O fim da cidadania italiana por descendência como conhecemos: um ataque à nossa história e às nossas raízes
É com profunda preocupação e tristeza que compartilho com vocês a mais recente decisão do Parlamento Italiano: a aprovação de uma lei que muda drasticamente o direito à cidadania italiana por descendência — o tão conhecido ius sanguinis.
Essa nova legislação representa um duro golpe contra milhões de descendentes de italianos ao redor do mundo, especialmente na América Latina. Só no Brasil, somos mais de 30 milhões de ítalo-descendentes que preservam a cultura, os valores e a identidade italiana em suas famílias. Imagine o impacto dessa decisão se pensarmos em toda a diáspora italiana espalhada pelo planeta.
A partir de agora, a cidadania italiana não será mais transmitida automaticamente para descendentes nascidos fora da Itália. Ela será limitada somente até a segunda geração — ou seja, apenas filhos e netos terão esse direito reconhecido de forma direta.
Além disso, a nova lei exige que o cidadão italiano que transmite a cidadania tenha residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento ou adoção do filho ou neto. E mais: mesmo no caso de filhos menores, será necessário que o cidadão italiano manifeste formalmente o desejo de transmitir a cidadania até um ano após o nascimento ou adoção, cumprindo os mesmos critérios.
Para crianças nascidas até 27 de março de 2025, o prazo para essa manifestação vai até 31 de maio de 2026. Para os nascidos depois disso, o prazo será de um ano após o nascimento ou adoção.
Felizmente, os processos de cidadania iniciados até as 23h59 de 27 de março de 2025 não serão afetados por essa nova lei. Eles seguirão de acordo com as normas anteriores.
Por outro lado, os descendentes que não se enquadrarem nas novas regras ainda poderão solicitar a cidadania italiana por naturalização, desde que estabeleçam residência legal na Itália por pelo menos três anos. Após esse período, poderão solicitar o reconhecimento da cidadania junto ao governo italiano. No entanto, trata-se de um processo mais complexo e restritivo, que impõe desafios a quem deseja manter viva sua ligação com a Itália.
Mesmo com essa brecha, é lamentável o que o governo italiano está fazendo com os descendentes que vivem fora do país. Estão ignorando séculos de história, de sacrifício e de amor pela Itália. Estão esquecendo que existe uma outra Itália fora da Itália — como eu tantas vezes declarei no Parlamento, quando tive a honra de representar a nossa comunidade internacional.
Esses milhões de descendentes são herdeiros legítimos de uma cultura que ajudaram a preservar e espalhar pelo mundo, mesmo sem nunca terem pisado em solo italiano. Durante os tempos de guerra e crise, foram os países da América Latina que acolheram os italianos de braços abertos, deram trabalho, dignidade e novas esperanças. O mínimo que o Estado italiano deveria fazer agora é reconhecer e valorizar essa herança — e não criar barreiras injustas para quem deseja manter viva essa conexão.
Diante dessa realidade, nós já estamos analisando o documento oficial aprovado, ponto a ponto, para entender como poderemos reagir legalmente. Existem indícios de inconstitucionalidade nesta norma, principalmente no que diz respeito à sua retroatividade e à discriminação entre cidadãos com dupla nacionalidade.
Somos os verdadeiros embaixadores da Itália no mundo. E não vamos nos calar. Vamos lutar. A nossa história, a nossa identidade e o nosso sangue italiano merecem respeito.
- Por Renata Bueno, ex-parlamentar italiana e advogada – direto de Roma