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Fernando Henrique Cardoso: 1964 – lembranças e tormentos

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Cinquenta e cinco anos passam depressa. A memória se vai, mas ficam recordações. No dia 13 de março de 1964 eu estava no Rio, em casa de meu pai. À noite fui à Central do Brasil pegar o trem de volta para São Paulo. Meu pai, general reformado e ex- deputado federal, residia no Arpoador, no mesmo prédio em que moravam minha avó e um tio. Lá também morava Carlos Drummond de Andrade. Por Copacabana inteira, passando por Botafogo e pelo Flamengo, havia velas acesas nas sacadas de muitos edifícios: a classe média, especialmente a mais alta, protestava contra Jango Goulart, presidente da República que convocara seus apoiadores a se reunir naquela noite em comício perto da Central do Brasil, em frente à Praça da República.

Tomei o trem indiferente ao que ocorria. Por acaso estavam no trem vários amigos: o José Gregori, que viria a ser ministro da Justiça em meu governo, Plínio de Arruda Sampaio, que fora meu colega de curso primário no colégio Perdizes, em São Paulo, e se tornaria deputado federal constituinte e o engenheiro Marco Antônio Mastrobono, futuro marido da filha de Jânio Quadros. No jantar, conversas e discussões. O “golpe” estava no ar: de quem seria? Não chegamos a concluir se dos militares e da “direita”, ou das “forças populares”, com Jango à frente, em favor de vagas reformas. Só sabíamos de uma coisa, viesse do lado que viesse, sofreríamos as consequências…

Na época eu era jovem professor-assistente da Faculdade de Filosofia, tinha 33 anos e assento no Conselho Universitário da USP como representante dos livre-docentes. Pouquíssimos sabiam de minhas relações de família com avida política. Meu pai se elegera deputado federal pelo PTB em 1954. No governo de Getulio, um primo de meu pai havia sido governador do Rio e outro, ministro da Guerra, o mesmo cargo ocupado por um tio-avô no início dos anos 1930. No governo de Juscelino um tio havia presidido o Banco do Brasil.

Meu pai e muitos familiares pertenciam à ala nacionalista e eram favoráveis à campanha do “Petróleo é nosso”, na qual também me envolvi. Nunca me esquecerei do vidrinho de petróleo baiano, colocado em uma estante na casa do marechal Horta Barbosa, que eu frequentava quando menino, pois sua filha se casara com um irmão de meu pai.

Eu me interessava sobretudo pela faculdade, na qual me tornei professor em 1953, num ambiente avesso a Vargas e distante dos militares.

Minha participação política até então havia sido fugaz: no começo dos anos 1950, estive próximo da esquerda, do Partidão e do círculo intelectual liderado por Caio Prado Júnior na “Revista Brasiliense” Rompi com o PC quando os soviéticos invadiram a Hungria em 1956. De pois do Relatório Kruschev, da mesma época, agitei bastante contraos dirigentes comunistas. Não simpatizava com o populismo de Jango, embora fosse amigo de seu chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro. Nada disso impediu que a partir de 1964 eu fosse considerado “subversivo” pelos novos donos do poder.

No início dos anos 1960, lutava pela organização da carreira universitária e pela Fapesp. No Conselho Universitário ajudei a derrotar a “oligarquia”: com a ajuda de Hélio Bicudo e Plínio Sampaio, ambos do gabinete do governador Carvalho Pinto, elegemos o professor Ulhôa Cintra para reitor da USP. Por isso eu gozava de prestígio em camadas de professores e, sobretudo, de estudantes.

Recordo-me de duas reuniões na Faculdade de Filosofia na noite de 1° de abril de 1964. Em uma, tentava acalmar os estudantes, pois não entendia bem o que ocorrera e achava precipitado haver manifestações. Na segunda, tentava o mesmo com meus colegas professores. Tamanha era a confusão que houve quem propusesse um manifesto contra os militares golpistas que apoiavam Jango… Precisei telefonar para um colega, professor da Medicina, pedindo que viesse em meu socorro, para evitar o protesto contra Jango que estava sendo deposto.

Em seguida, a polícia tentou prender outro professor, Bento Prado, confundindo-o comigo. Tive que me “esconder”, primeiro em casas de amigos, em São Paulo, depois no Guarujá, num apartamento do Thomas Farkas, na companhia de Leôncio Martins Rodrigues. De lá saí para ir a Viracopos, cercado por familiares e amigos, sob a batuta de Maurício Segall, que se informava e sabia dos aeroportos ainda sem listas de subversivos a serem capturados. Voei para Buenos Aires, onde me hospedei no apartamento de um colega sociólogo, José Num, que mais tarde foi ministro da Cultura de Néstor Kirchner. Da Argentina fui para o Chile, carregando comigo os escritos da tese que pretendia defender para conquistar uma cátedra que vagara com a saída de Fernando de Azevedo.

Ruth, minha mulher, ficou em São Paulo. Ela procurou, então, o professor Honório Monteiro, que representava a Faculdade de Direito no Conselho Universitário e era afilhado de sua avó. Eu me dava bem com ele, assim como com meus vizinhos de cadeira no Conselho, representantes da Faculdade de Direito, Luís Eulálio Vidigal e Gama e Silva (que fora ao jantar de comemoração de meu doutorado. Mal sabia eu, que anos depois ele assinaria o AI-5…). Quando Ruth perguntou ao professor Honório: “O que vai acontecer?” Ele, sabiamente, replicou: “Nada; vai mudar tudo”. Perdi a condição de professor, que só retomaria em outubro de 1968 ao vencer o concurso para a cadeira de Ciência Política. A cátedra durou poucos meses. Em 13 de dezembro, Gama e Silva, então ministro da Justiça, leu o AI-5 que fechou o Congresso, suspendeu o habeas corpus, cassou mandatos e, como vários professores universitários, fui compulsoriamente aposentado em abril de 1969.

A institucionalidade foi quebrada e minha vida mudou. Recordar faz parte da História. Celebrar, o quê? No meu caso, exílio, processos e perda de cátedra. Rancor? Para quê? Olhar para frente e manter a democracia é o que conta. (O Globo – 07/04/2019)

Bolívar Lamounier: Um feio escorregão de Jair Bolsonaro

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Ao qualificar o nazismo como um regime “de esquerda”, o presidente Jair Bolsonaro rompeu uma represa enorme, deixando um mar de sandices escorrer pelas redes sociais. Nas centenas de mensagens que li, não encontrei uma referência sequer ao que me parece ser o ponto crucial da discussão: a obsolescência da dicotomia esquerda x direita. Ninguém contesta que lá atrás, no século 19, tal dicotomia tinha substância, e em alguns países a conservou durante a primeira metade do século 20.

A Guerra Civil Espanhola, por exemplo, contrapôs comunistas e anarquistas (nem sempre solidários entre si) a uma direita rombuda, formada por uma burguesia resistente a toda veleidade de reduzir desigualdades, fazendeiros que adorariam viver na Idade Média e, não menos importante, um catolicismo que se comprazia em estender seu manto sobre toda aquela teia de iniquidades. Ou seja, havia efetivamente uma “esquerda” – os que recorriam à violência no afã de quebrar a espinha dorsal daquela sociedade – e uma “direita”, os setores acima mencionados, para os quais o status quo era legítimo, sacrossanto e destinado a perdurar até o fim dos tempos.

Os regimes totalitários que se constituíram entre as duas grandes guerras – o nazismo na Alemanha, o comunismo na URSS e o fascismo na Itália – foram precisamente a linha divisória a partir da qual a dicotomia esquerda x direita começou a perder o sentido que antes tivera. Se fizermos uma enquete entre historiadores, sociólogos, etc., pelo mundo afora, constataremos sem dificuldade que nove em cada dez classificam o nazismo como direita e o comunismo como esquerda – e reconheço que aqueles nove ainda têm um naco de razão. Sabemos que os regimes comunistas se serviram do marxismo como base teórica.

E que o fizeram com um cinismo insuperável; na prática, o chamado “socialismo real” assentava-se numa combinação de partido único, monopólio dos meios de comunicação, polícia secreta, culto à personalidade e numa repetição ritual da ideologia, entendida como a busca do paraíso na Terra, a “sociedade sem classes”. Mas em abstrato – nas alturas da filosofia –, é certo que o marxismo se proclama humanista e igualitário. Não legitima nem tenta perenizar desigualdades sociais e muito menos raciais. O nazismo nada tem de humanitário ou igualitário: toma as desigualdades sociais como um dado da realidade e vai muito mais longe, visto que postula uma desigualdade natural de raças e adotou explicitamente a noção “eugênica” do melhoramento das raças superiores – da “raça ariana”, entenda- se – e da exterminação da “raça judia”.

Passemos, agora, ao que chamei de obsolescência da dicotomia esquerda x direita. Nas alturas da filosofia e no cinismo do mero discurso político, é óbvio que os esquerdistas continuam a professar um ideário de igualdade. Proclamam-se mais sensíveis que o resto da humanidade ao sofrimento dos destituídos (daí a atração que exercem sobre a corporação artística), mais competentes e decididos a encetar ações conducentes a uma sociedade menos desigual e, com certo contorcionismo, ainda se apresentam como os detentores monopolistas da estrada real que levará ao paraíso terrestre. Ou seja, cultivam, ainda, o mito da revolução total. Mas há dois pequenos senões. Na vida política real não se requer nenhum esforço para perceber que os termos “esquerda” e “direita” estão reduzidos a meros totens tribais.

Se me declaro “de esquerda”, fica entendido que meu adversário político é automaticamente de “direita”. Se o partido ao qual me oponho apoia determinada tese, eu a rejeito, pois ela estará necessariamente ligada ao totem da tribo inimiga. No Brasil é notório que a grande maioria dos políticos não serve a objetivos, eles se servem deles e os enquadram em sua obtusidade totêmica para diluir interesses rigorosamente corporativistas. O segundo senão é ainda mais importante. Como antes ressaltei, “esquerdistas” são os que se especializam em professar ideais humanitários e igualitários. Em termos abstratos, isso é correto. Mas, atenção, trata- se, na melhor das hipóteses, de um enunciado no plano do desejo, não de programas concretos de governo e muito menos aos efeitos observáveis da aplicação de determinado programa.

Aspirações, não consequências objetivas. No terreno prático, as políticas de esquerda caracterizam-se sobretudo por um distributivismo ingênuo, por uma sesquipedal incompetência e não raro pela corrupção no manejo dos recursos públicos, por afugentar investimentos, ou seja, em síntese, pela irresponsabilidade fiscal e pela leniência com a inflação, tolerando ou assumindo ativamente políticas cujas consequências levam a resultados contrários aos proclamados como desejáveis, piorando as condições de vida dos mais pobres. Segue-se que a distinção realmente importante não é entre esquerda e direita, mas entre, de um lado, objetivos proclamados, subjetivos ou meramente discursivos e, do outro, consequências práticas, objetivas e previsíveis.

De um lado – na melhor das hipóteses –, a crença em “valores absolutos”, lembrando aqui a teoria ética de Max Weber; do outro, uma “ética da responsabilidade”, vale dizer, uma visão política que de antemão sopesa objetivos e consequências prováveis. Nessa ótica, faz sentido afirmar que há muito mais consenso que dissenso na vida pública brasileira atual. O que queremos, fundamentalmente, é retomar o crescimento econômico em bases sustentáveis, com estabilidade monetária; atrair grandes investimentos para a infraestrutura; revolucionar organizacional e pedagogicamente a educação. Se uma concepção mais convergente não se impuser rapidamente sobre os totens tribais que se digladiam em Brasília, daqui a 20 anos o Brasil não será um país para almas frágeis. (o Estado de S. Paulo – 08/04/2019)

BOLIVAR LAMOUNIER, SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E AUTOR DO LIVRO “DE ONDE, PARA ONDE – MEMÓRIAS” (SÃO PAULO, EDITORA GLOBAL)

Alessandro Vieira vai relatar projeto que pune preconceito por orientação sexual e identidade de gênero

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O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) vai relatar o Projeto de Lei 672/2019, proposta que criminaliza a discriminação e o preconceito por identidade ou orientação sexual, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

De autoria do senador Weverton (PDT-MA), o projeto altera a Lei 7.716, de 1989, que define os crimes de racismo, para incluir na referida legislação os de discriminação ou preconceito de orientação sexual e ou de identidade de gênero.

Alessandro Vieira (PPS-SE) é autor de proposta semelhante, o Projeto de Lei 860/2019, que também criminaliza a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. A proposta integra a estratégia do Cidadania, partido sucessor do PPS, que visa tornar a homofobia crime no País, a exemplo da ADO 26 (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) apresentada pelo partido em 2013 (veja aqui) e que está em julgamento pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

“É latente e inegável a intolerância, o preconceito e a discriminação que a população LGBT sofre no País, frequentemente traduzida em crimes de ódio e intolerância, além das abundantes evidências de discriminação racial e contra as mulheres. Por esta razão, se faz necessária a alteração da Lei nº 7.716, de forma a ampliá-la, para que esta defina e passe a punir crimes de ódio e intolerância também resultantes da discriminação ou preconceito de orientação sexual, identidade de gênero e sexo”, disse o parlamentar, ao explicar que objetivo de seu projeto é proteger toda a população, LGBT ou não.

#JuntosSomosMais: A cobertura da #BrazilConference no #ProgramaDiferente e no #BlogCidadania23

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O #BlogCidadania23 e o #ProgramaDiferente acompanharam mais uma edição anual da #BrazilConference, um dos mais tradicionais encontros de líderes, personalidades e representantes da diversidade social, política e econômica do Brasil, que foi realizada neste fim-de-semana, de 5 a 7 de abril, em Boston, nos Estados Unidos, com o tema #JuntosSomosMais.

Um dos destaques, pela terceira vez na Brazil Conference, foi o apresentador de TV e ativista dos movimentos pela renovação da política, Luciano Huck, cuja participação você assiste aqui na íntegra.

Mas teve um pouco de tudo. Entre os palestrantes deste ano estavam os ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso, do STF; a Procuradora-Geral da República Raquel Dodge; o vice-presidente da República General Hamilton Mourão; o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; os ex-candidatos Ciro Gomes (PDT), Henrique Meirelles (MDB) e Geraldo Alckmin (PSDB); entre outras personalidades.

Veja abaixo mais informações e alguns painéis na íntegra.

Luciano Huck é atração da Brazil Conference e parece candidatíssimo à sucessão de Jair Bolsonaro

Renovação: Construindo o Futuro da Política

Os Desafios da Mídia em Tempos de Polarização

O que Ciro, Alckmin e Meirelles pensam do Brasil de Bolsonaro

Senado instala nesta quarta-feira comissão que acompanhará reforma da Previdência

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A Comissão Especial do Senado destinada a acompanhar a tramitação, na Câmara dos Deputados, da proposta de reforma da Previdência (PEC 6/2019) começará a funcionar na próxima quarta-feira (10).

Inicialmente, o colegiado, que não tem poder deliberativo, foi criado com apoio do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), com a expectativa de que o texto da proposta vá da Câmara para o Senado já contemplando questões consideradas importantes pelos senadores, que fariam sugestões aos deputados. Dessa maneira, alguns senadores acreditam que o mesmo texto aprovado na Câmara poderia ser confirmado pelo Senado, sem necessidade de alterações, que levariam a proposta para nova análise dos deputados.

Essa ideia chegou a ser defendida tanto por Alcolumbre quanto pelo relator da comissão, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), mas a poucos dias da instalação o presidente do colegiado, senador Otto Alencar (PSD-BA), negou à Agência Brasil que os senadores tenham a intenção de fazer sugestões aos deputados.

“Não haverá nenhuma interferência nas decisões da Câmara, que tem toda a autonomia”, disse Alencar.

O senador afirmou ainda que nada será sugerido aos deputados. A intenção, acrescentou, é acompanhar os debates em torno da proposta de modo a facilitar o entendimento quando o texto chegar ao Senado.

Trabalhos

Segundo Otto Alencar, o colegiado, que tem nove titulares e o mesmo número de suplentes, não foi instalado na semana passada porque os senadores querem ouvir o secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Ele acompanhou o ministro da Economia, Paulo Guedes, na audiência da Comissão de Constituição e Justiça.

Nesta quarta-feira (10), ainda não há confirmação da presença de Marinho ou do secretário de Previdência do Ministério da Economia, Leornado Rolim, que também foi convidado pelo Senado. Otto Alencar acredita que pelo menos um deles estará na comissão.

“Queremos um detalhamento de pontos da PEC e da proposta que reforma a Previdência dos militares”, adiantou o senador.
Alencar lembrou o jantar que líderes de partidos e o presidente do Senado tiveram no fim de março com o comandante do Exército, General Edson Leal Pujol. Na ocasião, os militares apresentaram a proposta, mas “não foram claros”, disse ele.

Os senadores também querem ouvir representantes da indústria e de sindicatos sobre o projeto. (Agência Brasil)

Fatia da indústria no PIB fica em 11,3% no ano passado e é a menor em mais de 70 anos

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Indústria tem a menor fatia do PIB em mais de 70 anos

Atividade – No ano passado, participação da indústria de transformação no PIB chegou a 11,3%, menor patamar desde que esse dado começou a ser medido; para analistas, números do primeiro bimestre mostram que quadro ainda está longe de uma reversão

Luciana Dyniewicz – O Estado de  S. Paulo

Os números deste início de ano não deixam dúvida: a crise que a indústria brasileira há tempos atravessa ainda não dá sinais de reversão. No primeiro bimestre, a atividade industrial recuou 0,2% em relação ao ano passado. Esse fraco desempenho reforça uma tendência que vem se verificando desde os anos 80: a queda de participação da indústria de transformação na composição do Produto Interno Bruto (PIB). No ano passado, esse setor respondeu por apenas 11,3% da atividade econômica do País, o patamar mais baixo em mais de 70 anos – não há dados anteriores a 1947.

No fim dos anos 80, a indústria de transformação (que exclui a indústria extrativa) chegou a ter uma fatia próxima de 30% do PIB, mas essa participação depois veio diminuindo rapidamente. Segundo economistas, é provável que 2019 registre um número ainda mais baixo que o de 2018. “É um risco que corremos e uma tendência que vem de longo prazo. Os países continuam avançando na indústria mais sofisticada, e o Brasil não”, diz o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Apesar da perda de espaço na economia ser um fator estrutural – no mundo todo, os serviços têm ganhado participação –, há indícios de que, no Brasil, esse fenômeno vem sendo fortalecido por questões conjunturais, como as crises sucessivas.

Isso ocorre porque, nas recessões, a indústria costuma recuar mais do que o PIB total, mas, nos períodos de crescimento econômico, ela não avança de forma mais acelerada. O economista Paulo Morceiro, do Núcleo de Economia Regional e Urbana da USP, lembra que, entre 2000 e 2008, período de crescimento mais significativo, a indústria apenas acompanhou o ritmo do PIB. “A indústria não avançou mais porque perdeu competitividade para o importado”, diz. Um estudo de Morceiro mostra que o PIB do setor industrial caiu de forma acelerada desde 2013 e hoje se encontra em um patamar próximo ao de 2004.

Apesar de as importações também terem recuado nos últimos cinco anos por causa da recessão, elas mais do que dobraram desde 2004. Gargalos. Para o Iedi, a falta de mecanismos de financiamento, os gargalos na infraestrutura, o sistema tributário complexo e um apoio ineficiente à ciência e tecnologia têm comprometido a produtividade industrial. “Nesse ritmo, a indústria brasileira caminhará para um porcentual do PIB inferior a dois dígitos, algo que pode acontecer dentro dos próximos dois anos se as tendências em curso de retrocesso industrial e de vazamento de demanda para o exterior continuarem”, diz um documento do instituto publicado recentemente.

Brasileiros que fazem “bicos” para manter renda já são quase 3,5 milhões

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Quase 3,5 milhões de brasileiros fazem ‘bicos’ para manter a renda

Devido à crise, 3,41 milhões já acumulam mais de um trabalho

DAIANE COSTA, LETICIA LOPES E JOÃO SORIMA NETO – O GLOBO

Desde que perdeu seu último emprego com carteira assinada, Ricardo Blaiotta, de 49 anos, passou a se desdobrar em vários trabalhos como autônomo para recompor a renda. Atualmente, são quatro: faz transporte escolar, produz e vende comida congelada, revende cosméticos e, quando falta dinheiro para pagar alguma conta, dirige Uber. Formado em administração de empresas, ele é um dos trabalhadores que passaram a engrossar o grupo dos que têm mais de uma ocupação no Brasil. Nos últimos dois anos, esse contingente teve acréscimo de quase 1 milhão de pessoas, atingindo 3,41 milhões no fim de 2018, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad Contínua, do IBGE.

Para especialistas, esses trabalhadores são um espelho das atuais condições do mercado de trabalho, no qual o desemprego continua alto, e as oportunidades só aparecem na informalidade. Complementar a renda com mais de uma ocupação é uma necessidade para muitas famílias.

— Isso dialoga com a crise econômica, que desestruturou a renda das famílias e aumentou a subutilização da força de trabalho. Muitas pessoas têm de ter mais de um trabalho porque, na informalidade, os salários são mais baixos — explica Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE.

MAIS CONTA PRÓPRIA

Maria Andréia Parente Lameira, economista do Ipea, considera esse movimento característico do mercado recessivo, quando as pessoas driblam o desemprego se tornando conta própria. Esse grupo teve acréscimo de 1,7 milhão de pessoas nos últimos dois anos. No fim de 2018 eram 23,8 milhões, sendo que 19,1 milhões estavam na informalidade.

— O conta própria dificilmente tem jornada de oito horas por dia, então pode conciliar mais de um trabalho. É o cara que faz quentinha e outro bico, ou faz quentinha e também tem barraquinha de comida — explica Maria Andréia.

Nesse cenário, desponta quem faz quentinhas e quem trabalha com aplicativos de transporte, observa o coordenador do IBGE.

Com quatro ocupações, o dia de Ricardo começa às 5h. Ele leva e busca na escola sete crianças e atua como vendedor de uma representante de cosméticos, apresentando os produtos da marca em salões na Barra da Tijuca e na Zona Sul do Rio.

Nos intervalos dessas duas atividades, produz, sozinho, 150 refeições por semana. Elas são vendidas entre R$ 17 e R$ 22, cada. Há pratos como carpaccio de palmito pupunha e salmão. Ele também atende a pedidos de veganos e pessoas que passaram por cirurgia bariátrica.

Como a esposa é funcionária pública e passa o dia fora, também cabe a ele ficar com as duas filhas, de 7 e 10 anos, quando não estão na escola.

— Eu faço as compras, monto a marmita, entrego e faço o marketing. Tive de criar um mecanismo para tudo dar certo. Adaptar-me a minha nova realidade. Ganhava mais quando estava empregado (como representante comercial), mas precisava pagar uma pessoa para ficar com minhas filhas. Hoje, ganho menos, mas não tenho essa despesa — conta Ricardo.

INCERTEZA FINANCEIRA

Foi também no ramo das quentinhas que a nutricionista Cinthya Machado, de 48 anos, encontrou uma fonte de renda extra. Formada há mais de 20 anos, foi demitida do hospital particular onde trabalhava em 2017. Desempregada, passou a atender em domicílio e, para complementar a renda, recorreu à ocupação que já havia tentado há 15 anos: refeições saudáveis congeladas. São cerca de 200 por mês.

— Desde que me formei, nunca havia ficado desempregada. Hoje trabalho mais e ganho menos. Também é ruim não ter uma renda fixa. Mas trabalho com algo no qual acredito — diz Cynthia.

Maria Andréia, do Ipea, lembra que a instabilidade financeira que ronda os conta própria é ruim para a economia, pois são famílias que deixam de consumir:

— Se você nunca sabe ao certo qual será sua renda naquele mês, não consegue ter um planejamento financeiro adequado, e suas decisões de consumo acabam prejudicadas. Comprar um aparelho eletrônico ou um automóvel, que dependem de parcelamento, é impensável. É uma vida sem sossego.

Desde que o operador de produção Jean Luiz da Silva, de 39 anos, teve sua jornada reduzida para apenas três dias por semana, por um ajuste de produção feito pela Ford, em São Bernardo do Campo, ele decidiu abraçar o hobby de sua mulher, Elen Cristina Chagas da Silva. O casal produz lembrancinhas para festas infantis.

— Antes eu só ajudava. Agora, com mais tempo em casa, virou nossa segunda fonte de renda — disse Jean.

Por semana, ele recebe entre quatro e seis pedidos de kit. Quando isso acontece, o ganho chega a ser de até 50% do seu salário de R$ 3,2 mil na montadora.

Já Allexandro de Lima, de 35 anos, trabalhou como motoboy por 12 anos em uma escola pública de ensino técnico do Rio, até ser demitido em 2016. Desde então, ele se reveza entre dois trabalhos: das 18h à meia-noite é entregador de pizza, e das 8h às 14h, padeiro.

— Não é suficiente para pagar as contas, mas, como minha mulher também trabalha, vamos levando — diz Allexandro, pai de três filhos.

SUB APROVEITAMENTO

Enquanto uns acumulam trabalhos, há quem mude radicalmente de profissão para driblar a crise. O paulista Robson Camargo, de 36 anos, era operador de torno em uma indústria metalúrgica. Demitido, decidiu se reinventar: — Fiz cursos de confeitaria e estou como confeiteiro free-lancer em padarias há um ano, mas quero encontrar algo fixo, com carteira assinada.

Ele conta não ter mais perspectiva de voltar a trabalhar na indústria porque os processos produtivos se modernizaram e hoje “se trabalha com menos gente do que antigamente”. Além disso, a crise levou muitas indústrias a fecharem ou reduzirem a produção.

Thiago Xavier, economista especializado em mercado de trabalho da Tendências Consultoria Integrada, diz que esse deslocamento de profissionais de sua área de formação para posições que exigem menor escolaridade é ruim para o trabalhador e para a economia:

— São pessoas sub aproveitadas fora de suas áreas e que estão tendo seu capital humano depreciado em atividade com produtividade menor, sem a cobertura de direitos sociais.

Após 3 meses, Bolsonaro tem a pior avaliação entre os presidentes eleitos desde a redemocratização de 1985

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Aos 100 dias, Bolsonaro tem a pior avaliação de um presidente eleito

30% consideram governo ruim ou péssimo; em período semelhante, Collor tinha 19% de reprovação, FHC, 16%, Lula, 10%, e Dilma, 7%

Igor Gielow – Folha de S. Paulo

Envolto em contínua crise política e sem assistir a uma melhora na economia, Jair Bolsonaro (PSL) registra a pior avaliação após três meses de governo entre os presidentes eleitos para um primeiro mandato desde a redemocratização de 1985.

Mas 59%, segundo o Datafolha, ainda acreditam que ele fará uma gestão ótima ou boa. O presidente completa cem dias de mandato na próxima quarta-feira (10).

Segundo o instituto, 30% dos brasileiros consideram o governo de Bolsonaro ruim ou péssimo, índice semelhante ao daqueles que consideram ótimo ou bom (32%) ou regular (33%). Não souberam opinar 4% dos entrevistados.

O instituto ouviu 2.086 pessoas com mais de 16 anos em 130 municípios nos dias 2 e 3 de abril. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Antecessores de Bolsonaro nas mesmas condições tiveram melhor desempenho. Fernando Collor (então no PRN) era reprovado por 19% em 1990, enquanto Fernando Henrique Cardoso (PSDB) marcava 16% de índices ruim ou péssimo em 1995.

Os petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, alvos freqüentes de críticas do atual presidente, eram mal avaliados apenas por 10% e 7% da população ao fim dos primeiros três meses do governo.

Na série histórica, Dilma é quem teve numericamente a melhor avaliação a esta altura do mandato, com 47% de ótimo/bom em 2011.

Não se comparam aqui os primeiros trimestres de presidentes reeleitos, pois suas imagens já passaram pela exposição de todo um governo além dos três meses: Lula se mantinha com uma rejeição confortável (14%), FHC amargava 36% e Dilma já começava a viver o inferno político que a derrubaria do cargo em 2016, com 60% de ruim e péssimo.

Os vices que assumiram desde a redemocratização também não são comparáveis — a aferição de Michel Temer (MDB) não foi feita, enquanto Itamar Franco tinha n% de ruim/péssimo nesse intervalo.

Antes da posse, 65% esperavam que Bolsonaro fizesse um governo ótimo ou bom, 17%, regular, e 12%, ruim ou péssimo.

Os índices já eram os piores entre os presidentes eleitos para primeiro mandato desde a redemocratização.

Agora, a expectativa é positiva para s 9%, mediana para 16% e negativa para 23%.

Nesses primeiros meses, Bolsonaro viveu diversos episódios de desgaste político: a investigação sobre milícias envolvendo o gabinete de seu filho Flávio na Assembleia do Rio, as candidaturas de laranjas de seu partido, os entrechoques entre militares e a ala do governo sob influência do escritor Olavo de Carvalho, a crise no MEC, a troca de farpas com o Congresso e a dificuldade no encaminhamento da reforma da Previdência.

A economia segue em ritmo lento, e a taxa de desemprego subiu em relação ao trimestre passado — está em 12,4%.

Assim, para 61% dos ouvidos, Bolsonaro fez menos do que se esperava no exercício do cargo. Já 13% consideram que ele fez mais, enquanto 22% avaliam que ele fez o que era esperado. Entre os descontentes, a predominam pessoas mais pobres e menos escolarizadas.

Nessa comparação, ele também perde para os primeiros mandatos de Lula e de Dilma, que tiveram o mesmo tipo de mensuração pelo Datafolha. Em 2003, o petista fez menos do que poderia para 45%, e em 2011 a ex-presidente pontuou 39% no quesito.

A aprovação de Bolsonaro é maior entre os homens (38%) do que entre as mulheres (28%).

O comportamento do presidente, que se envolveu em polêmicas como a divulgação de um vídeo pornográfico para criticar o que seriam abusos nas ruas durante o Carnaval, é avaliado como correto por 27% dos ouvidos.

Já outros 27% acham que Bolsonaro na maioria das vezes se posiciona de forma adequada, mas às vezes não. No lado negativo, 20% pensam que na maioria das vezes o presidente é inadequado, e 23% dizem que ele nunca se comporta como o cargo exige.

Há sinais de alerta para o bolsonarismo em dois grupos que apoiaram consistentemente o então candidato durante a campanha de 2018.

Os que ganham mais de 10 salários mínimos e os que têm curso superior registram numericamente também a maior rejeição ao governo até aqui: 37% e 35%, respectivamente, avaliam a gestão como ruim ou péssima.

Esses grupos também registram a maior aprovação, 41% (empatada tecnicamente com os 43% dos que ganham de 5 a 10 salários mínimos) e 36% de ótimo/bom (empatada tecnicamente com os 33% de quem tem ensino médio), indicando assim uma polarização entre o eleitor mais elitizado.

Os mais pobres (até 2 salários mínimos) são os menos contentes, com 26% de ótimo e bom.

Já o eleitorado evangélico (34% da população) segue mais entusiasmado com o presidente, que é católico, mas foi batizado por um pastor e é fortemente associado ao setor. Acham o governo até aqui ótimo ou bom 42% desse segmento, índice que cai a 27% entre católicos (50% dos brasileiros).

Brancos são os que mais aprovam Bolsonaro (39%), enquanto pretos e pardos são os que mais desaprovam (29% para cada um dois grupos).

Ainda não há uma reversão na divisão geográfica do apoio ao presidente. O Sul, sua principal fortaleza em 2018, deu a maior aprovação a ele neste levantamento: 39% (empatado com os 38% do Centro-Oeste/Norte), contra 22% de desaprovação.

O Nordeste é a região que mais rejeita o governo, com 39% de ruim/péssimo e 24% de ótimo/bom. Também lá existe a menor expectativa positiva: 50%.

Luiz Carlos Azedo – Agora vai: acabou o horário de verão

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NAS ENTRELINAS – CORREIO BRAZILIENSE

Nos 100 dias de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro não fez uma revolução na vida nacional, apesar das turbulências que o presidente da República, seus filhos Flávio (senador), Eduardo (deputado federal) e, principalmente, Carlos (vereador carioca) protagonizaram nas redes sociais, sem falar nos disparates do ministro da Educação, o atabalhoado Ricardo Vélez Rodriguez, e nas desbocadas tuitadas do ideólogo do bolsonarismo Olavo de Carvalho. Um balanço da atuação do governo no período explica por que a popularidade de Bolsonaro caiu 16 pontos entre janeiro e março passado. Para melhorar a popularidade, Bolsonaro anunciou o fim do antipático horário de verão.

A mudança mais estratégica promovida por Bolsonaro nesses 100 dias foi a guinada à boreste na política externa brasileira. Na marcação relativa de suas prioridades geopolíticas (Estados Unidos, Chile, Israel), os resultados são duvidosos. Na relação com os Estados Unidos, frustrou o presidente Donald Trump em relação à participação brasileira numa eventual intervenção norte-americana na Venezuela (ainda bem); com o Chile, deixou o presidente Sebastián Piñera na maior saia justa, por causa de seus elogios à ditadura de Pinochet; finalmente, no “fan tour” em Israel, recuou da intenção de transferir a embaixada do Brasil para Jerusalém, anunciando a instalação de um escritório comercial. Agora, corre dos prejuízos na imagem internacional com árabes e chineses.

Depois de muita perda de tempo, caiu a ficha de que o governo precisa se empenhar na aprovação da reforma da Previdência. Bolsonaro busca uma aproximação com os partidos, depois de um cessar fogo no tiroteio com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no qual queimou cartuchos desnecessariamente. Entretanto, a cada conversa política do presidente da República, o ministro da Economia, Paulo Guedes, perde alguns bilhões da economia de R$ 1 trilhão que pretendia fazer em 10 anos. Para Bolsonaro, o essencial é aumentar a idade mínima e o tempo de contribuição. Ou seja, vem aí uma reforma mitigada, para garantir um alívio fiscal nos quatro anos de mandato. A grande dúvida é se Guedes e a economia aguentam esse tranco.

Guedes é a principal âncora do governo; a outra, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, com a Operação Lava-Jato, uma espécie de “big stick” na relação com os políticos. O mundo de Moro — a magistratura, o ministério público e as polícias federais e agentes ficais — é contra a redução dos próprios privilégios, lidera um lobby que está sendo engrossado pelos magistrados, procuradores, policiais civis e militares dos estados. O sucesso do governo depende do desfecho dessa contradição. Se prevalecerem as corporações e o mercado, haverá um colapso nas políticas sociais e baixo crescimento; se atender às corporações e à maioria da população, populismo e recessão; a melhor alternativa é acabar com os privilégios.

Estão na lista dos pontos fortes do governo o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que vem dando um show de competência com seu programa de concessões, e os ministros da Agricultura, Teresa Cristina; da Cidadania, Osmar Terra; e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. São políticos bem-vistos pelos colegas e não fazem marola. O ponto mais fraco, disparado, é o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, cuja cabeça pode rolar amanhã. Outro é o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, enrolado no escândalo dos candidatos laranjas do PSL, o partido de Bolsonaro.

Pesquisas

Em números, os resultados desses 110 dias de governo estão na pesquisa do Ibope, entre os dias 16 e 19 de março: apenas três em cada 10 brasileiros (34%) avaliam de forma positiva (ótima ou boa) o governo de Jair Bolsonaro. A mesma parcela considera a gestão como regular e praticamente um quarto (24%) como ruim ou péssima. Aqueles que não sabem ou não respondem à pergunta somam 8%. No primeiro levantamento, aqueles que avaliavam a gestão como ótima ou boa eram 49%, em fevereiro caíram para 39% e recuam para 34% em março. A avaliação ruim ou péssima registra um aumento de 13 pontos no mesmo período: os que avaliavam negativamente a administração de Bolsonaro eram 11% em janeiro, passaram para 19% em fevereiro e, atualmente, somam 24%.

Entretanto, 51% ainda aprovam a forma como Bolsonaro governa, contra 38% que desaprovam; 10% não sabem ou preferem não opinar. O problema é a velocidade da queda: 67% aprovavam em janeiro, índice que caiu para 57% em fevereiro e recuou agora para 51%, ou seja, uma redução de 16 pontos. A desaprovação vai numa escalada: subiu de 21% para 31% e 38%, respectivamente, entre janeiro e março. A confiança no presidente regrediu: 49% da população confiam, contra 44% que não confiam e 6% que não sabem ou preferem não responder. Em janeiro, 62% confiavam no presidente ante 30% que não confiavam. Em fevereiro, os percentuais eram 55% e 38%, respectivamente. Desse modo, a queda da confiança entre janeiro e março é de 13 pontos, e o crescimento dos que não confiam, de 14 pontos. (Correio Braziliense – 07/04/2019)

Veja as manchetes e editoriais dos principais jornais hoje (08/04/2019)

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MANCHETES

O Globo

Governo mudará lei para repartir com os estados R$ 100 bi do pré-sal
Bolsonaro tem a pior avaliação em 1º mandato
TRF-2 pode mandar cúpula do bicho para cadeia amanhã
Eleita 1ª reitora, Denise de Carvalho diz não haver motivo para Bolsonaro barrar sua nomeação
Militares fuzilam carro com crianças e matam músico
Eleição em Israel ignora conflito com palestinos

O Estado de S. Paulo

Indústria tem a menor fatia do PIB em mais de 70 anos
Saúde fará guia para ensinar parlamentares a gastar bem
Dia decisivo para o MEC: senador do PSDB é cotado
Ibama libera leilão da ANP em ‘área sensível’
Nova regra faz varejo suspender promoções
Cisjordânia gera críticas a Netanyahu

Folha de S. Paulo

Esperança na economia do Brasil piora depois da posse
Presidente não cumpriu até agora maioria das metas
Militar em cargo de governo tem apoio de 60% no país
Confusão entre apoiadores e críticos de Lula marca atos em SP
Fraude leva a mudança em cadastro de usuário de celular
Após ONU pedir trégua, milícia ataca capital líbia

EDITORIAIS

O Globo

Falta pressionar a Bolívia para um acordo antidrogas

Brasil é hoje a grande plataforma de exportação para a cocaína produzida no país vizinho

Aumentou em 47% a produção de cocaína pura na Bolívia nos últimos dez anos. Passou da média de 170 toneladas métricas, em 2007, para 249 toneladas em 2017, segundo relatório do Departamento de Estado ao Congresso americano na semana passada. A Bolívia possui 3,4 mil quilômetros de fronteira com o Brasil. Sob o governo de Evo Morales, líder dos produtores de folha de coca, passou de zona de tráfico da cocaína do Peru para a posição de terceiro maior produtor mundial. As atividades de agricultura de coca e de refino da cocaína em território boliviano são fomentadas por um sistema multinacional de financiamento dos cartéis peruanos e colombianos. Essa economia subterrânea está quase integralmente direcionada à exportação, via Atlântico, a partir dos portos brasileiros.

A logística para transporte da produção da Bolívia, do Peru e da Colômbia é montada com parcerias, no lado brasileiro, de facções criminosas nacionais. Esse mercado lucrativo estimula uma guerra interna, pelo controle das principais rotas até os portos. Leva ao crescimento da violência na periferia das cidades ao longo das rotas de tráfico e das metrópoles com grandes portos, como Rio e Santos. O Brasil tem intensificado a repressão nas zonas de embarque e exportação da droga. Houve apreensão de 30,6 toneladas de cocaína no ano passado, volume 70% maior que o registrado em 2017. O aumento da fiscalização é fundamental, mas, considerado o contexto de expansão da produção sulamericana, equivale a enxugar gelo.

O Brasil é hoje a grande plataforma de exportação para a cocaína da Bolívia. O problema transcende políticas estaduais de segurança. É uma questão federativa e precisa ser tratada, de fato, também na política externa. O tempo já mostrou que é inútil esperar iniciativa do governo Evo Morales, que fez carreira política na defesa dos interesses “cocaleros”. Em 13 anos no poder, sua contribuição efetiva foi ajudar na expansão do cultivo de coca. Morales aumentou em 83% a área legalizada a pretexto de fomentar tradição, cultura e medicina nativa. Os dados disponíveis indicam que perdeu o controle — se algum dia quis ter — da produção de coca e de cocaína pura no território boliviano.

É preciso uma resposta eficaz na política externa. Não se trata de confrontar a Bolívia, mas de negociar à exaustão compromissos inovadores, exequíveis e fiscalizáveis, para reverter essa escalada produtiva. Há meios de pressão, entre eles a compra de gás, cujos contratos estão no prazo de revisão. Além disso, o momento é favorável: em sete meses acontecerá uma eleição presidencial e, pela primeira vez, a reeleição de Morales é incerta. Ele disputa voto a voto com o antecessor Carlos Mesa. Qualquer que seja o vencedor, o futuro da Bolívia deve passar pela negociação de um grande acordo antidrogas com o Brasil.

O Estado de S. Paulo

A velha Previdência e o novo trabalho

A proposta de reforma da Previdência corrige desajustes, como a idade mínima numa população cada dia mais longeva, e injustiças, como a disparidade entre servidores públicos e trabalhadores privados, que faz com que o Estado seja o maior promotor de desigualdade social no Brasil. Mas, além do equilíbrio e da equidade fiscal, o País precisará se adaptar ao novo mundo do trabalho, em especial ao crescimento das relações de trabalho atípicas em detrimento do emprego tradicional.

A revolução digital faz com que modalidades como o trabalho temporário, o autoemprego ou a contratação independente sejam cada vez mais comuns. Conforme a pesquisa “Previdência sem providência?”, dos economistas J.R. Afonso e J.D. Sousa, os empregados com carteira assinada no Brasil respondem por 38,9% da força ocupada e os servidores por 8,5%. Restam 52,6% sem vínculo e proteção. Metade dos brasileiros, especialmente os mais jovens, educados e de maior renda, prefere o trabalho autônomo com rendimentos mais altos, sem benefícios e com impostos mais baixos.

Tal transformação é intensificada pela “pejotização”, ou seja, a migração do emprego formal para o regime de pessoa jurídica ou autônomo, causada sobretudo por anomalias tributárias: enquanto a média mundial de custos trabalhistas (em queda) é de 20,5% do salário pago, no Brasil esse índice (em crescimento) é de 71,4%. Em resumo, o sistema previdenciário tradicional não só arrecadará cada vez menos, como cobrirá cada vez menos trabalhadores. Entre 1996 e 2017, o número de contribuintes do INSS com renda acima do teto de sete salários mínimos caiu 25%, enquanto o daqueles com salário abaixo disso cresceu 158%. Segundo os pesquisadores, “esse movimento quebrou um dos princípios básicos do regime brasileiro – o do subsídio cruzado –, na medida em que empregadores que pagam salários maiores passaram a financiar cada vez menos aqueles com menores benefícios”. Ou seja, o fator redistributivo está em franca erosão.

A Previdência é só um dos componentes dos sistemas de seguridade social que precisarão ser adaptados à flexibilização das relações de trabalho. Entre as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho para garantir proteção mínima a todos, está a flexibilização da vinculação da proteção social à contribuição salarial, a ser complementada com sistemas protetores independentes. Para fortalecer a rede de proteção aos trabalhadores em regimes atípicos, estão medidas como a redução dos limites mínimos de contribuição relativos a renda, horas de trabalho e duração do emprego, a flexibilização em relação às interrupções do período de contribuição e o incentivo à portabilidade dos títulos.

Uma das propostas do projeto previdenciário do governo nesse sentido é a substituição do modelo de financiamento por repartição pelo de capitalização. O regime atual, em que os trabalhadores da ativa contribuem junto com os empregadores e o governo federal para os benefícios dos aposentados, é insustentável, já que o número de idosos que dependem dos trabalhadores ativos aumenta a cada ano. Já no regime de capitalização, cada trabalhador financia sua própria aposentadoria, depositando suas contribuições em contas individuais geridas pela iniciativa privada. Mas, como mostra a experiência do Chile, que inspira essa proposta, o ideal é um sistema híbrido, em que essa opção fique restrita aos segurados de maior renda, evitando quedas de arrecadação muito bruscas e garantindo um mínimo de proteção aos trabalhadores de baixa renda e aos idosos.

Enfim, desarmar a bomba-relógio previdenciária é imperativo. Mas isso só tapa o buraco pelo qual o Estado de Bem-Estar Social brasileiro está se esvaindo. A médio prazo, se o País quiser navegar pelas águas em cujo horizonte se ergue um novo mundo do trabalho, precisará de novos motores, combustíveis e equipamentos, e, a longo prazo, reconstruir essa embarcação por completo. No regime atual, o empregado contribui para o INSS até sete salários mínimos, mas o empregador sobre a folha como um todo. Com a queda do grupo de assalariados abaixo desse teto e o crescimento dos que ganham acima, quebra- se um dos princípios básicos do regime, o da subsidiariedade cruzada, pelo qual os salários maiores financiam os menores benefícios.

O Estado de S. Paulo

A bomba da dívida e a reforma

A maior bomba da economia brasileira, a dívida pública, fica mais potente a cada mês, enquanto o governo continua incapaz de arrumar suas contas e transmitir maior segurança a credores e investidores. A dívida bruta do governo geral atingiu em fevereiro R$ 5,34 trilhões, soma equivalente a 77,40% do Produto Interno Bruto (PIB), proporção excessiva para uma economia emergente. Pagar pelo menos os juros vencidos em cada ano é a condição mínima para o setor público frear o endividamento. Mesmo com a reforma da Previdência o País poderá levar uns dois ou três anos para chegar até lá.

Nenhuma solução será possível sem a reforma, como indicam muito claramente, mais uma vez, as contas fiscais divulgadas pelo Banco Central (BC). Segundo essas contas, o governo central acumulou um déficit primário, isto é, sem juros, de R$ 118,70 bilhões nos 12 meses até fevereiro. Os números do governo central incluem os do Tesouro, do BC e da Previdência (INSS). Com redução de gastos e algum acréscimo de receita, o Tesouro ficou no azul, com superávit de R$ 76,69 bilhões. As operações do BC foram levemente deficitárias, com saldo negativo de R$ 494 milhões, sem efeito sensível no resultado geral. A explicação do desastre é, portanto, muito simples. O governo central ficou no vermelho porque todo o excedente acumulado pelo Tesouro foi tragado pelo enorme buraco do INSS, um déficit de R$ 194,89 bilhões, 2,83% do PIB.

Ninguém deve iludir-se com os números positivos do primeiro bimestre, quando o governo central contabilizou superávit de R$ 14,99 bilhões. Nesse período, o saldo de R$ 43,84 bilhões acumulado por Tesouro e BC superou com folga o déficit do INSS, de R$ 28,88 bilhões. Esse quadro é sazonal e normalmente se repete em todo começo de ano. O Tesouro tem até conseguido, desde o fim da recessão, resultados normalmente melhores que os de um ano antes na maior parte dos meses. A atividade econômica, mesmo em recuperação muito lenta, tem gerado mais tributos. Ao mesmo tempo se mantém o compromisso de austeridade. Mas os gastos obrigatórios crescem seguidamente, com as despesas da Previdência na liderança.

Graças a resultados positivos de Estados, municípios e estatais, o déficit primário do conjunto do setor público ficou em R$ 31,97 bilhões no primeiro bimestre – resultado melhor que o do governo central. Também houve diferença, em proporção melhor, no acumulado de 12 meses, quando o déficit primário do governo central chegou a R$ 118,70 bilhões, enquanto o do setor público em geral ficou em R$ 105,82 bilhões. Somados os juros, o resultado nominal, a medida mais ampla, foi um buraco de R$ 479,23 bilhões, ou 6,95% do PIB. A proporção média observada nos países emergentes e de renda média é próxima de 4%. O desafio básico para o governo é controlar as contas primárias. Se isso for possível, credores e investidores ficarão menos inseguros e a melhora das expectativas deverá resultar em juros menores para o financiamento do Tesouro.

É irrealismo esperar juros menores apenas por decisão do BC. Expectativas também afetam a inflação e é um erro perigoso afrouxar a política monetária de forma voluntarista. Melhores expectativas, acompanhadas de menor custo do dinheiro, serão essenciais para a consolidação e a aceleração do crescimento econômico. Se isso ocorrer, a arrecadação tenderá a subir e a gestão das contas públicas ficará mais fácil.

Mas um ajuste duradouro, isto é, independente da conjuntura favorável, dependerá de uma reestruturação das contas públicas. Reformar a Previdência é condição indispensável para isso. Outras mudanças serão necessárias, mas, sem essa, nenhum conjunto de medidas bastará. Nem as contas públicas serão arrumadas, nem o aumento da dívida será contido, nem o crescimento será retomado com segurança. Treze milhões de desempregados deveriam ser um estímulo poderoso para os políticos, incluído o presidente da República, pensarem seriamente nisso.

O Estado de S. Paulo

Ainda a conta do PT

O Congresso defenestrou a última presidente petista por crime de responsabilidade, o Judiciário condenou criminosos petistas pelo mensalão e o petrolão e o eleitorado bloqueou o retorno do último poste de Lula da Silva ao Planalto nas eleições passadas. Mas o contribuinte continua a pagar a conta do projeto de poder do PT. Conforme reportagem do Estado, só Venezuela, Cuba e Moçambique somam R$ 2,3 bilhões em dívidas atrasadas com o BNDES. Os valores recairão sobre o Tesouro, que cobre os financiamentos do banco ao exterior e que já teve de indenizá- lo em R$ 1,3 bilhão devido aos atrasos desses países.

Criado nos anos 50 para capitalizar empreendedores de todos os portes, em especial empreendimentos estratégicos na indústria e infraestrutura, o banco também teve papel decisivo na modernização da agricultura, comércio e serviços, assim como em investimentos sociais na educação, saúde, agricultura familiar, saneamento básico e transporte coletivo. Na gestão petista, esse instrumento destinado a fortalecer a economia serviu à bandeira populista e para operações duvidosas das “campeãs nacionais”.

Em 2012, logo após a entrada em vigência da Lei de Acesso à Informação, o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio decretou sigilo até 2027 sobre a documentação dos empréstimos do BNDES, vedando que a ela tivessem acesso o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria- Geral da União e o próprio Ministério Público. Três anos depois, o Congresso suspendeu o sigilo por decreto, vetado por Dilma Rousseff. Só em julho de 2015 um juiz federal, a pedido do Ministério Público, derrubou o sigilo.

O levantamento do TCU foi estarrecedor. De R$ 50 bilhões distribuídos em 140 contratos de financiamento, 87% (R$ 44 bilhões) estavam concentrados em cinco países – Angola, Venezuela, República Dominicana, Argentina e Cuba –, e 97% desses recursos beneficiavam apenas cinco empreiteiras, todas denunciadas na Lava Jato. Dentre outras irregularidades, o TCU averiguou que os empréstimos foram acertados por instâncias do Executivo, sendo apenas homologados pelo BNDES, que, contra todos os protocolos, sobretudo em empréstimos de altos risco e custo, não acionou os seus pareceristas técnicos. Além disso, não houve processos licitatórios e o banco se omitiu na apuração dos preços, deixados a cargo das empresas e governos beneficiados.

Pior, os riscos de inadimplência ficaram todos com o governo, quer dizer, com o contribuinte brasileiro. De lá para cá, duas Comissões Parlamentares de Inquérito do BNDES malograram pelas manobras dos próceres petistas na Câmara e a terceira, cuja constituição foi determinada em fevereiro deste ano pelo presidente da Câmara, ainda está em formação. Que a caixa-preta do BNDES, quando definitivamente aberta, revelará muitos outros descalabros, ninguém duvida – a começar pelos próprios petistas, que tanto se esforçaram para trancafiá-la. Só o risco do calote desses três países, que é quase uma certeza, levou o banco a registrar perdas de R$ 4,4 bilhões no balanço financeiro de 2018, divulgado na semana passada.

Somem-se a isso as dívidas perdoadas pelos governos petistas, como os US$ 900 milhões dados sem contrapartida a 12 governos africanos, e as propinas apuradas pela Lava Jato. A constatação é que nas mãos sujas petistas o BNDES se transformou para a geração presente e as próximas num verdadeiro “Banco Nacional do Retrocesso Econômico e Social”, que não só torrou o dinheiro público com projetos sem nenhuma relevância para o interesse nacional, como abasteceu os bolsos de políticos e empresários corruptos, e, pior, de ditadores que asfixiam as populações de seus países.

Cabe aos brasileiros continuar pressionando o Congresso, o Ministério Público e os outros órgãos de fiscalização para que levem essa devassa até o fim e, sobretudo, aniquilar nas urnas o projeto de poder desse partido que, ainda hoje, tem a maior bancada na Câmara.

Folha de S. Paulo

Prestígio militar

Para 60%, grande presença de militares no governo é mais positiva, diz Datafolha; número exagerado implica riscos, porém — até para as Forças Armadas

Militares chefiam um terço dos ministérios do governo do capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL), além de ocuparem postos importantes no segundo escalão. Uma maioria expressiva dos brasileiros, 60%, considera essa sobrerrepresentação mais positiva que negativa, segundo pesquisa Datafolha realizada no início deste mês.

A aprovação não parece personalizada, dado que mais da metade dos entrevistados não soube nominar o vice-presidente, general Hamilton Mourão, e relatou desconhecer o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional e um dos auxiliares mais destacados do presidente.

As Forças Armadas estão entre as instituições de maior prestígio no país, atestam pesquisas anteriores. Não estão identificadas à balbúrdia, à corrupção e à crise econômica produzidas nos últimos anos pela política tradicional. Em alguns estratos mais conservadores, podem satisfazer um anseio por autoridade e ordem.

Apesar do apoio expressivo à presença de oficiais no comando do Executivo federal, notam-se divisões no eleitorado. Entre os brasileiros que não votaram em Bolsonaro, a opinião positiva sobre os militares no governo é minoritária.

Cai aperto de 50% entre jovens, famílias de renda superior a 10 salários mínimos, pessoas de educação universitária, no Nordeste e entre negros. A aprovação é flagrantemente mais comum entre os eleitores de Bolsonaro (84%)

Ocioso ressaltar que nada há de errado, por si só, na presença de membros das Forças Armadas em postos-chave da administração. O número desproporcional de hoje, porém, suscita preocupações.

Indica, de imediato, que o presidente não conhece muitos quadros qualificados em outras searas da vida nacional — universidades, empresariado, entidades da sociedade civil, políticos profissionais. É um sintoma, pois, de sua desconexão com a diversidade brasileira.

Além disso, a onipresença de militares pode enviesar projetos e políticas públicas — seja pela visão de mundo, seja pelos interesses corporativos. Exemplo claro da última hipótese foi a proposta de reforma previdenciária a exigir bem menos sacrifícios da caserna que do restante dos setores.

Cumpre reconhecer que, em uma equipe repleta de neófitos na gestão pública, a começar pelo próprio presidente, os militares têm se mostrado em geral quadros ponderados e dedicados à solução desapaixonada de problemas.

Ainda assim, seria razoável que houvesse mais diversidade na administração, até para o bem da imagem das Forças Armadas. Ela corre um risco indevido de desgaste, ao estar mais uma vez tão associada ao desempenho de um governo.

Folha de S. Paulo

Mortes demais

Pouco há a comemorar na ação da Polícia Militar em Guararema, a pacata cidade paulista onde a Rota matou 11 de 25 suspeitos de assaltar dois bancos. Quando muito pode-se registrar que foi sorte nenhum civil nem agentes saírem feridos ou mortos da violenta ação.

Matar não é a obrigação primeira da polícia — ao contrário do que parecem sugerir autoridades e políticos que exploram de modo oportunista o sentimento de alarme da população. Seu ofício é capturar criminosos e levá-los à Justiça. Não existe pena de morte no Brasil, sempre é bom lembrar.

Na prática, espraia-se a noção regressiva de que agentes podem decidir por si sós, no calor das patrulhas, quem é merecedor da pena capital inexistente. Por isso morrem tantos, culpados e inocentes.

Afirmar que os assaltantes armados de fuzis e escopetas não foram a passeio até Guararema não chega a ser um argumento. Trata-se tão somente de rendição a um certo senso comum, em tudo oposta ao Estado de Direito.

Se havia informação sobre a iminência de um ataque a bancos, seria obrigação das forças de segurança planejar a melhor maneira de prender os facínoras com vida. Assim seria possível obter deles mais detalhes sobre mandantes, esconderijos e métodos e, quem sabe, desarticular futuras investidas.

Se planejamento houve, foi para uma emboscada mortífera, infelizmente não a primeira perpetrada pela PM paulista. E mesmo ela não pode ser dada como bem-sucedida, afinal muitos criminosos escaparam e até reféns foram feitos.

Torna-se mais evidente que o poder público estimula, mais do que tolera, uma cultura de violência sanguinária na polícia.

As declarações temerárias do governador João Doria (PSDB), que prometeu condecorar militares da Rota, e do presidente Jair Bolsonaro (PSL), parabenizando-os, pode decerto angariar votos, mas jamais resolverá os problemas da segurança pública do país.

Impelida por esse gênero de incentivo incivilizado, a letalidade policial já parecia vir em crescimento em terras paulistas mesmo antes da matança em Guararema. Ocorreram em março 64 óbitos em intervenções policiais, contra 43 no mesmo período do ano passado.

Doria não chegou, pode-se dizer, ao cúmulo de irresponsabilidade do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que defende “abater” portadores de armas por meio de atiradores de elite no alto de construções — sem investigação, sem julgamento, sem sentença, na base do puro arbítrio.

Entretanto o tucano flerta de modo perigoso com um populismo policial que finge ser política pública.