O Batalhão do Imperador foi criado em 1823
As invasões do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso tiveram muitas respostas, todas certas. Como bem lembrou o repórter Guga Chacra, o Judiciário e o Legislativo uniram-se ao Executivo, coisa que não aconteceu em Washington em janeiro de 2021. Sobraram perguntas. A mais óbvia é a do financiamento. Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, pelo menos em dez estados já foram identificadas fontes. Pode-se esperar que as investigações deem nomes aos bois. Restam outras, e entre elas há uma: o que aconteceu com o Batalhão da Guarda Presidencial?
Trata-se de um corpo de tropa criado por Dom Pedro I há exatos 200 anos. Ele existe para proteger o presidente e seus palácios. Jamais aconteceu o que se viu no domingo. Dois imperadores e quatro presidentes foram depostos sem invasões do palácio.
Com sua experiência de criminalista, o advogado Alberto Zacharias Toron já disse que “inquietante é a questão de saber por que o Batalhão da Guarda Presidencial não defendeu o Palácio do Planalto”.
Uma notícia da Agência Brasil, divulgada às 17h02, dava conta de que a tropa do Batalhão da Guarda estava chegando ao palácio. O Planalto havia sido invadido às 15h10. Entre os invasores havia pelo menos um espertalhão, pois levaram equipamentos de fotografia do onipresente Ricardo Stuckert.
Inquietante é também que o general da reserva Hamilton Mourão, ex-vice-presidente da República e atual senador eleito pelo Rio Grande do Sul, tenha dito que “o controle da anarquia é responsabilidade do governo do Distrito Federal”. Se um capitão dissesse isso ao general quando ele estava no serviço ativo, talvez fosse preso. Em seguida, Mourão foi mais específico:
— Repito que o governo do Distrito Federal é responsável e, caso não tenha condições, que peça ao governo federal um decreto de GLO.
GLO são as iniciais das operações de Garantia da Lei e da Ordem, nas quais o governo mobiliza efetivos militares para preservar a tranquilidade pública. A sugestão, vinda de Mourão, ou de qualquer outra pessoa, é mais um motivo de inquietação. Por que o presidente deveria baixar um decreto de Garantia da Lei e da Ordem, se o palácio estava invadido? O Batalhão da Guarda Presidencial não precisa de decreto para guardar o palácio presidencial.
Desde 2018, quando o general Eduardo Villas Bôas soltou seu famoso tuíte, é pública a malquerença de uma parte da oficialidade com Lula. Agora mesmo, o comandante da Marinha não passou o cargo ao sucessor, apesar de ter comparecido, em trajes civis, ao almoço que o almirante Marcos Sampaio Olsen ofereceu aos colegas em sua casa.
Lula governou o Brasil por oito anos sem qualquer encrenca com os militares. A oposição ao seu governo jamais flertou com golpes. O mesmo não se pode sequer pensar hoje. Está nas livrarias “Poder camuflado”, do repórter Fabio Victor. Ele reconstitui a origem da malquerença de militares com os governos petistas. Lê-lo ajudará a não repetir erros.
Vivandeiras civis e oficiais pensando em golpe fazem parte da vida nacional desde a segunda metade do século XIX. Bolsonaro adicionou a esse prato os ingredientes da indisciplina nas polícias militares e dos cidadãos dispostos a acampar pedindo um golpe militar. (O Globo – 11/01/2023)
Elio Gaspari, jornalista e escritor