O semipresidencialismo evita polarização e permite mil formas de composição
O impeachment de Jair Bolsonaro é perfeitamente possível. Há tempo para cumprir os prazos. Motivos, uma longa lista de crimes de responsabilidade. Há apoio popular. Mas não haverá impeachment enquanto Arthur Lira for a única pessoa que pode abrir o processo, um poder extraordinário reservado ao presidente da Câmara. Que o deputado alagoano não usará. Não matará sua galinha dos ovos de ouro.
Mais. Não se aplica, aqui, a preocupação de evitar o impeachment só para não banalizar o instrumento radical. Os afastamentos anteriores, já sob a Constituição de 88, foram muito bem sucedidos. Itamar Franco substituiu Fernando Collor e fez, simplesmente, o plano Real. Michel Temer substituiu Dilma Rousseff e deixou, de uma curta gestão, reformas importantes na economia e na educação.
Restará, portanto, a crise política permanente e o clima de incerteza e insatisfação que dominarão o país até as eleições de 2022. Percamos as ilusões quanto ao impeachment, neste momento.
Não se pode impedir, porém, que políticos, constitucionalistas, advogados, magistrados, cientistas sociais, historiadores e até empresários procurem saídas para um sistema político que se tornou refém de alguém como o presidente Jair Bolsonaro.
Veio exatamente do presidente da Câmara a principal novidade no desfecho da tensa semana que passou. E que foi precariamente encerrada com a inútil agenda de uma reunião entre os presidentes dos três poderes para repassarem seus limites constitucionais.
Para esvaziar a cobrança sobre o impeachment, Lira anunciou que pode ser discutido um tema substituto. Exatamente a proposta que reúne mais consenso entre as hipóteses de solução. A instituição do semipresidencialismo.
O presidencialismo atual é considerado o vilão das crises que o país vive desde os anos 50. O parlamentarismo já foi afastado até em plebiscito.
Arranjos possíveis cabem, sim, no arcabouço de um semipresidencialismo, sistema que evita a polarização e permite mil formas de composição. O modelo mais cobiçado é o praticado em Portugal. O semipresidencialismo lusitano tem o apelido de Geringonça e vigora com sucesso.
Outras vantagens são citadas na argumentação. Resolve as crises com mudanças simples e rápidas. O presidente da República mantém muitos dos poderes representativos, como a ascendência sobre as Forças Armadas e a concepção da política externa. E o primeiro ministro conduz o Executivo, sob o comando do Congresso.
As lideranças brasileiras estão diluídas, sem condições de apresentar candidaturas arrebatadoras, no presidencialismo autoritário do atual regime. Também não estão presentes na cena líderes políticos que desempenhem o papel de denominador comum para as tendências ideológicas conflitantes.
Como é o caso dos exemplares presidente de Portugal, Marcelo Rebelo, e primeiro ministro Antonio Costa. Acredita-se que, criado o modelo, os quadros políticos brasileiros revelarão líderes com equilíbrio para ocupar as posições e exercitar a democracia plena, sem as frequentes intimidações, ameaças e risco de golpe.
Para não assustar os filhos de Jair Bolsonaro, verdadeiros titulares do poder do pai, o novo regime proposto por Arthur Lira seria instalado somente a partir de 2026. Uma data que, embora distante, não deixa de trazer esperança. Isto, no entanto, a maioria vê depois.
O presidente da Câmara prometeu convocar reunião de líderes para amadurecer a ideia. Mesmo que seja um desvio de atenção do problema principal, terá efeitos sobre o nervosismo imposto a todos. Inclusive sobre os empenhados na montagem da fraude eleitoral que se esconde no excesso de paixão pelo voto impresso, pretexto para devassar a urna eletrônica e melar a eleição. (O Estado de S. Paulo – 14/07/2021)
ROSÂNGELA BITTAR, COLUNISTA DO ‘ESTADÃO’ E ANALISTA DE ASSUNTOS POLÍTICOS