Merval Pereira: Militância bolsonarista vive um universo paralelo

Só acreditando em universos paralelos é possível entender que tanta gente continue dando a Bolsonaro apoio consolidado

O guru da extrema direita mundial Steve Bannon disse em entrevista à Folha de S.Paulo que a questão das joias das Arábias não tem a menor importância e que Bolsonaro continua com a mesma força, assim como Trump nos Estados Unidos. Estou entre os que não gostaram do vencedor do Oscar “Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo”, mas devo admitir que só acreditando em universos paralelos é possível entender que tanta gente continue dando a Bolsonaro apoio consolidado.

As lambanças que andou fazendo não afetam a militância. Ele está ferido de morte com quem não é bolsonarista nem extremista e o preferiu ao PT pelo que considerava um mal menor. Esse grupo, que é forte, está desembarcando dele, mas não embarca no PT, não da maneira como o governo vai se conduzindo, repetindo comportamentos que pareciam exclusivos de Bolsonaro, mas acabam se revelando uma posição comum a autocratas.

Juca Chaves morreu, e o governo que preza a cultura foi incapaz de enviar uma manifestação de pêsames, assim como Bolsonaro se calou diante da morte de Gal Costa ou de Erasmo Carlos. Juca Chaves é o autor de uma modinha satírica sobre o mensalão que o colocou no índex petista, assim como Gal e Erasmo eram considerados inimigos pelos bolsonaristas. Bolsonaro vivia às turras com os jornalistas, e o ministro da Secretaria de Comunicação Social de Lula, o jornalista acidental Paulo Pimenta, destrata uma jornalista na televisão e inventa uma instituição oficial de checagem de informações.

Está inaugurada a era da “verdade oficial”, uma situação tão esdrúxula que só pode sair da cabeça de autoritários que desconhecem que verdade oficial é propaganda. A direita civilizada está embarcando em alternativas como os governadores Tarcísio de Freitas, de São Paulo, ou Romeu Zema, de Minas. A militância extravagante, agressiva e radical continua com Bolsonaro, mas é minoritária. Assim como é minoritária a esquerda que apoia Lula.

O centro continua majoritário, mas incapaz de produzir uma alternativa a essa polarização. Os ativistas do bolsonarismo vivem num universo paralelo nas redes sociais e realmente conseguem neutralizar muitas acusações contra seu líder. O PT, que dominava essas redes, ficou ultrapassado pela moderna tecnologia que os bolsonaristas trouxeram de seus contatos internacionais com gurus da extrema direita feito Bannon. Portanto a adequação da volta de Bolsonaro não importa muito para esse pessoal, tanto que estão programando motociatas, desfile em carro aberto e outras manifestações para a chegada a Brasília.

A Polícia Federal (PF) montou um esquema de segurança para tentar impedir que conheçamos a verdadeira capacidade de reaglutinação de Bolsonaro. Outra questão é saber se ele tem algum risco de ser preso chegando ao Brasil. É pouco provável, mas pode aparecer um juiz de primeira instância que mande prendê-lo sem razão legal sólida. As acusações são muitas, mas os processos estão no começo, pois ele tinha imunidade até janeiro. Ainda não há perspectiva de haver algo concreto, a menos que alguma descoberta tenha sido feita e se alegue que a presença dele coloca em risco as investigações, como a possibilidade de influir na PF.

A volta de Bolsonaro é mais um elemento no choque de realidade a que Lula vem sendo submetido, num mundo que mudou sem que ele notasse. Lula está descobrindo que não tem superpoderes ou pelo menos encontrou no ex-juiz Sergio Moro a kriptonita que os neutraliza. Comecei a coluna falando em multiverso e termino com a boa e velha kriptonita. Os mais jovens não devem nem saber do que se trata. É uma tentativa, talvez inócua, de ser atual sem esquecer a tradição. (O Globo – 30/03/2023)

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