Derrotada nas urnas, presidente tenta manter tropa mobilizada para demonstrar força e negociar proteção
A história acontece como tragédia e se repete no Brasil como arruaça. O bloqueio de rodovias faz parte de um enredo premeditado por Jair Bolsonaro: a tentativa de melar, pela via do tumulto, o resultado da eleição presidencial.
O capitão sempre buscou imitar Donald Trump. No ano passado, o republicano incentivou seus apoiadores a invadirem o Capitólio. Queria barrar a posse de Joe Biden, eleito pela maioria dos americanos.
Na versão tupiniquim, a baderna foi menos organizada. Os bolsonaristas se limitaram a parar o trânsito, com a cumplicidade da cúpula da Polícia Rodoviária Federal. Outros grupos de extrema direita armaram piquetes em frente a quartéis, onde clamam por golpe e prisão de ministros do Supremo.
Bolsonaro está isolado. Seus aliados já começaram a reconhecer a vitória de Lula na noite de domingo. O discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira, serviu como senha para o desembarque do Centrão.
Enquanto o capitão esperneava, escudeiros mais antigos também começaram a pular do barco. Até a senadora eleita Damares Alves admitiu a derrota. Faltava a fala do chefe, que se escondeu no palácio após a apuração dos votos.
Depois de 45 horas em silêncio, Bolsonaro reapareceu ontem à tarde no Alvorada. Num pronunciamento de dois minutos, evitou assumir que perdeu e se negou a citar o nome do presidente eleito. Terceirizou a tarefa ao ministro Ciro Nogueira, encarregado de tocar a transição.
O capitão passou a mão na cabeça de seus radicais. Descreveu os atos golpistas como reações legítimas a um sentimento de “indignação” e “injustiça” diante do resultado das urnas. Só fez uma ressalva quanto à forma dos protestos. “Nossos métodos não podem ser os da esquerda”, declarou.
Bolsonaro perdeu as condições objetivas para virar a mesa. Os governadores eleitos com seu apoio não estão interessados em confusão com o Judiciário. Os líderes de todos os países do G8 já cumprimentaram Lula pela vitória.
Ainda assim, o capitão evitou jogar claramente a toalha. Quer ganhar tempo e manter sua tropa mobilizada — seja para cultivar a imagem de “imbrochável” ou para negociar algum tipo de proteção a partir de 1º de janeiro. (O Globo – 02/11/2022)