Alessandro Vieira aponta contradições e enquadra Blanco em depoimento na CPI

Coronel criou empresa e passou a intermediar negócios entre o antigo local de trabalho no Ministério da Saúde e vendedores suspeitos de vacina, como o PM  Luiz Paulo Dominguetti Pereira, da Davati Medical Supply (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

O líder do Cidadania no Senado, Alessandro Vieira (SE) demonstrou nesta quarta (4), durante depoimento à CPI da Pandemia do tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Delog (Departamento de Logística) do Ministério da Saúde, que o militar abriu uma empresa, a Valorem Consultoria em Gestão Empresarial, que tinha entre suas atribuições o mercado de saúde – ou seja, o que ele fazia no antigo emprego.

Blanco dizia ter como atuação a área de educação financeira. Ao ser confrontado pelo senador, que teve acesso ao cadastro da Valorem,  o coronel admitiu que a empresa podia sim atuar na área  de saúde, o que, segundo ele, foi possível, com um ajuste contábil nas finalidades da empresa.

“O senhor participa de diversas reuniões online, e troca diversas ligações, com um bando de criminosos, estelionatários, que queriam receber vantagem financeira numa negociata com o Ministério da Saúde, exatamente com o setor do qual o senhor fez parte. Aí o senhor altera a configuração de sua empresa para adequá-la à negociata do qual o senhor estava participando”, afirmou Alessandro Vieira.

Cara-de-pau

“E o senhor tem a cara-de-pau de vir para essa CPI para se apresentar como uma pessoa que, de boa vontade, apenas fez uma interface” [entre o Ministério da Saúde e inmtermediários de vacinas]. É zombar da inteligência das pessoas. Deve achar que somos um bando de patetas”, completou Alessandro Vieira.

Marcelo Blanco, que fazia parte da equipe militar montada pelo general Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde, foi exonerado em janeiro passado e imediatamente passou a intermediar a compra de vacinas.

Com a empresa já criada, o coronel Blanco teve o já mencionado jantar, em um shopping de Brasília, com os demais personagens do caso, entre eles seu ex-chefe, o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, e o atravessador e policial militar Luiz Paulo Dominguetti Pereira, da Davati Medical Supply.

Foi Blanco quem apresentou Dias a Dominguetti. Para a CPI, o coronel é visto como um dos elos entre o grupo que agia a partir do ministério e as intermediárias de venda de vacinas. Apesar de afirmar não ter se esforçado para que as tratativas avançassem, o coronel realizou 108 ligações para Dominghetti num espaço de 30 dias, sendo 64 com sua iniciativa.

“E o senhor foi incapaz de perceber que ele era um estelionatário?”, questionou o senador.

‘Comissionamento’

Em depoimento anterior à CPI, Cristiano Carvalho, também da Davati, disse que Dominguetti comentou com ele sobre um pedido de “comissionamento” do “grupo do Blanco”, feito durante o jantar. Também à comissão, Dominguetti disse que o “comissionamento” viria com o pagamento de propina de US$ 1 por dose, num lote de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca negociado com a Davsti. As vacinas nunca existiram, mas a negociação suspeita e o pedido de propina, para a CPI, foram bem reais.

Para Eliziane Gama, atuação de Marcelo Blanco na Saúde aponta para ‘instrumentalização das Forças Armadas’

“Há fatos claros, há pessoas, seja da reserva ou não das Forças Armadas ou da área militar, que integravam o governo ou que integram o governo e que participaram em algum momento de um esquema de corrupção”, diz a senadora (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

A líder do bloco parlamentar Senado Independente, Eliziane Gama (Cidadania-MA), disse ser ‘muito estranho’ o envolvimento do coronel da reserva do Exército Marcelo Blanco, ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, com a negociação de vacinas, a abertura de uma empresa para venda de medicamentos e o  convite que ele disse à CPI da Pandemia, nesta quarta-feira (04), ter recebido para atuar na VTCLog, empresa de logística no segmento farmacêutico e de saúde e prestadora de serviço do governo federal.  Para ela, esses fatos apontam para “uma instrumentalização das Forças Armadas” com suposto esquema de corrupção para compra de vacinas contra a Covid-19 no Ministério da Saúde.

“A cada dia que a gente se aprofunda, a cada pessoa que a gente ouve aqui nesta comissão, a gente começa a lincar um fato com o outro e a possibilidade real de pagamento de propina, a possibilidade real de um esquema dentro do Ministério da Saúde”, disse a senadora.

Segundo ela, o aumento da presença de militares no governo, sobretudo na pasta com a nomeação do general Eduardo Pazuello, aumentou a politização e jogou integrantes das Forças Armadas em esquemas de corrupção que estão sendo investigados pela CPI.

“Eu queria deixar aqui um registro às Forças Armadas do Brasil. Nós temos recebido aqui alguns coronéis e alguns militares, generais até, como nós conversamos com o general [Eduardo]Pazuello [ex-ministro da Saúde], e a gente percebe, de forma muito clara aqui, uma instrumentalização das Forças Armadas. Há fatos claros, há pessoas, seja da reserva ou não das Forças Armadas ou da área militar, que integravam o governo ou que integram o governo e que participaram em algum momento de um esquema de corrupção. Em nenhum momento da história republicana do Brasil, sobretudo nos últimos 30 anos, depois dos momentos que nós vivemos de ditadura militar no Brasil, nós tivemos, em nenhum momento, tanta politização no governo! Nós tínhamos, antes desse governo, cerca de 2 mil integrantes militares. Hoje chegam a mais de 6 mil integrantes! Esse é o cenário que está diante de nós”, disse Eliziane Gama.

VTCLog

Para ela, é ‘muito estranho’ Blanco estar na administração pública e ter recebido convite do ex- secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, general Roberto Severo Ramos, ‘para ser um braço da VTCLog’ no ano passado, quando ocorria um aumento do volume de transporte e armazenamento de medicamentos com a pandemia.

A senadora lembrou que a VTCLog tem ‘alguns contratos’ com o governo federal, inclusive já questionados com várias representações junto ao TCU’ (Tribunal de Contas da União) e, inclusive, com recebimentos de ativos neste ano.

“Mas o senhor depois resolve abrir uma empresa, que é a Valorem – não é isso? –, para trabalhar na mesma área de medicamentos. Por acaso, o senhor começa uma tratativa com o [Luiz Paulo] Dominguetti  [para adquirir vacinas da AstraZeneca], tratando já de vendas para o setor privado sem ter nenhuma legislação no Brasil para isso! E aí, depois, o senhor, por acaso, chega num shopping, se reúne, por exemplo, com o Dominguetti e com o Roberto Dias, como diretor de Logística [do Ministério da Saúde]”, disse Eliziane Gama, ao considerar que esses fatos são ‘coincidências’ que não se conseguem ‘entender’.

“São fatos demais, um cruzando com o outro, mas que nós estamos aqui aprofundando essa investigação”, afirmou a senadora.