Cadê os evangélicos?
Em 1998, perdi a reeleição para Governador do DF, em parte por uma sistemática campanha entre os evangélicos, me acusando de infiel. Terminado meu mandato, passei semanas visitando líderes religiosos em seus escritórios, começando a conversa com uma pergunta: “por que tantos evangélicos foram capazes de acreditar que eu tinha aversão ao evangelismo?” As respostas variavam, lembrando posições morais e de costumes defendidas por mim e pelo PT, mas também que não havia representatividade evangélica no meu governo.
Daquelas conversas, ficaram reflexões filosóficas, mas também um aprendizado que me permitiu ter apoio evangélico nas duas eleições seguintes, para o Senado. Em 2019, usei essas lembranças no pequeno livro “Por que falhamos: o Brasil de 1992 a 2018”, analisando por que o eleitor preferiu votar na aberração de Bolsonaro, no lugar do professor Fernando Haddad. Dos 24 erros que identifiquei, o de número 15 foi: “Politizamos os valores morais”, e com isto alienamos os evangélicos. O erro número 16 foi: “Abdicamos de defender os símbolos nacionais”, e com isto oferecemos a bandeira nacional como símbolo do bolsonarismo.
Em 2022, o Brasil acompanhou as consequências deses dois erros na quase derrota do Lula. Apesar da diferença monumental entre as personalidades e competências de Bolsonaro e Lula, por muito pouco este não perdeu a eleição, em função da aversão dos evangélicos e da força do símbolo da bandeira; além de um antipetismo construído pela fadiga de 14 anos no governo com seus acertos e erros. Com a minúscula diferença de votos, pode-se imaginar que Lula teria perdido se não fossem alguns gestos insanos de bolsonaristas nos últimos dias de campanha, apesar do gesto lúcido de Lula com a carta ao povo evangélico, coordenada pela Senadora Eliziane Gama.
As pesquisas dos dias seguintes ao lançamento daquela carta mostram um crescimento de quatro pontos do Lula entre os evangélicos. A vitória, porém, ficará restrita a poucos meses se o presidente Lula não praticar a carta com falas e gestos. Um deles é ter em sua equipe nomes que passem aos evangélicos a sensação de estarem representados. A diminuição, em todo o mundo, da importância dos partidos, que apenas alguns negacionistas não percebem, faz com que a representatividade de um povo passe também por identidades sociais não partidárias: mulheres, homossexuais, negros, povos originários, segmentos religiosos vistos como partes da cara do povo.
Por isto, a primeira lista com anúncio de ministros assustou, ao perceber-se apenas homens e brancos. O segundo anúncio demonstrou o cumprimento da promessa de Lula, ao trazer mulheres e afrodescendentes. Mas quando olhamos a foto do ministério escolhido até este momento, no dia de Natal, a cara do povo ainda está incompleta. Faltam evangélicos que representem os que, acreditando na “carta do Lula”, tiveram coragem de enfrentar seus pastores. Seria um erro esquecer essa promessa de campanha, ainda maior não perceber que a vitória no dia 30 de outubro passado foi apenas o início do “longo turno” até 2026, para o qual será preciso mais que ganhar votos dos eleitores, será necessário convencer as pessoas. (Blog do Noblat – 26/12/2022)
Cristovam Buarque foi senador pelo DF e ministro da Educação