Luiz Carlos Azedo: Trapalhada de Bolsonaro deixa Petrobras à deriva

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Uma das características do governo Bolsonaro é a geração de crises endógenas, ou seja, criadas pelo próprio presidente da República ou seus auxiliares, sem nenhuma interferência da oposição. Por capricho ou esperteza do chefe do Executivo, a confusão armada na troca de comando da Petrobras é mais uma delas. No fundo, ocorre porque Bolsonaro se considera um presidente que pode tudo no governo, quando não é assim que funciona o Estado democrático de direito. O presidente da República tem seu poder limitado pela Constituição e pelas leis.

A gestão da Petrobras foi blindada pela nova legislação das estatais aprovada no governo do presidente Michel Temer. A chamada Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei nº 13.303/16) foi uma resposta do Congresso aos escândalos investigados pela Operação Lava-Jato na maior empresa estatal brasileira, para dar uma satisfação à opinião pública. A nova legislação regulamentou o dispositivo da Constituição (art. 171, §1º) que exige um estatuto jurídico próprio para as empresas estatais.

A lei estabelece regras de governança corporativa para impedir as ingerências políticas nas empresas estatais, entre as quais a indicação e a ocupação dos cargos de administração (art. 17, §2º) por políticos ou pessoas sem idoneidade e a necessária qualificação técnica. A lei tornou obrigatória a existência de um comitê interno cuja função é verificar se as indicações aos cargos de administradores cumprem as regras de governança corporativa.

A legislação também deu maior transparência e eficiência à gestão administrativa das empresas estatais, com a criação de diversos órgãos de controle (compliance, auditoria interna, comitê estatutário etc.), além de seguir expressas práticas de governança e de divulgação de informações. No caso da Petrobras, essas regras são ainda mais relevantes, porque a empresa é uma sociedade anônima, cujas ações são negociadas no mercado de capitais.

A política de preços da Petrobras não pode sofrer interferência do governo. Toda vez que existe essa ameaça, a empresa sofre as consequências no mercado financeiro. Bolsonaro vem tentando interferir na política de preços da empresa desde o começo de seu governo. A saída de Roberto Castello Branco do comando da estatal foi consequência dessas tentativas. Sua substituição pelo general Joaquim Silva e Luna, atual presidente da Petrobras, tinha por objetivo controlar os preços dos combustíveis; o militar, porém, seguiu as regras da legislação vigente e a política de preços estabelecida em razão do mercado de combustíveis, que é dolarizado.

Deu errado

Diante da necessidade de melhorar seus índices de aprovação popular, mirando a própria reeleição, Bolsonaro resolveu trocar o comando da empresa, indicando para presidente do Conselho de Administração o atual presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, e para a presidência da diretoria da empresa, Adriano Pires, conhecido consultor da área de energia. Landim, que já foi funcionário de carreira da empresa, obviamente, seria um aporte político importante para o governo, principalmente no Rio de Janeiro. Pires havia encantado o presidente da República com a proposta de criar um fundo especial para subsidiar o diesel e o gás de cozinha e, com isso, mitigar a alta dos combustíveis provocada pela guerra da Ucrânia.

Deu errado. Não porque o mercado tenha reagido negativamente, mas porque os dois nomes não atendiam às exigências de compliance. Ao se despedir do cargo, no qual permanece apenas para abandonar o posto em meio à batalha, o general Silva e Luna havia advertido que a direção da empresa não comporta a presença de aventureiros; sabia bem o que estava falando. Tanto Landim como Pires desistiram da indicação devido a conflitos de interesses. Ambos têm negócios com fornecedores e prestadores de serviços da estatal.

Ontem, Bolsonaro foi ao Rio de Janeiro para tentar convencer Pires a aceitar o cargo. Como sempre acontece, atribuiu aos “inimigos internos” as dificuldades enfrentadas pelo executivo, que está há mais de 20 anos à frente do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), consultoria especializada em inteligência, regulação e assuntos estratégicos para o setor de energia. Não é um neófito, se desistiu do cargo é porque sabe das dificuldades que enfrentaria.

A demissão de Silva e Luna por si só não muda a política de preços da estatal, que fez um forte reajuste em março, com aumento de 25% do diesel, 19% da gasolina e 16% do gás de botijão, a causa de sua saída. A demissão de Roberto Castello Branco, em fevereiro de 2021, também ocorreu após um reajuste de combustíveis, da ordem de 14,7% no diesel e 10% na gasolina pela estatal naquele mês. Esses aumentos decorreram do aumento do preço do petróleo, induzido pelos principais países produtores — Opep, Rússia e Venezuela, principalmente —, e da alta do dólar, que agora está caindo.São variáveis que não podem ser neutralizadas artificialmente. (Correio Braziliense – 05/04/2022)

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