Nomeações explicitamente partidárias ou desviantes em relação à preferência mediana geram custos para os presidentes
O processo de nomeação de juízes das supremas cortes é fundamentalmente político. Essa é a conclusão a que chegam os cientistas políticos Epstein e Segal em estudo sobre o tema. O processo “é e sempre foi político e ideológico desde o início”. Cerca de 90% de todas as nomeações da Suprema Corte americana desde 1801 são de copartidários do presidente ou de pessoas ideologicamente muito congruentes com ele (a).
A partidarização nos EUA é cristalina para os tribunais no nível estadual: em 90% deles há eleições. Na atual eleição para a Suprema Corte de Wisconsin, um estado chave onde questões como a redefinição dos distritos eleitorais é explosiva, os dois candidatos já gastaram US$ 30 milhões em propaganda na mídia.
A partidarização pode ocorrer por consenso: na Alemanha havia desde o pós-guerra até recentemente uma norma informal pela qual os dois grandes partidos dividiam as indicações. No Brasil, a congruência é mais importante que o partidarismo. Mas o presidente Lula já indicou para o cargo ex-candidatos a deputado pelo PT e ex-advogado do partido. Agora já mencionou o nome do seu advogado pessoal, o que foge inteiramente ao padrão acima.
Nomeações explicitamente partidárias ou desviantes em relação à preferência mediana geram custos para os presidentes. Nos EUA, correm o risco de serem derrotadas: cerca de uma em cada cinco nomeações não foi ratificada pelo Senado. No Brasil, houve caso isolado mas pode vir a acontecer novamente inclusive na forma de veto informal. No Senado americano a barreira é mais alta: acaba sendo supermajoritária (quórum de 60% pela “filibuster rule”).
O STF difere da Suprema Corte americana em que se inspirou. Destaco dois aspectos: 1) dado o intenso ativismo processual individual no STF, é menos importante fazer maioria na corte: um ministro acaba tendo poder de veto. Uma nomeação tem importância crucial. Embora nos EUA o presidente nomeie não apenas juízes individuais, mas também quem vai presidir a Corte (muitas vezes por décadas, a presidência é vitalícia), o que importa ao fim e ao cabo é a maioria formada; 2) O STF tem jurisdição criminal ampla, magnificando sua importância política para parlamentares e presidente.
Bork, que foi indicado por Reagan mas derrotado no Senado, afirmou na ocasião que quando “um tribunal é percebido como instituição política e não judicial , os indicados serão tratados como candidatos políticos”. Este tem sido o padrão em nosso país nas ultimas duas décadas com raras exceções.
Caso Lula indique seu advogado, os custos políticos serão muito altos. Marcaria a corte por décadas. Seria mais insidiosa personalização do poder judicial que partidarização. (Folha de S. Paulo – 03/04/2023)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)