MANCHETES DA CAPA
O Estado de S. Paulo
Preço de matéria-prima dispara com guerra e pressiona inflação
Rússia toma cidade-chave no sul e amplia ataques a civis
Extrema direita europeia tenta se dissociar de Putin após guerra
Rússia vira pária global com sanções da economia à cultura
Eduardo Bolsonaro age nos Estados para facilitar porte de arma
Covid-19 – País chega a 650 mil mortes, com idosos entre as principais vítimas
Pandemia faz nota de Matemática ser a pior na série histórica de SP
Projeto propõe ‘minipraça’ entre Sesc e Itaú Cultural na Avenida Paulista
Folha de S. Paulo
Rússia toma cidade estratégica; plenário da ONU condena invasão
Alimentos ficarão mais caros, diz ministra da Agricultura
Bolsonaro defende mineração em terra indígena por causa da guerra
Guru de radicais russos atrai fãs brasileiros
Casos similares ao de Lula-Moro favorecem políticos
Última ação penal ativa contra petista é suspensa
Brasil chega a 650 mil mortos pela Covid-19
Ensino médio de SP tem nota mais baixa da história
USP, Unesp e Unicamp formam 25% menos mestres e doutores
Bilionário russo Roman Abramovich confirma que venderá o Chelsea
Valor Econômico
Preço do petróleo dispara com o avanço da guerra
Em 24 horas, 200 mil fogem da Ucrânia para países vizinhos
Crise apressa a transição energética
Para se proteger, família de Kiev dorme em carro
Bilionário tenta comprovar laços com a Ucrânia
Conflito pode salvar o governo de Biden
Projeto acaba com exclusividade de fundos de pensão
EDITORIAIS
O Estado de S. Paulo
Não é hora de neutralidade
Até a Suíça deixou a neutralidade e apoiou as sanções, mas Bolsonaro preferiu tolerar a agressão à Ucrânia e à ordem global
Só o rápido fim da guerra, com suspensão da violência, desocupação da Ucrânia e restauração da ordem multilateral, pode interessar ao Brasil. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, parece desprezar essa verdade tão óbvia quanto importante. Mantida a agressão à soberania ucraniana, a insegurança continuará e todos os países serão afetados política e economicamente. Não é hora para neutralidade nem para simpatia mal disfarçada a quem viola de forma inegável e arrogante o direito internacional. Não adianta recorrer a argumentos travestidos de realismo. Nem a mais grosseira caricatura de maquiavelismo pode justificar a atual diplomacia presidencial. Além de política e moralmente indefensável, a tolerância ao brutal expansionismo de Vladimir Putin é mau negócio.
Se a guerra se prolongar, prolongadas serão também as sanções. As maiores perdas poderão caber à economia russa, mas todos pagarão um preço, incluído o Brasil. Se ficar mais difícil importar da Rússia, o agronegócio poderá ter dificultado seu acesso ao principal fornecedor de certos fertilizantes – 76% do nitrogênio, 55% do fósforo e 94% do potássio aplicados nas lavouras brasileiras. Isso prejudicará o plantio, no segundo semestre, dos cereais e oleaginosas da próxima safra de verão.
Também as vendas do Brasil à Rússia poderão ser afetadas, mas com pouco efeito no resultado geral do comércio. Em 2021, o mercado russo absorveu exportações brasileiras no valor de US$ 1,59 bilhão, soma equivalente a apenas 1,59% do total. Na lista de países compradores de produtos brasileiros, a Rússia apareceu, no ano passado, em 36.º lugar. Em 2006, 2,5% das vendas externas do Brasil foram destinadas ao mercado russo, mas essa fatia diminuiu a partir do ano seguinte, talvez por negligência brasileira.
Se depender do empresariado da Rússia, parece pouco provável uma redução das vendas de fertilizantes ao Brasil. Esse empresariado já indicou ao presidente Putin sua preocupação com as consequências econômicas da guerra. Será uma surpresa se renunciar a qualquer esforço para manter os negócios com clientes do mundo capitalista, especialmente se essa clientela estiver ligada ao agronegócio brasileiro.
Mas o risco de empecilhos ao comércio é inegável, se a guerra e as sanções forem mantidas por muito tempo. Problemas poderão surgir nas cadeias globais de suprimentos, alertou a diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala. Ela destacou possíveis altas de preços, com danos principalmente para as populações pobres, se houver redução das exportações de cereais da Rússia e da Ucrânia, países grandes produtores de trigo e de milho.
O Brasil, diria um analista apressado, até poderia beneficiar-se com maior exportação de alguns produtos. Mas apostar em ganhos provenientes de uma guerra é perigoso econômica e politicamente e inaceitável pelos critérios da convivência segura.
Esses critérios foram várias vezes menosprezados, nos últimos três anos, pelo Executivo brasileiro, em manifestações contrárias à ordem multilateral. Sua política antiambientalista, com desastrosos efeitos diplomáticos, naturais e humanos, é um claro exemplo dessa oposição a valores defendidos internacionalmente.
As características bolsonarianas também se manifestam na identificação do presidente brasileiro com chefes autoritários, como o russo Vladimir Putin e o húngaro Viktor Orbán. Ambos foram visitados na semana anterior à invasão da Ucrânia. Consumada a violação, o Executivo brasileiro limitou-se a defender negociações. O governo da Suíça, país tradicionalmente neutro, aderiu às sanções. “Estamos com o povo ucraniano na travessia desses horrendos acontecimentos”, disseram os líderes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, ao anunciar ajuda à Ucrânia.
As escolhas são claras e nem o malabarismo da diplomacia brasileira esconde a tolerância à brutalidade de Putin. Serão os dirigentes do FMI, do Banco Mundial e da Suíça incapazes de entender o bom negócio de Bolsonaro?
Folha de S. Paulo
O amigo Vladimir
Autocrata russo é espécie de modelo avançado do que Bolsonaro gostaria de ser
Esperar do presidente Jair Bolsonaro (PL) coerência na relação com outras nações e compreensão dos temas geopolíticos equivale a acreditar em milagres. A superficialidade, os rompantes irrefletidos, as contradições e a ausência de linhas de continuidade prevalecem.
Não tem sido diferente no caso da invasão militar da Ucrânia pela Rússia. Integridade territorial, autodeterminação dos povos e não intervenção em assuntos domésticos de outros países perfilam-se como princípios da Constituição e da tradição diplomática brasileira.
As manifestações do Itamaraty, embora de início estranhas a essa linhagem, aos poucos convergem para ela —como se viu nesta quarta (2), quando a Assembleia-Geral da ONU aprovou resolução que condena a agressão da Rússia.
Na sexta-feira passada (25), ocupando vaga rotativa no Conselho de Segurança, o Brasil também endossou moção que, corretamente, exigia o fim imediato do uso da força no território ucraniano.
Três dias depois do debate sobre a proposta, vetada por Moscou, a representação brasileira voltou a repudiar a invasão. Criticou também potências ocidentais por “sanções seletivas” e pelo envio de armas ao governo ucraniano, sob o argumento de que essas iniciativas apenas prolongariam a crise.
Pode-se questionar essa segunda parte da crítica, em especial no caso de uma ofensiva tão brutal e imotivada como a deslanchada pelo governo russo, mas ela não destoa da tradição pacifista e multilateralista da diplomacia brasileira.
O que contrasta, sem dúvida, com o passado e o presente do Itamaraty são as atitudes do presidente Bolsonaro sobre a crise. Ele chegou a interromper mais um longo período de ócio no litoral para fazer comentários confusos sobre como pretende lidar com a Rússia de seu mais novo amigo, Vladimir Putin.
Explicou que adotaria a “neutralidade” com o autocrata, com quem se encontrou há alguns dias durante um passeio pouco produtivo pelo Kremlin. O Brasil, afirmou, não pode ficar sem os fertilizantes importados da nação eslava.
Afora o fato de o fim da violação russa ser o melhor caminho para assegurar o fornecimento de insumos agrícolas ao Brasil, as falas de Bolsonaro também se chocam com o que o seu próprio Ministério das Relações Exteriores está fazendo.
A neutralidade a que o presidente brasileiro se refere mais parece um gesto pessoal de simpatia com o líder russo. Putin, afinal, é uma espécie de modelo avançado do que Bolsonaro gostaria de ser, mas não consegue por causa das instituições da democracia.
Prender adversários, reprimir críticos, atropelar órgãos de controle, calar veículos de imprensa. Na Rússia há; no Brasil, não.
Valor Econômico
Inflação e commodities voltam a ajudar os governos
A melhora efetiva das contas públicas depende de reformas para conter as despesas obrigatórias
A invasão da Ucrânia pela Rússia tende a provocar um novo impulso na inflação global, em decorrência do encarecimento das commodities, como energia, alimentos e metais. A aceleração da alta de preços, como de costume, terá repercussões distributivas importantes e, no Brasil, os governos tenderão a ser um dos mais importantes ganhadores.
Os dados das contas fiscais de janeiro mostram que, mesmo antes do início do conflito, já havia um impacto positivo das surpresas inflacionárias na arrecadação e nos níveis de endividamento do setor público. Mas a melhora tende a se dissipar, já que o que importa no longo prazo são as variáveis reais.
O superávit primário da União, dos Estados, dos municípios e das empresas estatais chegou a impressionantes R$ 101,8 bilhões em janeiro. A dívida líquida do setor público caiu a 79,6% do Produto Interno Bruto (PIB), portanto abaixo da marca psicológica de 80% do PIB. O pano de fundo dessa melhora é o prolongamento do surto inflacionário que o Brasil e o mundo vivem desde fins de 2020, refletindo os impactos diretos da pandemia e os estímulos monetários e fiscais injetados por bancos centrais e governos.
As estimativas dos analistas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 2022, nas últimas semanas, se deslocaram de perto de 5% para 5,6%. Nesse percentual, distancia-se ainda mais do centro da meta de inflação, de 3,5%, e supera o intervalo de tolerância, que vai até 5%.
A inflação foi forte particularmente em janeiro, ajudando a baixar a dívida bruta. O IPCA chegou a 0,54%, e o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), a 1,82%. O efeito baixista do crescimento nominal da economia na dívida bruta foi de 0,8 ponto percentual apenas no primeiro mês do ano.
A inflação, junto com a alta dos preços de commodities, são motores importantes da arrecadação. A receita tributária federal aumentou 18,3% ante janeiro de 2021, chegando a R$ 235,3 bilhões. O aumento da arrecadação com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) fortaleceu o resultado primário dos Estados e municípios, que somou R$ 20 bilhões em janeiro.
Naturalmente, os resultados acima se devem também ao esforço para segurar as despesas, apesar de o governo Bolsonaro ter tomado medidas de expansão fiscal no ano eleitoral que enfraqueceram o teto de gastos.
Como os números acima são referentes a janeiro, ainda não refletem os mais recentes impactos que o conflito no Leste Europeu teve sobre os preços das commodities e na inflação global. Muitos analistas econômicos estão refazendo suas estimativas para a inflação deste ano que, dependendo da intensidade e duração do choque externo, poderá chegar mais perto de 6%.
O avanço da inflação melhora a perspectiva fiscal de curto prazo. Não será surpresa se, nas próximas semanas, assistirmos a uma alta do superávit primário previsto e queda nas estimativas da dívida bruta. No entanto, o cenário fiscal para os próximos anos tende a ficar um pouco mais incerto.
Os funcionários públicos federais aumentaram a pressão por reajustes, e vários governos regionais já se anteciparam com a concessão de aumentos para compensar as perdas salariais provocadas pela inflação. Uma boa parte da conta deverá ser paga apenas no futuro, quando se espera que a ajuda da inflação na arrecadação dos governos tenha perdido fôlego.
O clima de euforia com a arrecadação encoraja a União a promover estímulos pelo lado da receita. É o caso do corte de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Apesar de eventuais méritos de desonerar e dar competitividade a um setor importante da economia, a medida não tende a ser duradoura, porque não está sendo desenhada, no conjunto, de forma fiscalmente sustentável.
A inflação traz ganhos ao governo apenas quando não é antecipada pelos agentes econômicos. O Banco Central já colocou os juros em dois dígitos e, segundo previsões dos analistas do mercado, deverá levá-los a pelo menos 12,25% nos próximos meses. O aperto monetário já tem repercussões nas despesas com juro da dívida. A alta dos encargos tende a perdurar, já que o Banco Central e o mercado reestimaram para cima a taxa de juros neutra da economia.
Assim, a alta da inflação cria apenas uma ilusão. A melhora efetiva das contas públicas depende de reformas para conter as despesas obrigatórias e para aumentar o crescimento potencial da economia.