A economia afeta o voto, ou o voto afeta a percepção da economia?
A polarização política afeta a percepção sobre o desempenho do governo e da economia. Mas muitas análises tendem a focar a avaliação do governo ou dos governantes, obtidas em pesquisas, como determinantes cruciais do voto. As respostas às pesquisas são contaminadas por uma espécie de torcida partidária (no jargão, “partisan cheerleading”); elas são uma forma de comportamento expressivo: o(a)s eleitores querem comunicar emoções com suas respostas. Não analisar.
Em “A Política da Beleza: os Efeitos do Viés Partidário sobre Atratividade Física”, Nicholson et al concluíram que a polarização atual nos EUA leva os indivíduos a acharem seus copartidários fisicamente mais atraentes que os do partido adversário. Sim, entre nós ela tem levado algumas pessoas a terem um “crush” nos candidatos do partido com o qual simpatizam.
Assim, a polarização política contamina a percepção das pessoas praticamente em todos os domínios da vida social. Não seria diferente no que se refere à economia e às políticas públicas. Mas aqui a forma convencional de pensar a causalidade entre economia e política é posta de ponta-cabeça: os analistas se perguntam como o comportamento da economia afeta o voto, e não o oposto, que é o foco.
Entretanto, temos o conhecido problema da endogeneidade: a economia afeta a política, mas a política afeta a percepção da economia e a avaliação do governo. O termo genérico ‘política’ é usualmente utilizado no sentido de identidade partidária, mas no caso brasileiro, caracterizado por baixíssima identificação partidária, trata-se de clivagem governo vs oposição, ou entre ‘campos’, associados a lideranças individuais (lulismo, bolsonarismo).
As respostas obtidas em pesquisas são expressive cheap talk (fala expressiva): refletem o apoio (ou falta dele) ao governo. As pessoas tipicamente escolhem o(a)s líderes primeiro, e só depois o conjunto de políticas que ele(a)s defendem, como argumentou Lenz, em “Siga o Líder, Como os Eleitores Respondem ao Desempenho e às Políticas dos Governos”. Aqui, no nosso caso, é com base na sua lealdade política (ou falta dela) que avaliam o comportamento da economia. A polarização afetiva exacerba estes problemas de endogeneidade.
É óbvio que a inflação, a taxa de juros, e o emprego influenciam o voto e, no momento atual, esta é a questão crucial. Mas não se pode entender esta influência com base em pesquisas com eleitores. O único segmento para o qual este exercício faz sentido são os chamados eleitores voláteis, devido a sua baixa lealdade política.
Sim, na intensa polarização atual as políticas públicas importam pouco; as emoções políticas predominam. Mas a chave da disputa são os voláteis. (Folha de S. Paulo – 16/05/2022)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).