Na Veja, Rubens Bueno defende presidencialismo mais próximo do parlamentarismo

Sem comando

Número de partidos e de candidatos já é menor, mas faltam líderes para mudança

Por José Casado

Há 460 000 brasileiros caçando votos em todas as cidades. Nove em cada dez disputam uma vaga de vereador. Como a legislação eleitoral é permissiva, proliferam excentricidades numa campanha em que se queimam 6 bilhões de reais do dinheiro dos impostos, quantia maior do que as prefeituras gastam por ano na construção de moradias e serviços de urbanização nos 5 570 municípios, informa o Tesouro Nacional.

Em consequência, ocorre a difusão de pseudônimos esdrúxulos, legalmente admitidos como nomes de urna, na televisão, no rádio, nas redes e nas ruas. Na cidade de São Paulo, entre outros, apareceu o candidato 100 Mizéria, possível vítima de acidente ortográfico. Em Suzano, no interior paulista, registrou-se um enigmático Cató Sete Cruzes.

São centenas de milhares em todo o país. Tem Cuiu Noconoco, em São João Batista do Glória (MG); Bidô de Zé Sapo, em Salgado (SE); Capote da Batata, em São Vicente do Seridó (PB); Doidão de João Turrão, em Macambira (SE); Cobra Choca, em Uruçuí (PI); Irmão Capenga, em Simões Filho (BA); Biu Aleijado, em João Alfredo (PE); Manoel Cotoco, em Ipaba (MG); e Ricardo Boca Aberta, em Cornélio Procópio (PR).

Na listagem dos tribunais eleitorais figuram, também, Pouca Roupa, em São Sebastião do Alto (RJ); Pelado, em Itapiranga (AM); Dayse Picão, em Conceição do Mato Dentro (MG); Valmir Pica, em Argirita (MG); e Marlene de Zé Durinho, em Propriá (SE). Ainda tem Jesus, em Maximiliano de Almeida (RS), Abençoado, em Itaperuna (RJ); e Neguim do Exú, em Augustinópolis (TO).

Eles emolduram a política numa comédia, ou tragicomédia, cujo roteiro é escrito pelo Congresso a cada temporada eleitoral. Zé do Pó, de Barras (PI); Bagulino, de Matupá (MT); Simone Tranqueira, de Santo Antônio da Barra (GO); e Cara de Lata, de Redenção (PA), pertencem a essa multidão de aspirantes à distinção comunitária, realçada no cardápio de mordomias à disposição do prefeito, do vice e do vereador.

Assim como Lambança do Cassiporé, do Oiapoque (AP); Pretinho Caninana, de Santa Luzia (PA); ou Fumaça da Brasília Amarela, de Orlândia (SP), todos se ajustaram de maneira peculiar às regras aprovadas nos plenários da Câmara e do Senado, onde reverberam bizarras saudações a “Sua Excelência Tiririca”, “Sua Excelência Astronauta”, “Sua Excelência Nelson Barbudo” e “Sua Excelência Zé Trovão”.

O mapa das disputas municipais, desenhado a partir dos dados da Justiça Eleitoral, mostra um país enclausurado na política do baixo clero, da qual o ciclo Jair Bolsonaro até agora foi sua melhor tradução. Mas revela, também, mudanças relevantes. Elas estão ocorrendo por gravidade, por escassez de lideranças para acelerar o ritmo das transformações.

Esta eleição municipal tem 100 000 candidatos a menos do que na última. Significa queda de 20% em relação à campanha de 2020. Nas cidades com mais de 500 000 habitantes o declínio foi de 38%. Em São Paulo, por exemplo, há dez disputando a prefeitura, eram catorze quatro anos atrás. Outros 1 008 lutam pelas 55 cadeiras de vereador, e isso é metade do contingente da batalha anterior.

Uma dúzia de partidos políticos desapareceu nesse período, em consequência de fusão ou incorporação a outro. Restaram 29 registrados. Desses, apenas dezoito possuem bancadas no Congresso.

A tendência é a eliminação de mais meia dúzia nos próximos seis anos. Isso porque a sobrevivência de cada partido está condicionada, por lei, à eleição de uma bancada mínima de deputados federais. Hoje esse piso é de onze parlamentares. Vai subir para treze na eleição legislativa de 2026. E para quinze em 2030. Sem essa representação básica na Câmara dos Deputados, uma organização partidária se torna inviável, sem acesso a fundos públicos e à propaganda eleitoral (que nunca foi “gratuita”, é paga com o dinheiro dos impostos).

Não deixa de ser uma volta ao passado, mas com a bússola apontada para o futuro. Será necessário resolver o impasse político do sistema de governo presidencialista, operado sob uma Constituição de viés parlamentarista e na realidade eleitoral do voto já virtualmente distrital. Esse quadro de incoerências, agravadas pela expansão do poder do Legislativo sobre fatias do orçamento público, tem empurrado parlamentares a uma atuação disfuncional em Brasília, como “vereadores federais”.

Dirigentes partidários como o ex-­presidente Michel Temer, do MDB, Gilberto Kassab, do PSD, e Rubens Bueno, do Cidadania, acham inevitável a mudança, para um tipo de presidencialismo mais parecido com o parlamentarismo. Só aconteceria a partir de 2030, depois do ciclo Lula. Isso por absoluta escassez de liderança na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

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