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José Serra: Outra década perdida?

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Tudo leva a crer que o ano de 2019 fechará mais uma “década perdida”, numa frustrante repetição do que ocorreu nos anos 1980. A expressão, na verdade um tanto exagerada e catastrofista, foi cunhada com relação àqueles anos, quando a economia brasileira, até então invejada por sua pujança, tropeçou no desequilíbrio externo e na superinflação, exibindo um crescimento medíocre do PIB, muito distante do ritmo do pós-guerra: cerca de 17% em dez anos.

A presente década pode terminar sendo, em matéria de dinamismo econômico, pior do que aquela. É bem verdade, porém, que a “década perdida”, numa perspectiva econômica, é um tanto injusta com o Brasil dos anos 80. Dado o crescimento rápido verificado no após guerra – e em parte devido às suas lacunas –, grandes problemas foram se acumulando, sintetizados na inflação galopante e no desequilíbrio externo, marcas da nossa transição de economia agrícola para industrial no historicamente curto espaço de 50 anos.

Metrópoles expandiram- se com infraestrutura deficiente e a oferta agrícola não acompanhava a demanda crescente. Ademais, a população padecia de níveis muito baixos de instrução e pouco acesso à saúde. Como é sabido, o modelo de desenvolvimento por substituição de importações que prevaleceu no pós-guerra, associado à urbanização rápida e à lenta modernização da agricultura, produziu uma economia concentrada, protegida da competição externa e menos propensa à inovação, e por isso mesmo sujeita a fortes pressões inflacionárias.

A essas pressões estruturais se sobrepôs um relaxamento fiscal que decorreu de nossa complexa redemocratização, cujo momento crítico foi a Assembleia Nacional Constituinte. A nova Carta trouxe-nos um federalismo mal calibrado e pouco consequente do ponto de vista fiscal, com a complicação suplementar de ter consolidado um corporativismo indomável e “de luta” no serviço público – que por bom tempo conseguiu passar-se por “defesa dos trabalhadores”.

A fome juntou-se à vontade de comer e, unidas, confluíram num arranjo político fiscalmente precário, por mais que alguns governantes, aqui e ali, tenham tentado retirar a água do convés com pequenos baldes. O Plano Real representou a grande guinada, ao controlar a superinflação aberta que se arrastara até 1994, por meio de uma engenhosa regra de desindexação. Logo após, outra grande obra política de Fernando Henrique Cardoso foi realizada: a renegociação das dívidas dos Estados e municípios, que garantiu a geração de superávits primários nos entes subnacionais e praticamente extinguiu os bancos estaduais, verdadeiras usinas de inflação.

Ainda assim, o Brasil pós-década de 80 não foi capaz de sustentar um regime fiscal conducente à estabilidade com crescimento. Nossas taxas de juros sempre foram muito elevadas, deprimindo o investimento e onerando as contas públicas. E a partir do segundo governo Lula houve um grande relaxamento fiscal. Nesse percurso de tropeços das contas públicas foram feitas várias tentativas de controle pela edição de novas regras fiscais.

O exemplo mais importante foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, que cumpriu importante papel, apesar que vários de seus dispositivos terem sido interpretados de forma equivocada, como no caso de se permitir que em Estados e municípios parcelas importantes dos gastos com aposentados e despesas de pessoal não fossem computadas na apuração do porcentual máximo de 60% de gastos com o funcionalismo.

Vários Estados continuam até hoje formalmente enquadrados nessa regra, mesmo sem conseguir manter a folha em dia. Surreal! O Brasil é bom para criar regras fiscais – e melhor ainda para driblá-las. A possibilidade de desagregação fiscal nos governos subnacionais ainda representa uma grande ameaça. Se não for contida, não só continuará tolhendo o crescimento econômico, como poderá ressuscitar a inflação. Por trás de tudo isso está o nosso sistema político disfuncional e fragmentado.

As dificuldades que se insinuam para a reforma da Previdência nada mais são do que um sintoma dessa doença do nosso corpo político. O Congresso tornou-se uma federação de quase 30 partidos, nenhum deles em condições de liderar uma maioria apta a implantar o que deseja a sociedade: um Estado saneado e apto gerencialmente a entregar serviços de qualidade em educação, saúde e segurança. Ao contrário, o atual sistema político não forma maiorias programáticas, é implacável em opor vetos e está continuamente dando lugar à expansão de gastos.

A dinâmica formal do Congresso revela essa disfunção. Como existem numerosos partidos, cada qual com seus líderes, um simples encaminhamento de voto toma longas horas, às vezes dias. Um partido pequeno pode entremear esse suplício com questões de ordem variadas e, assim, obstruir votações. Os presidentes das Casas e das comissões têm de recorrer a acordos prévios com todas as lideranças para que as votações sejam concluídas. O risco, obviamente, é a diluição de todas as propostas votadas quando a questão é controversa.

As exceções são os momentos em que a votação contempla o interesse geral dos parlamentares, como no caso da aprovação em tempo recorde da emenda do orçamento impositivo. Aliás, se prevalecer a redação atual, o pouco poder de barganha que restou ao Executivo será obliterado. O presidencialismo é condenado por essa fragmentação, que só tende a aumentar.

A solução para nossos problemas econômicos exige, ao menos como condição para se tornar politicamente viável, a adoção de um novo sistema eleitoral e um outro sistema de governo: o voto distrital misto e o parlamentarismo. Com eles, abrimos a possibilidade de os próximos anos se inscreverem numa década ganha, em vez de mais uma vez perdida. Como e o porquê é um tema para próximos artigos. (O Estado de S. Paulo – 25/04/2019)

José Serra, senador (PSDB-SP)

William Waack: Tão velho quanto palácios

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Nada têm de gratuito, maluco ou infantil os ataques contra o vice-presidente, general Hamilton Mourão, lançados pelos círculos mais íntimos de Jair Bolsonaro, neles incluídos familiares e intelectual a quem o presidente atribui primeira importância. Trata-se de saber quem vai enquadrar quem. Em última análise, é uma luta pelo poder. Intrigas palacianas são tão velhas quanto… palácios.

Nesse caso, porém, não se trata de saber quem tem mais acesso ou consegue mais favores do dono do Palácio, mas, sim, de determinar a quem o dono do Palácio vai obedecer. Do ponto de vista dos assim chamados “ideólogos” juntinho do presidente, faz todo sentido chamar Mourão de “conspirador”. Pois o vice-presidente ganhou “Profil durch Kontrast”, como diz a famosa expressão política alemã: ganhou contornos como figura política por meio do contraste oferecido pela atuação de outros.

A confusão e até notória bagunça nas áreas sob domínio direto dos “ideólogos” no começo do governo é que transformaram Mourão num personagem identificado com pacificação, racionalidade e sensatez – não eram os atributos que se conferiam a ele durante a campanha eleitoral, por exemplo. A “conspiração” atribuída a Mourão reside no fato – sempre sob a ótica dos ideólogos – de ele representar o que se poderia chamar de “núcleo duro” do poder no Palácio.

Nesse sentido, os ideólogos estão atacando o que realmente interessa. Para os militares no Palácio, ao contrário do que propagam os “ideólogos”, grande perigo não são comunistas e esquerdistas embaixo de cada cama. São o caos político e a bagunça institucional, ocorrências que os “ideólogos” consideram não só inevitáveis, mas até desejáveis na grande “revolução conservadora” que julgam ser capazes de conduzir.

É fato notório que esse grupo razoavelmente coeso de militares, egresso de algumas das melhores instituições de ensino do País (como são as academias militares), não só não abraça essas ideias (até as rejeita) nem os métodos de ação (não se dedica a lacrar na internet, por exemplo). Nem parecem esses militares pensar em carreira política no sentido de disputar votos a cada eleição. Além, claro, de se dedicarem a preservar exatamente as instituições (como Supremo e Legislativo) que os ideólogos consideram “sistema” a ser derrotado.

Grupos exaltados e apegados à violência virtual das redes sociais têm dificuldades notórias de enxergar o plano frio das relações de força de fato, entendidas aqui como quem é capaz, em último caso, de comandar quantos seguidores nas ruas. O exemplo mais eloquente dessa perda de leitura da realidade foi fornecido pela direção do PT (começando por Lula) nas semanas que precederam o impeachment de Dilma, quando o partido dizia ser dono “das ruas” e apenas conseguiu demonstrar que as ruas não eram da militância petista – bem ao contrário.

Os “ideólogos” estão reagindo racionalmente ao perigo que identificaram de o presidente ser “tutelado” ou até “emparedado” por outro núcleo de poder, no Palácio e fora dele, que age com método, disciplina e organização. Provavelmente superestimam o fator “popularidade” do capitão, ignorando o fato de que grupos de WhatsApp estão longe de ser a tal “ação direta” com a qual facções desse tipo na franja da paleta política sempre sonharam, não importa a coloração.

Muito vai depender de o próprio Jair Bolsonaro ser capaz de escapar dos efeitos descritos por outra clássica expressão política alemã, a da “Bunkermentalität”. Ela descreve um fenômeno palaciano tão velho quanto… palácios. É o dono do Palácio, vivendo no mundo peculiar das suas paredes estreitas e dando ouvidos só aos mais próximos, não ser capaz de entender o que está acontecendo de fato lá fora. (O Estado de S. Paulo – 25/04/2019)

Nilson Teixeira: O gradual declínio do otimismo

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O Ministério da Economia tem defendido uma plataforma liberal. A agenda inclui uma proposta de reforma da Previdência, que geraria uma economia de R$ 1,1 trilhão em 10 anos; um programa de privatizações e de venda de ativos, totalizando R$ 1 trilhão; uma reforma tributária, que diminuiria bastante a carga tributária sobre as empresas; uma maior abertura no comércio internacional, que contribuiria para o aumento da produtividade; uma redução da burocracia, para melhorar as condições de negócios no país; e a transferência da gestão de recursos para Estados e municípios, visando elevar a eficiência na utilização desses fundos.

Essa agenda e a crença de que o ministro da Economia será capaz de implantá-la são responsáveis pelo otimismo de uma grande parcela do mercado. Todavia, os equívocos dos últimos meses têm reduzido esse sentimento e atenuado a valorização dos ativos.

Mesmo descontando a confiança excessiva que acomete ocupantes do poder, representantes do governo têm superestimado os benefícios da implantação gradual dessa agenda. É difícil crer, por exemplo, que o país crescerá, nos primeiros trimestres após a aprovação de uma reforma previdenciária, ao ritmo de 6% ao ano. Ao mesmo tempo, é difícil assumir, como recentes documentos do governo deixaram claro, que o país terá superávit primário a partir deste ano. Do mesmo modo, não é possível atribuir a realização dos 23 leilões de concessões deste ano ao atual governo, pois o seu trâmite ocorreu praticamente todo no governo anterior. Há exagero nesse comportamento.

A tramitação da emenda do orçamento impositivo confirma a completa falta de articulação do governo no Congresso. Essa desarticulação pode até ser condizente com o discurso de campanha, mas não é apropriada para um governo que precisa construir uma maioria parlamentar. Esse é outro fator que justifica um maior questionamento sobre as perspectivas para os próximos anos.

Apesar de ainda confiantes, os participantes de mercado não mais esperam a aprovação da reforma da Previdência neste semestre e muito menos a sua aprovação quase integral. A evolução do debate sobre a reforma na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados é um claro indicador de que pode haver uma expressiva diluição da proposta original até sua votação no plenário.

A aprovação de uma reforma com uma economia em 10 anos de R$ 700 bilhões é vista como positiva pela maioria dos participantes de mercado, mesmo não sendo suficiente para impedir o crescimento do déficit previdenciário como proporção do PIB. Apesar de esse valor ser superior ao da versão discutida no Congresso em 2018, é difícil classificar esse cenário como muito favorável para o país, ainda mais quando o déficit primário é elevado e tende a persistir por muito anos.

Em outra frente, a postergação da alta do preço do diesel em resposta ao questionamento do presidente da República, instigado por um representante dos caminhoneiros, foi negativa. Embora apropriada, a reação posterior do presidente de que não pode influenciar decisões da empresa e de que é favorável à privatização no setor precisa ser lida, por ora, com ressalvas.

A estratégia do atual governo para evitar a manifestação dos caminhoneiros não difere da adotada por governos anteriores quando sujeitos à pressão de grupos de interesse. A reação corriqueira é a de oferecer subsídios e mais proteção para esses setores. Desta vez, o governo prometeu investimentos para melhorar a malha rodoviária, alterações em licitações para exigir investimentos específicos nas estradas e financiamentos com recursos do BNDES. A inexistência de estudos que indiquem que esses empréstimos constituem um bom uso do dinheiro público replica a atuação de governos anteriores e é prejudicial ao bom funcionamento do setor público. Também aqui, a atitude do governo foi mais negativa do que uma parte do mercado embutia em seu cenário central.

O otimismo também diminuiu por conta da atividade econômica. Desde o início do ano, os resultados têm sido mais fracos do que as projeções da maioria dos analistas. A mediana das previsões em dezembro passado para o crescimento do PIB de 2019 era de 2,55%, variando entre 1,59% e 4,20%. Na quinta-feira passada, essa projeção recuou para 1,71%, no intervalo entre 1% e 2,64%. Essa dinâmica não é nova. Desde 2010, as projeções formuladas em dezembro para o crescimento do PIB do ano seguinte e posterior têm sido superiores aos números divulgados.

Mesmo assim, a maioria dos especialistas espera que a aprovação da reforma previdenciária aumente bastante a expansão da atividade nos próximos anos, estimulada pela elevada capacidade ociosa, expectativa de altos investimentos em infraestrutura e juros reais mais baixos. Apesar de a justificativa fazer sentido, uma forte aceleração da atividade está longe de assegurada.

A atuação de Paulo Guedes contribuiu para a valorização dos ativos frente aos patamares do início de 2018. Alguns participantes de mercado ainda julgam que o empenho do ministro é uma garantia para a boa tramitação das propostas liberais. Apesar da sua importância, a aprovação de ajustes relevantes só ocorrerá com o aval e o empenho pessoal do presidente. Não há como aprovar medidas que retiram benefícios sociais e previdenciários, mesmo que injustos e insustentáveis, sem que o Executivo articule o apoio dos líderes dos maiores partidos de centro e de direita. Esse é o maior desafio do governo, que tem resistido em adotar ações associadas historicamente ao presidencialismo de coalizão.

A dificuldade do presidente de formar uma base de apoio sólida e as atitudes erráticas de alguns de seus ministros reforçam a avaliação de que eventuais transformações econômicas tomarão mais tempo para ser implantadas do que o esperado pelos mais entusiastas. Isso não significa que haja muitas razões, neste momento, para desânimo. Ainda há tempo para ajustar o rumo, apesar de ser difícil que o governo recupere o grande otimismo do fim de 2018. (Valor Econômico – 25/04/2019)

Nilson Teixeira, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia, escreve quinzenalmente neste espaço.

Dólar encosta em R$ 4 e fecha no maior valor em sete meses

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Num dia de tensões no mercado financeiro, a moeda norte-americana encostou em R$ 4 e fechou no maior valor em sete meses. O dólar comercial encerrou esta quarta-feira (24) vendido a R$ 3,986, com alta de R$ 0,064 (+1,63%).

Essa foi a maior cotação de fechamento desde 1º de outubro do ano passado (R$ 4,018). A divisa também registrou a maior alta diária desde 27 de março, quando tinha subido 2,27%.

Bolsa

A turbulência também foi sentida no mercado de ações. O Ibovespa, principal índice da B3 (antiga Bolsa de Valores de São Paulo), fechou o dia em queda de 0,92%, aos 95.045 pontos. O indicador interrompeu uma série de três altas seguidas.

O dólar subiu e a bolsa caiu no dia seguinte à aprovação da reforma da Previdência na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara . Agora, a proposta vai para a Comissão Especial , onde a retirada de pontos pode reduzir a economia prevista de R$ 1,1 trilhão em dez anos. Nesta quarta-feira (24), foi divulgado que 43,1 mil postos formais de trabalho foram fechados em março, segundo o  Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

O cenário externo também influenciou as negociações. O dólar subiu em todo o planeta em meio a preocupações com o Brexit, processo de saída do Reino Unido da União Europeia. (Agência Brasil)

Ministro do Meio Ambiente substitui toda diretoria do ICMBio por PMs

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Toda a diretoria do ICMBio é substituída por policiais militares

Uma semana após a exoneração do presidente do instituto ambiental, três diretores abandonaram o cargo e o quarto ficou sabendo de sua demissão por uma publicação feita pelo ministro Ricardo Salles em uma rede social

Helena Borges – O Globo

Uma crise interna levou à reformulação completa da diretoria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) nesta quarta-feira. Nove dias depois da saída de Adalberto Eberhard – o ex-presidente do instituto pediu demissão no dia 15 – três dos quatro diretores que permaneciam no órgão pediram demissão em uma carta entregue na manhã desta quarta. De tarde, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, publicou em sua conta de Twitter sobre a mudança total da direção.

Em carta encaminhada ao ministro, três dos quatro diretores do ICMBio abandonaram seus cargos na manhã desta quarta (24). O quarto diretor, Leandro Mello Frota, ficou sabendo que seria exonerado pela publicação do ministro no Twitter. Questionada, a assessoria de comunicação do ministério explicou que ainda não há notas oficiais ou publicações no Diário Oficial da União e orientou a reportagem a “ver no Twitter do ministro”.

Todos os quatro novos diretores são policiais militares do Estado de São Paulo. Trabalharam com Ricardo Salles no período em que o atual ministro foi secretário do Meio Ambiente (2016-17) e secretário particular do então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin entre 2013 e 2014).

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). É o instituto que gerencia o Sistema Nacional de Unidades de Conservação instituídas pela União. Cabe a ele fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade; além de exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das Unidades de Conservação federais.

Entenda a crise no Ministério do Meio Ambiente

O ex-presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Adalberto Eberhard, pediu demissão no dia 15, em ofício enviado ao ministro Ricardo Salles. Médico veterinário e fundador da ONG Ecotrópica, que administra reservas particulares de patrimônio natural na região do Pantanal, Eberhard anunciou que deixa o cargo por “motivos pessoais” e agradeceu ao ministro pela “oportunidade e toda a confiança em mim depositada”. Eberhard era contrário à fusão entre o ICMBio e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), uma plataforma defendida por Salles e pelo presidente Jair Bolsonaro desde o início do governo.

No início do mês, Eberhard chegou a acompanhar Salles em uma visita a quatro unidades de conservação no Rio Grande do Sul — as florestas de Canela e São Francisco de Paula e os parques nacionais de Aparados da Serra e Lagoa do Peixe. O ministro revelou, então, que pretende concluir até outubro um edital para concessão dessas localidades à iniciativa privada.

A visita foi marcada por estranhamentos entre o ministro e servidores do ICMBio, cuja sede local é em Mostardas, onde fica o Parque da Lagoa do Peixe. Salles passou rapidamente pela unidade e não respondeu a questionamentos preparados em uma carta apócrifa. Entre os pontos abordados estava o destino de pescadores que vivem no local, protegidos por um termo de ajuste de conduta.

Na terça-feira (23), o ministro Ricardo Salles mandou exonerar o chefe de um dos parques visitados, o Parque Nacional Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul. Fernando Weber era vinculado ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). A demissão ocorreu dez dias depois de Salles se reunir com ruralistas para falar sobre o parque gaúcho.

Luiz Carlos Azedo: Um delírio ambiental

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NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Não tem risco de dar certo a intervenção policial-militar do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com a nomeação de um coronel, dois tenentes-coronéis e dois majores da Polícia Militar de São Paulo para comandar a instituição. A transformação do tema da sustentabilidade num caso de polícia, por capricho pessoal do ministro, não tem precedentes na história das políticas públicas ambientais do país, inauguradas no governo José Sarney, quando foi lançado o programa Nossa Natureza, do qual resultou a fusão de vários órgãos e a criação do Ibama.

Nada contra os militares individualmente, até porque são homens que atuaram intensamente no policiamento florestal. Entretanto, a área exige interdisciplinaridade para uma boa gestão, o que a formação policial simplesmente não garante, embora seja importante para combater os crimes ambientais. Como diria o falecido astrofísico norte-americano Carl Sagan, é o tipo de decisão que somente pode ser atribuída ao “analfabetismo científico”, que está em alta em razão dos conceitos estapafúrdios do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, com repercussão mundial desde a saída do governo norte-americano do Acordo de Paris.

A propósito de um comentário de Platão sobre o ensino de matemática às crianças do Egito Antigo, Sagan dizia que a ignorância em ciência e matemática nos dias atuais é muito mais danosa do que em qualquer outra época. A raiz dos problemas ambientais brasileiros é uma cultura atrasada, que estimula e protege agressões ao meio ambiente, muitas vezes insanáveis, tanto no meio urbano como no rural. É por isso que muitos ignoram e negam o aquecimento global, a diminuição da camada de ozônio, a poluição do ar, o lixo tóxico e radioativo, a chuva ácida, a erosão da camada superior do solo e o desflorestamento da Amazônia.

É óbvio que a linha adotada pelo governo em relação aos problemas ambientais provocará novos desastres, como os já ocorridos em razão de ações governamentais realizadas na marra, contra pareceres originais dos órgãos ambientais, como é o caso da Usina de Belo Monte, no Pará. Sem falar das licenças ambientais, da fiscalização e do controle que deveriam ter evitado as tragédias de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, nas bacias do Rio Doce e São Francisco, respectivamente. A agenda ambiental do governo está com sinal trocado; em vez da busca de soluções em base científicas, a opção é pela truculência administrativa contra pesquisadores e cientistas.

Há inúmeros exemplos históricos de resultados desastrosos em consequência de políticas que, por razões ideológicas e religiosas, trataram a ciência como caso de polícia, como a perseguição do Colégio de Roma aos matemáticos italianos, porque consideravam uma heresia o cálculo infinitesimal, que foi fundamental para o desenvolvimento da Ciência e a Revolução Industrial na Inglaterra. O mesmo aconteceu com a medicina europeia na Idade Média, com a perseguição aos médicos seculares e o desprezo pela cultura judaica e islâmica por parte da Inquisição espanhola. O fundamentalismo ideológico preside decisões como a tomada na intervenção policial-militar no ICMBio.

Chumbo trocado

O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, tentou, mais uma vez, pôr um ponto final no tiroteio entre o vereador carioca Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, e o vice-presidente Hamilton Mourão. Disse que as declarações do general sobre os ataques que recebeu — “quando um não quer, dois não brigam” — estão de acordo com o pensamento do presidente Bolsonaro.

Aparentemente, os generais ganharam a briga no Palácio do Planalto com o guru do clã Bolsonaro, Olavo de Carvalho, que, ontem, declarou ser um “boi de piranha” que protege o presidente da República. Carlos Bolsonaro estaria fora do controle do pai, mas, quem conhece a família, diz que o “garoto” não se deixa enquadrar. Ontem mesmo, estava alfinetando o general Santos Cruz por causa do atraso na campanha do governo em defesa da reforma da Previdência. É a tal história, para Bolsonaro, chumbo trocado não dói. (Correio Braziliense – 25/04/2019)

Veja as manchetes e editoriais dos principais jornais hoje (25/04/2019)

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MANCHETES

O Globo

Governo dá a estados 6 meses para mudar aposentadoria
Exército prende oficial por desvio de armas
Petrobras agora quer termelétrica no Comperj
Salles nomeia PMs para cúpula do ICMBio
Nova lei de incentivo – Mega exposições e musicais, os mais afetados
Facebook teme multa de US$ 5 bi por vazar dados
Brumadinho ainda tem 37 desparecidos
Ataque no Sri Lanka – Dois terroristas eram filhos de rico empresário

O Estado de S. Paulo

Licença ambiental mais flexível ganha urgência na Câmara
Dólar beira R$ 4, apesar de avanço da reforma
Bebê não deve ter contato com telas digitais, diz guia da OMS
Microsoft entre no clube do trilhão
Políticos peruanos agora temem OAS
Uruguai tem 1ª safra de maconha de exportação

Folha de S. Paulo

Recuperação da renda per capita é a pior da história
Delator cita R$ 24 mi a Paulo Preto em propina da marginal
Centrão terá maior peso em comissão da Previdência
Nova Rouanet deve encarecer projetos culturais
Cármen Lúcia suspende decisão que abria brecha para ‘cura gay’
Índios viram acionistas de ferrovia para denunciar empresa
Turco naturalizado brasileiro é preso a pedido de Erdogan

Valor Econômico

Com dólar a R$ 4, mercado se divide sobre ação do BC
Mourão segue ‘rotina’ apesar de tiroteio
Temor de novo calote reduz o apoio a Macri
Oi quer reajuste de 114% para conselho
Para pressionar a Rumo, índios compram ações
Gerdau pretende ampliar lavra em Minas Gerais
Conjuntura – Emprego formal volta a cair em março

EDITORIAIS

O Globo

Comissão Especial exigirá melhorias na articulação política

Passagem do projeto da reforma da Previdência pela CCJ mostra que persistem falhas no bloco governista

A considerar a tumultuada aprovação do projeto de reforma da Previdência, terça-feira, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na Câmara, como treino para embates decisivos que vêm aí, o grupo de parlamentares que apoiam o governo Bolsonaro continua sem poder ser chamado de “base parlamentar”. Melhorou, mas a articulação política ainda precisa ser aperfeiçoada, para enfrentar os choques na Comissão Especial, em que o mérito das propostas será discutido. Embora caiba à CCJ a deliberação sobre a constitucionalidade do projeto, as discussões terminaram tratando de questões de mérito, com a oposição deixando claro que usará a tramitação do projeto apenas para fazer luta política.

Demonstra não estar interessada em discutir a fundo a reforma, talvez por perceber que diante da avalanche de estatísticas que justificam as mudanças não teria o que dizer. Restam as táticas de obstrução, as possíveis e as impossíveis. Mais uma razão pela qual governo e parlamentares da situação não podem abrir brechas para protelações. Por exemplo, a negativa ao pedido de planilhas sobre efeitos da reforma, o que permitiu que se criasse a ideia falsa de que existe algo a esconder na proposta. Ora, há anos especialistas usam dados do Orçamento, da Secretaria do Tesouro, da própria Previdência a fim de demonstrar que o país já esperou demais para ampliar a permanência das pessoas no mercado de trabalho — aposenta-se muito cedo — e acabar com privilégios de castas do funcionalismo público.

Apenas dois dos pontos-chave da crise previdenciária. Foi explicado que as planilhas serão apresentadas na Comissão Especial, e que poderiam atrapalhar estratégias de negociação. Sucede que o objetivo da oposição é sabotar a reforma como um todo, independentemente de estratégias do governo. É necessário, portanto, todo o cuidado na articulação política, para não se dar oportunidades de obstrução. Tem razão o ministro da Economia, Paulo Guedes, em se bater pela economia de R$ 1 trilhão em dez anos. Concessões deverão ser feitas, por se tratar de um processo de negociação, não de imposição.

Podem-se rever pontos que não alterem a chamada potência fiscal da reforma, a cifra do trilhão de reais. É necessário melhorar a coordenação política para que estes princípios sejam defendidos por todos. Não pode haver comportamento dúbio como já ocorreu na CCJ na bancada do próprio partido de Bolsonaro, o PSL. Pelo menos, o presidente parece ter entendido que “nova política” não quer dizer voltar as costas a pedidos de aliados que sejam feitos dentro de padrões éticos aceitáveis. Nos embates de fato decisivos pelos quais a reforma passará, na Comissão Especial, não podem ser cometidos erros que comprometam a tramitação do projeto, já atrasada.

O Globo

Redução da violência em estradas no feriado não estimula otimismo

Cai número de acidentes e de mortes na Semana Santa, mas nada está resolvido nesta questão

Os quatro dias do feriadão da Semana Santa trouxeram a auspiciosa notícia de que diminuiu a violência nas estradas federais. Os 759 acidentes registraram redução de 11% em relação aos 854 ocorridos no mesmo período de 2018. Melhor, o número de mortos caiu 28,5%, de 70 para 50, o mais baixo em 12 anos. Justifica-se alguma comemoração, mas nada está consistentemente resolvido no trânsito brasileiro, onde há anualmente —e não apenas nas rodovias federais — próximo de 40 mil mortos. Estatística de guerra. Outro dado animador é que a quantidade de acidentes graves nas vias federais cai desde 2011, mas convém não projetar a tendência.

Há números que indicam que ainda há muito a ser feito no campo da prevenção, o que se relaciona não apenas a punições, mas também à educação e reeducação. Por exemplo, preocupa que, também na Semana Santa, 980 motoristas tenham sido flagrados dirigindo alcoolizados, 26% a mais que os 760 de 2018. O risco de acidentes sérios se mantém elevado e em alta, pelo menos no último ano. Não espanta que, neste ano, tenham sido aplicadas 35 mil multas, a maior parte delas por excesso de velocidade e ultrapassagens em locais proibidos. Ou seja, ainda estamos a grande distância de se considerar equacionado o problema da violência nas estradas.

Até mesmo porque as estatísticas são das vias federais, não captam, portanto, o que acontece em estradas estaduais, geralmente, com exceções, em pior estado de conservação e menos vigiadas. Reduzir o número de desastres e vítimas é um trabalho que jamais se encerra e precisa envolver grande e crescente estrutura. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), houve um reforço na vigilância nas estradas neste feriado: foram mobilizadas 2.047 viaturas e utilizadas 928 motocicletas. Os policiais tiveram à disposição 2.714 bafômetros e 203 radares portáteis. As evidências indicam que é preciso mais. No lado positivo de um balanço nesta área está o avanço nas licitações para o setor privado construir, manter e gerenciar estradas.

A melhoria da qualidade das vias fora da administração de entes estatais é visível. Há sempre reclamações contra o pedágio, mas não se melhora a estrutura rodoviária sem custo. Faz tempo que o Estado entrou em crise fiscal e, mesmo quando ela for superada, o dinheiro público tem outras prioridades à frente de estradas. A mais recente ameaça contra a segurança nas rodovias partiu do governo Bolsonaro, com sua decisão de suspender a instalação de radares nas estradas federais, um desatino felizmente suspenso pela Justiça, mas ainda em fase liminar. Esta forma de tentar agradar a eleitores de maneira populista é das piores, pois coloca vidas em risco.

O Estado de S. Paulo

Um país atolado na incerteza

Desconfiança e cautela continuam sendo palavras de ordem nos mercados, enquanto se esperam os próximos lances da reforma da Previdência. O dólar, um dos melhores sinalizadores do humor dos investidores, disparou e foi negociado ontem a pouco mais de R$ 3,98 no começo da tarde. Fundamental para o futuro da economia brasileira, a reforma das aposentadorias havia completado com muita dificuldade só a primeira etapa na Câmara dos Deputados.

Vencida a fase mais simples, a aprovação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, investidores, empresários e até economistas do Executivo tinham pouco ou nenhum motivo para maior otimismo. A inépcia política do governo havia sido o grande espetáculo da noite anterior. Na manhã de ontem, novos números de várias fontes confirmaram a fraqueza dos negócios, a escassez de empregos e a precária condição das contas públicas.

Como elevar as apostas, se nem o presidente da República mostrava disposição para batalhar pelos ajustes mais importantes? Uma das primeiras más notícias do dia foi a perda, em março, de 43.196 vagas formais – resultado das admissões e demissões no mês, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério da Economia.

O acumulado no trimestre ainda foi positivo, com saldo de 179.543 contratações, mas os dados do mês surpreenderam os analistas. O recuo poderia ser explicado, pelo menos parcialmente, pela antecipação de contratações em fevereiro, mas está aceso mais um farol de alerta. Nos primeiros três meses, a geração de empregos com carteira assinada foi 15,9% menor que no período de janeiro a março do ano passado. Vagas fechadas e consumo estagnado combinam com inadimplência. O número de consumidores inadimplentes chegou em março a 63 milhões, o maior contingente da série iniciada em 2016, segundo a Serasa Experian.

Por esse balanço, 40,3% das pessoas adultas estão com dívidas atrasadas e negativadas. Houve um aumento de 2 milhões em um ano. Desemprego, concentração de gastos no início do ano (IPTU, IPVA, etc.) e um repique da inflação no primeiro trimestre pressionaram as famílias, comentou o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian. O repique inflacionário, puxado principalmente pelos preços da comida, pode ser passageiro, como estimam muitos economistas, mas os aumentos afetaram as expectativas dos consumidores.

A mediana da inflação esperada para os próximos 12 meses subiu de 5,1% em março para 5,3% em abril, segundo a Fundação Getúlio Vargas. Houve piora das projeções em todas as faixas de renda. As contas do governo federal também continuam fracas. No mês passado, o poder central arrecadou R$ 109,8 bilhões, 5,2% menos que em fevereiro, descontada a inflação. Em relação a março do ano passado a queda foi de 0,58%, de acordo com a Receita Federal.

Até março, o valor arrecadado superou por 1,09% o dos três meses iniciais de 2018. O resultado mensal veio no piso das estimativas de 23 instituições consultadas pela Agência Estado, com valores entre R$ 109 bilhões e R$ 122 bilhões. A soma recolhida ficou, no entanto, dentro das expectativas da Receita, segundo o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros do órgão, Claudemir Malaquias. Mas as projeções, esclareceu, haviam sido rebaixadas em fevereiro.

O baixo nível da atividade econômica tem prejudicado a arrecadação desde 2015, lembrou o coordenadorgeral de Política Fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, Bernardo Schettini. Segundo ele, uma sondagem realizada pela secretaria mostrou um setor privado em compasso de espera. A mudança do quadro, observou, depende de um “cenário mais claro para as contas públicas”. A aprovação integral da reforma da Previdência, resumiu, traria fôlego maior para o crescimento da economia.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, defende opinião semelhante e assinala uma condição política: a reforma será aprovada mais seguramente se o presidente Jair Bolsonaro se convencer de sua importância. Não houve, ainda, sinal disso.

O Estado de S. Paulo

8 a 0

É cada vez mais evidente que a tese da inocência do sr. Lula da Silva – no que se refere ao caso do apartamento triplex do Guarujá –, ou da perseguição da qual ele seria vítima no âmbito do Poder Judiciário, o chamado lawfare, não passa de peça de ficção própria das narrativas das lides políticas. No mundo real, onde imperam as leis e a Constituição, onde aos réus são dadas as garantias do devido processo legal, o sr. Lula da Silva é um criminoso condenado por oito juízes, até agora, em apenas um dos processos aos quais responde.

O ex-presidente é réu em outras oito ações penais. Na terça-feira passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se tornou a terceira instância – o segundo órgão colegiado – a condenar o ex-presidente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O julgamento, na 5.ª Turma da Corte, foi unânime pela condenação – por 4 a 0, e o ministro Joel Ilan Paciornik se declarou impedido –, deixando claro, mais uma vez, que a defesa da inocência do demiurgo de Garanhuns está restrita a seus devotos ou àqueles que a têm por dever de ofício.

Os ministros Felix Fischer, relator da Lava Jato no STJ, Reynaldo Soares da Fonseca, presidente da Turma, Jorge Mussi e Marcelo Navarro rejeitaram todas as alegações da defesa do ex-presidente, incluindo a competência da Justiça Eleitoral para tratar do caso do apartamento triplex, dada recente decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), e a suposta parcialidade do ex-juiz federal Sergio Moro, responsável pela condenação do sr. Lula da Silva na primeira instância. “Não há imputação alguma de autoria dos crimes eleitorais alegados pela defesa.

Muito embora (a defesa de Lula) suscite um cenário hipotético eleitoral, a ação de usar dinheiro oriundo de crime em campanhas eleitorais não é definida como crime eleitoral pela lei. A competência da 13.ª Vara Federal (em Curitiba) já restou devidamente assentada”, disse o ministro Fischer em seu voto.

Embora tenha votado pela condenação do ex-presidente Lula da Silva, o ministro Felix Fischer entendeu ter sido excessiva a pena de 12 anos e 1 mês de reclusão imposta ao réu pela 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em janeiro do ano passado. O ministro-relator a reduziu para 8 anos, 10 meses e 20 dias de prisão. Também reduziu de R$ 29 milhões para R$ 2,4 milhões o montante a ser ressarcido pelo sr. Lula da Silva aos cofres públicos por danos ao erário.

Igualmente, a pena de multa foi reduzida de R$ 1 milhão para R$ 181 mil. O entendimento de Felix Fischer foi acompanhado pelos outros três ministros da Turma. Com a redução, a pena dada pelo STJ se aproximou da que foi imposta ao ex-presidente pelo então juiz federal Sergio Moro em julho de 2017: 9 anos e 6 meses de prisão.

Vale dizer, a culpabilidade do sr. Lula da Silva pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá restou sobejamente comprovada. O julgamento do STJ, ao fim e ao cabo, apenas ajustou a dosimetria da pena. A definição da nova pena abre caminho para que a defesa do ex-presidente solicite ao juízo de Execuções Penais a progressão de regime – do fechado para o semiaberto – a partir de setembro deste ano, quando o sr. Lula da Silva terá cumprido um sexto da pena.

Entretanto, não é certo que ele poderá deixar a prisão para trabalhar durante o dia e voltar para sua cela à noite já que o TRF-4 julgará em breve um recurso impetrado pela defesa do ex-presidente contra a condenação a 12 anos e 11 meses imposta pela juíza federal Gabriela Hardt, à época substituta de Sergio Moro na 13.ª Vara Federal de Curitiba, no processo referente ao sítio de Atibaia. Em caso de nova condenação em segunda instância, o ex-presidente continuará preso, segundo entendimento do STF, ainda válido.

A despeito dos eventos que podem definir o futuro penal do sr. Lula da Silva, o que há de mais importante nessa sucessão de julgamentos é a constatação de que o País segue sua vida política e institucional normalmente. Há muitas questões mais sérias a nos preocupar. Só o PT mantém seu destino atrelado ao de seu líder.

O Estado de S. Paulo

A batalha só começou

A proposta de reforma da Previdência encaminhada pelo governo ao Congresso foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara na terça-feira passada. Trata-se apenas da primeira etapa da tramitação, quase uma mera formalidade, mas a inusual dificuldade enfrentada pelos governistas na comissão mostra claramente os percalços que a matéria enfrentará no restante do processo.

Não se justifica a comemoração dos deputados governistas a respeito do placar da votação – 48 votos a favor e 18 contrários –, pois o resultado final não diz o que foi a batalha de 62 dias para que a CCJ afinal apreciasse a matéria. A título de comparação, a proposta de reforma da Previdência encaminhada em 2016 pelo então presidente Michel Temer levou apenas 10 dias para ser votada. A função da CCJ é analisar se a proposta respeita os princípios constitucionais e não incorre em injuridicidades, sem entrar no mérito do conteúdo do texto – tarefa que cabe à Comissão Especial, ainda a ser instalada.

Mesmo assim, deputados do chamado “centrão” conseguiram arrancar do governo mudanças no projeto como condição para votar a favor, enquanto os deputados da oposição, claramente mais preparados que os da situação, usaram todas as brechas regimentais para atrasar a tramitação. As demandas do “centrão” não alteram significativamente a meta de economia de R$ 1 trilhão calculada pela equipe econômica, mas são uma amostra de como poderão ser as próximas etapas de tramitação do projeto.

Qualquer proposta de reforma da Previdência enfrentaria cerrada oposição no Congresso, por ser naturalmente impopular, mas a dificuldade é maior se o próprio presidente da República não se mostra convicto de sua necessidade e revela incapacidade de formar uma base parlamentar que defenda a agenda do governo. “Hoje o governo não tem voto para aprovar nem essa matéria nem nenhuma outra matéria polêmica”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

“O governo tem de pôr ar dentro do peito e dizer que a reforma é importante para os brasileiros. O presidente (Jair Bolsonaro) precisa ter clareza de que aprovação é boa para o Brasil.” Bolsonaro tem demonstrado que está disposto a se esforçar mais para conquistar votos pela reforma. Mandou avisar que vai receber parlamentares de todos os partidos para conversar, e no Palácio do Planalto não se descarta a oferta de cargos e liberação de verbas em troca de apoio. Para muitos parlamentares, isso ainda é pouco.

O presidente precisa deixar claro que não demoniza mais qualquer forma de negociação, vinculando- a ao que ele e seu entorno chamam de “velha política”. Ademais, uma coisa é comprar apoio na base do fisiologismo; outra, muito diferente, é ouvir demandas programáticas dos partidos no Congresso. É possível fazer política sem ser corrupto, ao contrário do que parece sugerir o presidente.

Espera-se que o gesto de Bolsonaro de assumir as rédeas da articulação política signifique que o governo entendeu que precisa dar aos que pretendem apoiá-lo um discurso comum em defesa da reforma da Previdência. Hoje, cada parlamentar atua por conta própria, sem orientação do Planalto. Para piorar, a maioria dos governistas é formada por políticos de primeira viagem, que desconhecem as regras do jogo muitas vezes bruto da lide parlamentar.

Assim, é necessário que o presidente Bolsonaro, em suas entrevistas e pronunciamentos, deixe de tratar a reforma da Previdência como algo indesejado – coerente, aliás, com sua opinião francamente contrária à reforma que expressava quando era apenas um deputado federal. Também é necessário que defenda com vigor a proposta elaborada pela equipe econômica, ao invés de antecipar- se às demandas parlamentares e sugerir ele mesmo mudanças que a desidratem.

Agora é que começa o jogo para valer, e o País torce para que o governo tenha aprendido que precisa de muito mais vontade e organização se quiser vencer.

Folha de S. Paulo

A reforma se move

Proposta para a Previdência passa pela CCJ sem mudanças relevantes; preservação do essencial do texto agora dependerá do empenho de Bolsonaro

Embora tardia, a aprovação da proposta de reforma da Previdência pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, na noite de terça (23), reforça a impressão de que uma certa inércia política favorece o avanço do texto.

A imperícia do governo Jair Bolsonaro (PSL) nos entendimentos com os partidos atrasou a data de votação além do usual. Ainda assim, obteve-se maioria expressiva no colegiado, de 48 a 18 em um total de 66 membros. Convém recordar que, em 2016, o projeto previdenciário encaminhado por Michel Temer (MDB) passou ali por 31 a 20.

Desta vez, há um presidente em início de mandato obtido nas urnas, a cumprir o anunciado a seus eleitores. Mais que isso, a perspectiva de desdobramentos funestos em caso de fracasso da reforma tende a aguçar o instinto de sobrevivência dos congressistas.

Causa inquietude, é verdade, a modificação precoce da proposta pela CCJ —comissão dedicada, em tese, apenas a verificar a compatibilidade de projetos com as normas da Constituição.

Mas, se indica fragilidades na articulação governista, a retirada de quatro dispositivos do texto em nada prejudica os objetivos mais fundamentais e meritórios do redesenho do sistema de aposentadorias.

Os deputados suprimiram, por exemplo, o intento de acabar com a multa equivalente a 40% do saldo do FGTS em caso de demissões sem justa causa de aposentados que voltaram ao mercado de trabalho — uma esquisitice que gerava controvérsia desnecessária.

Em outro caso, fechou-se a brecha que facilitaria alterar a idade para a aposentadoria compulsória de servidores, hoje de 75 anos. O artigo suscitou a suspeita de que o governo pretendesse antecipar a substituição de ministros do Supremo Tribunal Federal.

É provável mesmo que tais aspectos laterais estivessem na proposta justamente para movimentar as negociações com o Congresso.

Nesse sentido, o texto contém outras medidas, de impacto muito maior, cuja revisão se dá como certa nas próximas etapas da tramitação parlamentar. Entre elas se destacam as regras duras para a Previdência do setor rural e os benefícios assistenciais a idosos.

Dependerá do empenho de Bolsonaro preservar ao máximo o alcance da reforma no que ela tem de essencial — o desestímulo a aposentadorias precoces e o combate a privilégios no serviço público.

Os custos da barganha política cairão se o mandatário progredir no convencimento da sociedade, no debate programático transparente com os partidos, nas boas relações com o Congresso.

Para tanto, o pronunciamento desta quarta-feira (24) em que agradeceu ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi apenas um bom recomeço.

Folha de S. Paulo

Sem perseguição

Ao reafirmar a sentença que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex de Guarujá, o Superior Tribunal de Justiça tornou ainda mais implausível a tese de que o líder petista é vítima de perseguição política.

Os quatro ministros do STJ que julgaram o recurso contra a decisão que o levou à prisão no ano passado rejeitaram todas as alegações feitas por sua defesa, que buscava a anulação do processo.

Com isso, chegou a sete o número de magistrados que confirmaram os termos da sentença original, lavrada há dois anos pelo então juiz Sergio Moro, hoje ministro do governo Jair Bolsonaro (PSL).

Os integrantes do STJ concluíram que a sentença de Moro e os votos dos três juízes do Tribunal Regional Federal da 4a Região que a confirmaram no ano passado foram fundamentados de acordo com as exigências legais — e que não houve irregularidades a justificar a anulação proposta pela defesa.

Ainda cabem recursos à própria corte superior, depois que os votos dos ministros forem publicados, e ao Supremo Tribunal Federal, última esperança dos advogados de Lula de ver seu caso reconsiderado.

Decisões judiciais não são imunes a críticas, e o ex-presidente tem todo direito de considerar sua condenação injusta. Mas não há como sustentar a ideia de que é alvo de um processo de exceção depois que três instâncias do Judiciário analisaram seus argumentos e chegaram ao mesmo entendimento.

Os ministros do STJ ainda reduziram a pena que Lula cumpre em Curitiba. Na opinião deles, o TRF-4 foi excessivamente rigoroso quando decidiu agravá-la há um ano.

Surgiu assim a possibilidade de o líder petista alcançar em breve o tempo mínimo de cumprimento da pena que lhe dará direito ao regime semiaberto — o que significa deixar a carceragem da Polícia Federal e voltar a andar nas ruas.

Esse desfecho vai depender do andamento dos outros processos enfrentados por Lula, além do julgamento das ações acerca da orientação do Supremo para que condenados em segunda instância comecem logo a cumprir suas penas, sem esperar o esgotamento dos recursos em tribunais superiores.

Desde que adotou tal entendimento, três anos atrás, o STF já o reafirmou em três ocasiões — corretamente, na avaliação desta Folha.

Como destino de Lula mais uma vez em jogo, as pressões para que se revisite a questão ganham nova força. A segurança do sistema jurídico exige que o tribunal trate com rigor e independência do tema, infelizmente longe de pacificado entre seus ministros.

Rubens Bueno ressalta importância da aprovação de MP que viabiliza empréstimos para santas casas

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O deputado federal Rubens Bueno (Cidadania-PR) ressaltou nesta quarta-feira (24) a importância da aprovação, pelo Plenário da Câmara, da Medida Provisória 859/2018, que fixa em um máximo de 3% o adicional de risco para empréstimos com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a santas casas e hospitais filantrópicos e sem fins lucrativos. Esse adicional será somado à taxa de juros do empréstimo, cuja captação poderá ser feita até o fim de 2022.

“Trata-se de uma proposta que vai ajudar a dar continuidade a esse trabalho tão importante realizado por centenas de instituições espalhadas pelo Brasil e que convivem com problemas financeiros para manter seus serviços e atender a população”, destacou o deputado.

Rubens Bueno disse ainda que as santas casas atendem a parcela da população que mais precisa dos serviços de saúde.

“Em muitas cidades elas são o principal socorro, ou mesmo o único, para quem precisa de atendimento”, lembrou.

O texto aprovado é o projeto de lei de conversão da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), cuja única mudança é a inclusão das instituições sem fins lucrativos que ajudam pessoas com deficiência entre os beneficiários.

A MP 859 altera a Lei 8.036/90 (Lei do FGTS) e complementa a Lei 13.778/18, oriunda da MP 848/18, editada para permitir o uso dos recursos do fundo para empréstimos a santas casas e hospitais filantrópicos.

Um dos critérios exigidos é que as santas casas e os hospitais filantrópicos atendam pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Antes, o FGTS só podia ser aplicado em habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana.