São muitos os recursos disponíveis para arruinar a democracia e a legalidade
Bolsonaro não vai parar de sabotar as eleições e a democracia. Seu método preferido tem sido tentar minar a confiança do eleitor na urna eletrônica. Mas o velho manual dos golpistas mostra, com abundância de exemplos ao longo da história do Brasil, que são muitos os recursos disponíveis para arruinar a democracia e a legalidade.
Tentar impedir a posse de um presidente eleito é um deles, como na conspiração de Carlos Lacerda contra Juscelino Kubitschek. A articulação levou ao contragolpe liderado pelo marechal Henrique Lott, então ministro da Guerra, em novembro de 1955, que garantiu a posse de JK.
Os tempos são outros, o Brasil também. Mas a atmosfera golpista é a mesma, agora amplificada pelo submundo digital. A incitação inclui atacar as autoridades responsáveis pelas eleições, como Bolsonaro tem feito, principalmente, com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso. Daí para tentar impedir a posse do próximo presidente – caso não se reeleja – é um passo.
Bolsonaro sabe que vai perder e já decidiu melar as eleições. Se não tem provas de fraude na votação eletrônica —e não tem mesmo— tem que ser confrontado com a realidade e processado. Suas ameaças são crimes de responsabilidade e têm posto as instituições à prova.
Notas e discursos não são capazes de contê-lo. As instituições brasileiras têm instrumentos políticos e jurídicos para isso. Mas instituições são formadas por pessoas. A conivência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é obscena. A cumplicidade do procurador-geral da República, Augusto Aras, humilha o Ministério Público. O discurso do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Fux, na volta do recesso, soou tardio e vazio.
Pressionado pela CPI da Covid e pela queda nas pesquisas, Bolsonaro irá apelar cada vez mais a delírios persecutórios enquanto sonha com o seu “capitólio”. Sabe que não precisa nem manchar as mãos, porque tem gente disposta a fazer o serviço sujo por ele. (Folha de S. Paulo – 03/08/2021)
Cristina Serra é paraense, jornalista e escritora. É autora dos livros “Tragédia em Mariana – a história do maior desastre ambiental do Brasil” e “A Mata Atlântica e o Mico-Leão-Dourado – uma história de conservação”