Marcos do Val: Decreto das armas, ideologia ou guerra política?
Não há liberdade individual se o indivíduo está proibido de se protege
Hoje, no Brasil, vigora o decreto presidencial que atualiza a regulamentação da posse e porte de arma de fogo. Cumprindo o seu dever constitucional, o Poder Executivo, dentro dos limites da lei, editou uma norma que torna objetiva a análise, pelas autoridades competentes, dos requisitos necessários para possibilitar ao cidadão de bem utilizar, se assim desejar, esse legítimo instrumento de defesa. Portanto, não há o que questionar em relação à constitucionalidade do ato do presidente da República.
Diante de tantos alardes sobre o assunto, sinto-me no dever, como relator dos projetos que tratam da questão, de tecer alguns esclarecimentos para uma melhor reflexão sobre o tema. O decreto, apesar de polêmico, irá contribuir para a redução da enorme criminalidade que vem amedrontando a população do nosso país nos últimos anos.
Posso afirmar, com veemência, que não há comprovação estatística que estabeleça uma relação direta entre o número de mortes — seja no trânsito, em casa, ou em qualquer outro lugar — em decorrência do uso de armas de fogo pelo cidadão de bem. A Universidade de Harvard, referência mundial em ensino e pesquisa, divulgou estudo comprovando que, quanto mais armas os indivíduos de uma nação têm, menor é a criminalidade. Em outras palavras, há uma robusta correlação positiva entre mais armas e menos crimes.
Ao longo dos últimos 20 anos, as vendas de armas dispararam nos EUA, mas os homicídios relacionados a armas de fogo caíram 39% durante esse mesmo período. Mais ainda: “outros crimes relacionados a armas de fogo” despencaram 69%.
Quase todas as chacinas cometidas por indivíduos desajustados nos Estados Unidos, desde 1950, ocorreram em estados que possuem rígidas leis de controle de armas. No Brasil, ao longo dos últimos 30 anos, incluído o tempo de vigência do Estatuto do Desarmamento — considerado um dos mais rígidos do mundo —, o número de mortes por armas de fogo aumentou 346%. Com quase 60 mil homicídios por ano, o Brasil já é, em números absolutos, o país em que mais se mata.
Em nosso país, os criminosos já possuem livre acesso às armas, vulnerabilizando o cidadão que tem visto seu direito à defesa da vida cerceado. O cidadão de bem armado teme a lei e torna-se uma força aliada da polícia.
Não existe liberdade individual se o indivíduo está proibido de se proteger contra eventuais ataques físicos.
Liberdade e autodefesa são conceitos totalmente indivisíveis. Sem o segundo, não há o primeiro. Preservar o direito de cada indivíduo, que preencha os requisitos da lei, de ter a possibilidade de possuir a arma de fogo é respeitar a Constituição, permitindo que ele possa se defender e defender a sua família. Restringir esse direito, ou até mesmo proibir, é deixar, por exemplo, cidadãos que são mais vulneráveis, seja pela profissão que exercem ou pelo local em que moram, sem nenhuma defesa efetiva contra criminosos violentos. É o caso dos residentes em área rural e dos caminhoneiros. Esses indivíduos ficam isolados em fazendas ou estradas e, caso tenham sua vida, integridade física ou patrimônio ameaçados, não têm como aguardar a chegada da polícia para protegê-los.
Se o governo de um país desarma a população, o que ele realmente está fazendo é diminuir o medo de criminosos de serem enfrentados por cidadãos armados, que cumprem a lei, e aumentando a confiança desses criminosos em saber que suas eventuais vítimas estão desarmadas. Quanto mais totalitário é um governo, maiores são as restrições ao armamento da população civil. Os regimes sanguinários da história foram também os mais eficientes em desarmar as pessoas, pois um povo desarmado é um povo incapaz de reagir contra um governo armado (Flavio Quintela e Bene Barbosa, na obra intitulada “ Mentiram para mim sobre o desarmamento”).
Em um país com números alarmantes de crimes contra a vida, se defender deveria ser o primeiro passo na construção de uma nova sociedade. A defesa, sabemos, é apenas um dos pilares das políticas de Segurança Pública, mas não deixa de ser fundamental. (O Globo – 12/06/2019)
Marcos do Val é senador (Cidadania-ES)
#VazaJato: Nem ataque nem defesa da Lava Jato se sustentam em argumentos racionais e consistentes
A direita é estúpida demais, insana, inconsequente e incapaz de apresentar uma defesa racional e isenta do trabalho realizado pela Operação Lava Jato sem apelar para esparrelas ideológicas (ou desqualificar o jornalista que publicou as conversas vazadas).
A esquerda, por sua vez, é hipócrita o bastante para fingir surpresa de saber que Sergio Moro atuava como mentor da Operação Lava Jato e trocava figurinhas com Deltan Dallagnol e outras estrelas ascendentes do MP.
Faltavam provas? Ora, santa ingenuidade, há dezenas de entrevistas, palestras, livros, artigos, matérias, filmes, documentários etc. sobre as semelhanças da Lava Jato com a Operação Mãos Limpas e a importância do trabalho estratégico coordenado pelo juiz, pelos procuradores e pelos policiais federais na investigação, na denúncia e na punição dos corruptos. Deles, os “pais” da Lava Jato.
Inclusive de como criar um cerco de proteção à Operação contra a reação que certamente viria, reforçada pelo espírito de corpo (e de porco) dos políticos suspeitos, investigados e condenados e de seus partidos cúmplices.
Enfim, o que as conversas vazadas revelam? Uma articulação para cercar e prender corruptos dentro das normas jurídicas do país. Eles se uniram contra os réus? Oh! Novidade! Mas alguém flagrou alguma tentativa de burlar a defesa dos acusados? Forjaram provas? Inventaram fatos inverídicos? Ameaçaram testemunhas?
Pegaram um juiz e os procuradores que se apresentam desde sempre como moralizadores da política e caçadores de corruptos conversando sobre – surpresa! – como moralizar a política e punir corruptos. Ora, ora…
Se esse papel caberia ou não a eles numa democracia idealizada é outra história. Mas querer a nulidade da Operação Lava Jato alegando terem surgido provas de que o juiz e os procuradores se articularam para encontrar o melhor caminho justamente para prender esses corruptos parece uma verdadeira piada nesta nossa singular republiqueta. (#BlogCidadania23)
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Eliziane Gama sugere que CTFC participe de oitiva de Moro na CCJ do Senado
A líder do Cidadania no Senado, Eliziane Gama (MA), protocolou requerimento na CTFC (Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle), nesta terça-feira (11), solicitando que a oitiva da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, seja feita de forma conjunta com a CTFC.
A audiência com o ministro está marcada para a próxima quarta-feira (19). Para a senadora, o assunto é pertinente à comissão que exerce a fiscalização e o controle dos atos do Poder Executivo.
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https://www.pps.org.br/2019/06/12/moro-decide-ir-ao-senado-para-explicar-conversas-vazadas-com-procuradores-da-lava-jato/
Parlamentares do Cidadania criticam desvirtuação do Fundo Amazônia e destacam importância do agronegócio para o País
O aumento do desmatamento da floresta Amazônica tem causado muita preocupação entre especialistas e ambientalistas do País e do mundo. A floresta perdeu 19 hectares/hora somente em maio deste ano, segundo levantamento do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Enquanto o meio ambiente da Amazônia é devastado, o número de multas aplicadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) contra o desmatamento caiu 35% desde o início do ano.
Os dados preocupam ainda mais devido ao desmonte da política ambiental adotado pelo governo Bolsonaro, com suas sucessivas criticas aos ambientalistas e a visão de que as atuais leis e regras impedem avanços do agronegócio brasileiro.
A polêmica mais recente envolvendo o Poder Executivo está relacionada ao Fundo Amazônia, mantido principalmente pela Alemanha e Noruega e que financia ações de conservação e combate ao desmatamento na região. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, diz ter dúvidas sobre a eficácia do fundo e propôs mudanças na sua gestão e utilização, como a proposta de utilizar os recursos para indenizar donos de propriedades em unidades de conservação.
A postura do governo preocupa os principais doadores do fundo. A Noruega já repassou um total de R$ 1,2 bilhão para as ações de preservação da floresta e a Alemanha já desembolsou R$ 68 milhões. Ambos os países são contrários a mudanças na administração e aplicação dos recursos (veja aqui).
O Fundo Amazônia foi criado em 2008 e ostenta cifras e resultados que impressionam. De seu orçamento total de R$ 1,8 bilhão, já foram aplicados R$ 1 bilhão em 103 projetos de diferentes origens e contribuem para a gestão de 190 unidades de conservação, nos quais estão 65% de todas as terras indígenas da Amazônia.
“Conspiração”
Questionado sobre a polêmica envolvendo o governo federal e o Fundo Amazônia, o ex-deputado federal e um dos parlamentares mais atuantes na causa ambiental, Arnaldo Jordy (Cidadania-PA), afirmou que qualquer tentativa de modificar as regras representa uma “conspiração” contra o Brasil. Para ele, o fundo é um conquista nacional.
“O Fundo Amazônia é uma conquista e desmantelá-lo é uma conspiração contra os interesses do meio ambiente, da Amazônia e do País. É uma loucura [a mudança de destinação do Fundo]. Por meio de conferências sobre o clima, sensibilizamos esses países pela consciência da preservação dos ativos da maior floresta tropical e maior banco genético do planeta”, disse Jordy, que já presidiu a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados.
Para ele, existe “uma falsa dicotomia” entre os interesses do agronegócio, sobretudo daqueles mais conservadores, e a preservação do meio ambiente.
“Existe uma falsa dicotomia entre os interesses do agronegócio e do meio ambiente. Temos aqueles mais conservadores, e diria até mesmo mais ignorantes sobre o assunto, e aqueles empresários com consciência de que é necessário buscar uma mediação. Até mesmo porque o equilíbrio da irrigação depende das florestas. São elas que fazem com que tenhamos precipitações com os chamados rios voadores, que acabam suprindo a necessidade da irrigação da agricultura, sobretudo da produção agrícola de grande escala”, disse.
“Sinais trocados”
Ao analisar a questão, o líder do Cidadania na Câmara, deputado federal Daniel Coelho (PE), afirmou que o governo dá sinais confusos sobre a angariação de recursos internacionais, ora tendo um posicionamento liberal sobre a questão e também um viés estatizador. Segundo o parlamentar, que sempre atuou em defesa do meio ambiente na vida pública, o País deveria proporcionar a entrada de recursos para a defesa das florestas.
“Em vários setores, o governo aponta para uma economia mais liberal desregulamentando a entrada de recursos internacionais em nosso País. Por outro lado, na área ambiental, dá sinal trocado e aponta caminho diferente para recursos privados internacionais que vem para o Brasil. Com esse processo [proposto pelo ministro do Meio Ambiente para o Fundo Amazônia], esses recursos seriam estatizados e viriam para o controle do Estado, quando na verdade deveríamos dar ainda mais liberdade para que esses aportes viessem para o País [para a preservação ambiental]”, defendeu.
Agronegócio
Apesar das dificuldades enfrentadas pelo setor ambiental no governo Bolsonaro, não se pode negar a importância do agronegócio para o País na economia e na geração de empregos. Segundo dados do setor, o agronegócio é responsável por grande parte da economia representando cerca de 21% do PIB (Produto Interno Brasileiro) e por metade das exportações nacionais.
De acordo com dados de 2017, os produtos mais vendidos para o exterior foram a soja (U$ 4,72 bilhões,) açúcar, (US$ 824,22 milhões), celulose (US$ 527,72 milhões) e carnes (US$ 1,22 bilhão). Além disso, a produção brasileira sempre foi fundamental contra a crise econômica que atingiu o Brasil nos últimos anos. Como exemplo, em 2015 o setor empregou 19 milhões de pessoas, com um aumento de 75 mil novos postos no ano seguinte.
“Setor fundamental”
Para o deputado federal do Cidadania e um dos mais atuantes na defesa da agropecuária e sustentabilidade no Congresso Nacional, Arnaldo Jardim (SP), o agronegócio é fundamental para o País e ressaltou que é plenamente possível conciliá-lo com a preservação do meio ambiente.
“A produção agropecuária é fundamental para o Brasil porque alimenta a população, gera empregos e constituiu uma longa cadeia produtiva, gerando emprego e agregando renda. É plenamente possível conciliar a produção agropecuária com a preservação ambiental. O País tem dado demonstrações eloquentes disso. O nosso País possui 850 milhões de hectares e utilizamos 79 milhões de hectares para o setor, em menos de 10% do território nacional. O Brasil tem quase 60% de cobertura vegetal nativa e é um exemplo claro de como conciliar produção com preservação”, diz.
Para Jardim, o setor agropecuário é consciente sobre a necessidade de preservação.
“A preservação do meio ambiente é algo que a produção agropecuária precisa e defende, ao manter a integridade do solo, evitando a erosão, a desertificação e a degradação dos recursos hídricos. O bom agricultor, o produtor rural brasileiro, ama, cuida e protege o meio ambiente”, afirmou.
O parlamentar destacou ainda o reconhecimento do mundo em relação ao papel do Brasil na preservação do meio ambiente. Segundo o parlamentar, o setor agro contribuirá significativamente para que o País possa cumprir metas relacionadas a mudança climática.
“Devemos recordar que o Brasil tem a matriz de combustível mais limpa do mundo. A Alemanha festeja o fato de que 38% da sua energia provém de fontes renováveis, mas o nosso número está na casa de mais de 90% de fontes renováveis”, afirmou Arnaldo Jardim.
Monica De Bolle: Chernobyl
“Onde antes temia o custo da verdade agora apenas pergunto: qual o custo das mentiras?” Termina com essa indagação a minissérie do canal HBO sobre o terrível desastre nuclear de 1986 na Ucrânia, então sob domínio da União Soviética. A série é sobre a tragédia, mas é também sobre um regime pútrido, carcomido pela corrupção e pelas mentiras. As citações memoráveis são quase todas sobre as mentiras. Considerem essa: “Quando a verdade ofende, mentimos e mentimos até não sermos mais capazes de lembrar que ela sequer existe. Mas existe. Está lá”. Ou essa: “Todas as mentiras que contamos são uma dívida com a verdade.
Mais cedo ou mais tarde, essa dívida será paga”. O Brasil vive de mentiras há muitos anos, portanto a dívida com a verdade é vultosa. Algumas dívidas já começaram a ser pagas, como a acumulada após anos de mentiras sobre a economia. Na semana passada escrevi sobre versão tropical da estagnação secular da qual padece o Brasil. Permitam que eu puxe esse fio mais um pouquinho. O PIB quase inercial brasileiro é a dívida que temos a pagar após anos de má condução econômica e do acúmulo de mentiras. As mentiras que nos contavam quando diziam que o País não tinha problema fiscal algum, que tudo estava sob controle.
As mentiras que levaram às pedaladas, à expansão desordenada do crédito público, à crença de que tolerar mais inflação hoje traria recompensas na forma de alta do investimento, à ilusão de que a redução da desigualdade era para sempre mesmo com toda a macroeconomia fora do lugar. Essas foram apenas as mentiras mais recentes, algumas contadas durante o segundo mandato de Lula, muitas contadas ao longo do primeiro mandato de Dilma, mais outras tantas nas campanhas eleitorais. A verdade cobrou seu quinhão em 2015 e 2016, e, implacável, continua a fazê-lo até hoje.
Afinal, também tivemos a mentira de que a remoção de Dilma traria o crescimento econômico, a confiança, o investimento, tudo isso de volta, sem prejudicar as instituições do País. Tivemos a mentira de que o teto de gastos de Temer – por necessário que fosse, apesar de mal desenhado – restauraria o motor engatado da atividade econômica. A verdade, sempre à espreita, é que a economia brasileira perdeu dinamismo há tempos porque os governantes do País pouco se preocuparam em modernizar a indústria, abrir a economia, priorizar a educação, investir na infraestrutura.
E, prestem bem atenção: a mentira não tem partido, ou vício ideológico, ou religião, ou gênero, sexo, raça ou cor. A mentira é negação, ofuscação, omissão, distorção. A mentira às vezes é intencional, às vezes não. Nada disso importa. Chernobyl. Não deveria ser metáfora para esse momento, mas o Brasil é aquele reator que, descontrolado, não consegue parar de aumentar a temperatura do desastre. A Operação Lava Jato desvelou mentira após mentira, expondo políticos, empresários, gente que em outros tempos jamais seria pega pela justiça. No último episódio da série, o físico nuclear Valery Legasov, explica como funciona um reator nuclear. Didaticamente, expõe os pesos e contrapesos necessários para controlar o elevado grau de instabilidade do processo de fissura atômica. Assim revela como os erros humanos – além do erro de desenho das válvulas de controle do reator – levaram o sistema da estabilidade à total e irreversível instabilidade.
Algo disso soa familiar após revelações recentes. Os responsáveis pela Lava Jato iniciaram os trabalhos como um reator em equilíbrio, a cada etapa gerando a energia necessária para que o mal maior – a corrupção – fosse punido.
Contudo, em algum momento, o reator tornouse instável. Ao que parece, alguns dos responsáveis pela operação Lava Jato não viram claramente como as suas ações passavam rapidamente do equilíbrio ao desequilíbrio, possivelmente cruzando limites que não deveriam jamais ser cruzados. É importante que se reconheça que nós, não juristas, não especialistas, não investigadores, não sabemos se limites intransponíveis foram realmente atropelados.
Para tanto, é preciso que se tenha a investigação – tal qual fizeram os cientistas que conseguiram chegar às causas verdadeiras da explosão de Chernobyl. As verdades precisam estar visíveis para que o País possa sair do processo de autocorrosão no qual está metido há mais de dez anos. Isso requer a devida lucidez para reconhecer que há inocentes e culpados de todos os lados, não importa o partido, a religião, a ideologia Mentira corrói, cria inimizades, polariza. Mentira destrói. Assistam Chernobyl. (O Estado de S. Paulo – 12/06/2019)
MONICA DE BOLLE, ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY
Cristiano Romero: O sistema de castas da Previdência no Brasil
A julgar pelos regimes de aposentadoria mantidos pela União, o Brasil possui três castas: a dos funcionários públicos federais, a dos militares e a dos trabalhadores do setor privado. Já se sabe que os cidadãos dos dois primeiros grupos possuem vantagens inomináveis, como aposentadoria integral e paridade (seus benefícios são corrigidos pelo mesmo percentual concedido aos funcionários da ativa). A turma do terceiro grupo se aposenta pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sujeitando-se a um teto que, hoje, está em R$ 5.839,45.
É sabido, também, que os privilégios do regime previdenciário dos servidores civis e militares e a uma série de despesas de caráter assistencial, criados pela Constituição de 1988 com viés civilizador, somados ao fato de que não se exige neste país idade mínima para o cidadão se aposentar, insanidade que permite a funcionários públicos se aposentarem aos 50 anos, geram há mais de uma década um rombo explosivo nas finanças públicas da União.
No ano passado, o déficit do RGPS atingiu R$ 194,3 bilhões. Agregando-se ao resultado outros três déficits previdenciários – dos servidores civis (R$ 46,4 bilhões), dos militares (R$ 43,9 bilhões) e do Fundo Constitucional do Distrito Federal (R$ 4,8 bilhões) -, a conta chegou a R$ 290,3 bilhões em 2018. Agravado por três anos de recessão (2014-2016) e outros três de expansão medíocre do Produto Interno Bruto (2017-2019), o buraco cresceu de forma acelerada (ver gráfico) e, agora, já consome cerca de 60% das receitas do governo federal. Trata-se de uma contradição: uma nação de população ainda jovem – onde há mais cidadãos em idade ativa do que aposentados – gasta mais com os idosos do que com as crianças, portanto, mais com o passado do que com o futuro.
A diferença entre os regimes previdenciários escancara a forma como o Estado brasileiro trata “iguais” de forma desigual. Enquanto o déficit por beneficiário do sistema dos militares ficou em R$ 115 mil em 2018, o do RGPS foi de R$ 6,4 mil e o do RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), do funcionalismo federal, somou R$ 63 mil. Os números constam do Relatório Contábil do Tesouro Nacional (RCTN) de 2018, documento que faz radiografia das contas da União, revelando seu balanço patrimonial – neste momento, negativo em R$ 2,4 trilhões – e que será divulgado nesta quarta-feira, em Brasília.
Sindicalistas do serviço público alegam que a comparação entre os sistemas é inadequada porque os funcionários pagam a contribuição previdenciária sobre o salário bruto, enquanto no INSS o trabalhador paga 8% sobre salário-contribuição limitado ao teto de R$ 5.839,45. O argumento é cínico, afinal, a defesa da aposentadoria integral contraria a aritmética: não há cálculo atuarial que assegure uma conta como essa. Os sindicatos dizem ainda que, no cálculo do déficit do RPPS, o governo não contabiliza as contribuições dos servidores. Isso é falso, uma mistificação.
O relatório do Tesouro mostra que a provisão previdenciária do regime dos servidores civis e militares, também conhecida como passivo atuarial, já é de R$ 1,3 trilhão (dados de dezembro de 2018). Este montante representa o valor presente do total dos recursos necessários ao pagamento dos compromissos dos planos de benefícios, deduzidos dos recebimentos futuros, calculados atuarialmente, isto é, em determinada data. Os passivos atuariais reconhecidos no balanço patrimonial da União referem-se ao RPPS dos servidores civis e, desde 2017, às pensões dos militares.
O pessoal da casta do INSS ainda leva a culpa pela maior parte do rombo previdenciário. “Como o número de beneficiários do RGPS é bem maior que os dos outros dois sistemas, seu rombo em relação ao PIB é de forma disparada o pior: 2,85%, ante 0,68% dos servidores civis (RPPS) e 0,64% dos militares”, diz o documento.
O RCTN confirma que o Estado brasileiro quebrou. Só funciona ainda porque o Tesouro Nacional se endivida junto ao mercado (leia-se, à sociedade) por meio da emissão incessante de títulos públicos – em abril, a dívida bruta do governo geral, que compreende o governo federal, o INSS e os governos estaduais e municipais -, escalou para o equivalente a 78,8% do PIB, quase o dobro da média dos países emergentes.
O RCTN detalha o detalhamento da Receita Corrente Líquida (RCL) a cada ano desde 2009. No ano passado, a RCL atingiu 11,8% do PIB. As renúncias de receitas tributárias, em contrapartida, foram estimadas em R$ 283,45 bilhões no ano passado, ou 4,15% do PIB. Conforme o gráfico 45 do RCTN, esse percentual cresceu de 2,65% em 2011 para o pico de 4,71% em 2015.
O estudo mostra o peso crescente da Previdência social, cujos gastos aumentaram 134% em termos nominais desde 2009 e atingiram 37,58% do total das despesas da União. Juros e encargos da dívida avançaram 124% no mês período e ocupam o segundo lugar entre as despesas, com 15% do total. Em terceiro lugar vêm as transferências constitucionais e legais, com uma fatia de 14,32% das despesas e um avanço nominal de 97% desde 2009. (Valor Econômico – 12/06/2019)
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras – E-mail: cristiano.romero@valor.com.br
Congresso aprova crédito extra de R$ 248,9 bilhões para o governo
O Congresso Nacional aprovou, nesta terça-feira (11), a autorização para o Executivo realizar operação de crédito no valor total de R$ 248,9 bilhões (PLN 4/2019). A aprovação foi unânime, tanto na Câmara dos Deputados (450 votos) como no Senado (61 votos). A matéria segue agora para a sanção da Presidência da República.
O PLN 4/2019 é considerado importante pelo governo, que alegava que já neste mês poderia faltar dinheiro para cobrir as despesas obrigatórias. A maior parte do valor (R$ 201,7 bilhões) corresponde a benefícios previdenciários, como pensões e aposentadorias. O texto trata ainda de Bolsa Família, BPC (Benefício de Prestação Continuada), Plano Safra, Bolsa Família, entre outros temas.
A Constituição de 1988 proíbe a realização de operações de crédito (emissão de títulos públicos) para pagamento de despesas correntes, como salários e benefícios sociais. A chamada regra de ouro só pode ser contornada por meio de créditos suplementares ou especiais, com finalidade específica e aprovados pelo Congresso por maioria absoluta (pelo menos 257 deputados e 41 senadores). Sem essa autorização, o presidente da República pode cometer crime de responsabilidade. Com a aprovação do projeto, o governo fica livre para pagar as despesas.
Acordo
O acordo que permitiu a aprovação do texto foi fechado durante a votação do projeto na CMO (Comissão Mista de Orçamento), no início da tarde.
A líder do governo no Congresso, deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), garantiu que serão liberados R$ 1 bilhão para a educação; R$ 1 bilhão para o programa Minha Casa Minha Vida; R$ 550 milhões para obras no Rio São Francisco; e R$ 330 milhões para bolsas de estudo do CNPq.
“A corda está no pescoço”, disse a deputada, ao anunciar o acordo e pedir a votação do projeto.
Joice não explicou, porém, de onde sairá o dinheiro.
“O Orçamento é um só. Se vai gastar um pouco mais ali, tem que remanejar de um lado para o outro. Estamos fazendo as contas, mas vai dar certo”, disse.
O crédito emergencial é necessário por causa de uma norma fiscal conhecida como regra de ouro. Por ela, o governo não pode emitir dívida para pagar despesas correntes, como folha de salário e benefícios. Ele só pode se endividar para fazer investimentos. (Com informações da Agência Senado e O Globo)
Moro decide ir ao Senado para explicar conversas vazadas com procuradores da Lava Jato
O ministro da Justiça Sérgio Moro se colocou à disposição da CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado para prestar esclarecimentos em relação às notícias publicadas na imprensa sobre a suposta colaboração com procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato.
O ofício encaminhado pelo senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado, solicita que seja feita uma consulta à presidência da CCJ sobre a possibilidade de realização de audiência pública para ouvir o ministro.
O presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou em plenário que a intenção é que a CCJ ouça Sérgio Moro na próxima quarta-feira (19), às 9h. Na carta, Bezerra declarou o apoio do governo a Moro e a disposição do ministro em reafirmar a sua boa conduta como juiz.
“Manifestamos a nossa confiança no ministro Sérgio Moro, certos de que esta será uma oportunidade para que ele demonstre a sua lisura e correção como juiz federal, refutando as críticas e ilações a respeito da sua conduta à frente da Operação Lava Jato”, disse o senador.
Almoço com senadores
Sérgio Moro almoçou ontem (11) com senadores do bloco formado pelo DEM, PR e PSC. O encontro já estava marcado antes do caso vir à tona. Ao entrar e sair do gabinete, evitou a imprensa. Aos senadores, criticou a forma como as mensagens foram obtidas, chamando de “ataque criminoso” e se disse aberto a falar sobre o tema, ressalvando não ter certeza se as mensagens são reais.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recomendou a líderes do centrão que não tomassem atitudes imediatas. O pedido foi reforçado especialmente em relação ao embarque em uma CPI sobre o tema. Líderes estavam reunidos na residência oficial do presidente da Câmara quando o site publicou as reportagens no fim da tarde de domingo. Deputados do MDB, PP, PSDB, PRB, PR, DEM, PTB, Patriota e PSC se debruçaram sobre seus respectivos celulares.
Alguns liam trechos em voz alta. O que provocou maior indignação foi uma mensagem atribuída a Moro em que ele fala sobre “limpar o Congresso”. (Com informações da Agência Senado e O Globo)
Países que doam recursos para o Fundo Amazônia são contra mudanças
Jornal Nacional- TV Globo
Os dois países que mais injetam dinheiro no Fundo de Preservação da Amazônia, Alemanha e Noruega, se manifestaram contra as mudanças que o governo brasileiro pretende implantar.
O Fundo Amazônia é a maior transferência de recursos do mundo, entre países, para preservação de florestas. Criado há mais de dez anos, depende basicamente das doações de Noruega e Alemanha. Os dois países respondem por mais de 99% dos recursos doados, mais de R$ 3 bilhões que já financiaram projetos de pesquisa, geração de emprego e renda na floresta com redução do desmatamento nas áreas beneficiadas.
Em maio, o governo brasileiro anunciou a intenção de usar parte dos recursos do Fundo Amazônia para indenizar proprietários rurais em unidades de conservação. Também defende aumentar a participação do governo nas decisões sobre como aplicar o dinheiro.
A proposta de mudança foi apresentada há 15 dias, em Brasília, pelos ministros do Meio Ambiente e da Secretaria de Governo aos embaixadores da Noruega e da Alemanha. A resposta veio em forma de carta. O documento assinado pelos dois embaixadores foi enviado na quarta-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente, e vinha sendo mantido em sigilo. Em duas páginas, os governos da Noruega e da Alemanha defendem o atual modelo de gestão do fundo e afirmam que futuros projetos devem respeitar os acordos já firmados.
A carta foi enviada para os ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente, Santos Cruz, da Secretaria de Governo, com cópia para Tereza Cristina, da Agricultura, Paulo Guedes, da Economia, para o embaixador Ruy Carlos Pereira e para o presidente do BNDES, Joaquim Levy.
Na carta, os embaixadores lembram que o principal objetivo do Fundo Amazônia é contribuir para a redução das “emissões de gases estufa que vêm do desmatamento e da degradação da floresta”. Noruega e Alemanha afirmam que, como a experiência no Brasil tem mostrado, governos sozinhos não conseguem reduzir o desmatamento.
Os embaixadores elogiam a estrutura e o modelo de governança do Fundo Amazônia, onde as decisões são tomadas a partir do esforço conjunto dos governos, empresas privadas, organizações não governamentais e comunidades locais.
Destacam a competência e a independência do BNDES na gestão do fundo, e ressaltam que esse modelo vem funcionando há mais de dez anos.
Por fim, ressaltam que, até hoje, nenhuma auditoria constatou qualquer irregularidade, razão pela qual defendem a manutenção do BNDES na gestão do fundo e na aprovação de projetos.
Há um mês, o ministro Ricardo Salles fez críticas à gestão do Fundo Amazônia, sem apresentar nenhuma denúncia. Um dia antes, a chefe do departamento de Meio Ambiente do BNDES e gestora do Fundo Amazônia, Daniela Baccas, foi afastada do cargo.
Uma auditoria do TCU concluiu, em 2018, que os recursos do fundo foram aplicados de maneira adequada.
A equipe do Jornal Nacional pediu uma entrevista com os ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Santos Cruz, da Secretaria de Governo, mas não teve resposta.