Intensidade de conversas sobre alimentação me leva à conclusão de que isso acabará desaguando na política
Nas vezes em que fui a Londres, costumava comer num restaurante chamado Food for Thought. Infelizmente, fechou. Não sei se pela pandemia ou pelos preços de aluguel em Covent Garden.
Na época, creio que o tema dominante nas conversas sobre comida tratava de alimentos naturais, orgânicos, enfim, tudo isso que estava associado ao movimento ecológico. Tanta coisa mudou, e lembrei-me do nome do restaurante ao constatar a presença maciça de postagens sobre alimentos nas redes sociais. Não me refiro a receitas, mas sim ao debate acalorado sobre o que comer e o que evitar.
O interessante nesse mar de conselhos é ver como cada item é discutido, decomposto em suas múltiplas propriedades. Brócolis têm zinco; o tomate, licopeno; a abóbora, magnésio. Com o crescimento de casos de diabetes, algumas mensagens são proibitivas: corte o pão, o leite, o macarrão, a batata. O pão branco ou integral, um alimento tão popular e mítico, tem fortes adversários nas redes. Em termos de oposição, creio que existe um alimento que realmente só tem detratores: o açúcar.
A intensidade de conversas sobre comida e suplementos alimentares me leva à conclusão de que isso acabará desaguando na política. Como assim? É célebre a frase segundo a qual, assim como as salsichas, ficaríamos assustados se soubéssemos como são feitas as leis. Não me refiro apenas a leis, embora no Rio já se discuta, tanto na cidade quanto no estado, como proibir alimentos ultraprocessados nas merendas escolares. Se é dinheiro público que alimenta as escolas, por que não refletir sobre o tema? Por que distribuir alimentos com açúcar, gordura saturada e sódio para as crianças? Não estaríamos criando um gigantesco problema de saúde para o futuro?
Em alguns casos, o caminho é campanha de educação, sem paranoias, estritamente baseada no que for cientificamente comprovado. Lembro-me de uma lei no Rio que proibia o sal na mesa dos restaurantes. Era preciso pedir. Essa lei não pegou, assim como tantas outras. Da mesma forma, creio que Bolsonaro errou a mão quando fez um decreto isentando os impostos da whey protein e da creatina. Também não é por aí, creio.
O capítulo dos suplementos alimentares também é outra área dominante nas redes sociais. Quem levar a sério consumirá magnésio, ômega 3, cúrcuma, potes de vitamina, astaxantina, ginkgo biloba, enfim, passará o dia tomando pílulas e corre o risco de se intoxicar.
Às vezes, acho que essa atividade é mais complexa que a simples troca de receitas culinárias. Há muita gente dizendo o que tomar para o cérebro, como retirar gordura do fígado, como curar diabetes, desinflamar a próstata — enfim, é uma grande feira de palpites que mexem com a saúde dos outros.
Às vezes, surge uma linda jovem dizendo:
— Sou estudante de nutrição e vou dizer os cinco alimentos que você deve comer e os cinco que você deve evitar.
Claro, ninguém precisa levar tudo a sério. Existe um aspecto positivo que, de certa forma, confronta a indústria farmacêutica. Os alimentos são terapêuticos. Por meio deles, é possível reduzir o impacto de muitas doenças. O ideal seria que tudo passasse por pesquisas, percorresse as fases necessárias para demonstrar sua eficácia. Não é assim que acontece. Também não era assim antes do surgimento das redes sociais. Na minha infância se dizia que manga com leite fazia mal e que comer formiga era bom para a vista.
No mundo da internet, essas trocas se multiplicam por milhões. Não sei ainda exatamente como pensar todas as saídas. Mas, certamente, a política descobrirá o tema. (O Globo – 10/07/2023)
Fernando Gabeira, jornalista e escritor