NAS ENTRELINHAS
A suspensão de atividades de empresas que não cumprem as regras está prevista no Marco Civil da Internet, caso da X. Houve episodio semelhante com a Telegram
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou o bloqueio de contas da empresa Starlink, do empresário Elon Musk, para quitar multas do X (antigo Twitter) por descumprir ordens judiciais. Oficialmente, a empresa questiona a constitucionalidade da medida, tomada para punir a plataforma X.
A Starlink é uma companhia de exploração espacial que atua no desenvolvimento de constelações de satélites pela SpaceX, também de Musk. O objetivo dela é levar conexão de internet para áreas remotas do planeta onde o acesso é baixo ou zero.
“Hoje, a Starlink está conectando mais de um quarto de milhão de clientes no Brasil — da Amazônia ao Rio de Janeiro —, incluindo pequenas empresas, escolas e socorristas, entre outros”, afirmou a empresa, no final da tarde de ontem, e garantiu que fará o possível para não interromper suas atividades no Brasil.
A decisão de Moraes levou Musk a escalar a crise entre o magnata e a Justiça brasileira. E é considerada inconstitucional pela oposição ao governo Lula e por adversários do ministro.
O magnata sul-africano acusou Moraes de tirania, na própria rede social. Em uma das postagens, compartilhou uma imagem semelhante a Moraes atrás das grades de uma cela. Em outra, o ministro segurando dois sabres de luz vermelha, com a seguinte legenda: “Grok, gere uma imagem como se o Lord Voldemort e o Lord Sith tivessem um filho e ele se tornasse juiz no Brasil. É estranho.”
Grok é um modelo de inteligência artificial generativa. Na madrugada de ontem, Musk já havia atacado Moraes: “Esse ‘juiz’ tem, repetidamente, quebrado as leis que ele jurou defender”. Moraes havia ordenado que o empresário indicasse o novo representante do X no Brasil, sob pena de suspensão da rede social.
Musk foi intimado por meio de uma publicação no perfil oficial do STF na própria plataforma, na quarta-feira à noite. O Supremo ainda marcou a conta oficial de Musk.
Na queda de braço com Musk, Moraes determinou “a indicação, em 24 horas, do nome e qualificação do novo representante legal da X Brasil em território nacional”. E ameaçou suspender as atividades da plataforma caso a decisão não seja cumprida.
O escritório do X no Brasil foi fechado por Musk em 17 de agosto, sob o argumento de que a plataforma estava sofrendo censura, em razão de Moraes exigir o bloqueio de perfis de investigados por difundir fake news e atentar contra a democracia.
“A decisão de fechar o escritório do X no Brasil foi difícil, mas, se tivéssemos concordado com a censura secreta (ilegal) de Alexandre de Moraes e as exigências de entrega de informação privada, não haveria forma de explicarmos as nossas ações sem nos envergonharmos”, escreveu Musk.
O empresário é investigado em inquérito que apura supostos delitos de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime. Consta, também, no inquérito que apura a atuação de milícias digitais.
Marco Civil
No início de agosto, foi divulgado um compilado de trocas de e-mails de funcionários do X a respeito de decisões judiciais brasileiras que envolveram a rede social entre 2020 e 2022. Revelados pelo jornalista americano Michael Shellenberguer, ficaram conhecidos como Twitter Files Brazil.
Por causa da investigação, Musk chamou Moraes de “ditador brutal” e disse que o ministro tem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “na coleira”. Em meados de agosto, Moraes pressionou para que o X cumprisse o bloqueio de algumas contas, conforme determinado pela Justiça, entre elas as de sete bolsonaristas, um deles o senador Marcos do Val (Podemos-ES).
Em resposta, o setor de Global Government Affairs do X publicou documentos atribuídos a Moraes. “Esse ofício exige a censura de contas populares no Brasil, incluindo um pastor, um atual parlamentar e a esposa de um ex-parlamentar. Acreditamos que o povo brasileiro merece saber o que está sendo solicitado a nós”, escreveu a conta do X em 13 de agosto.
No dia 17, a plataforma afirmou que Moraes teria ameaçado uma representante do X no Brasil com prisão caso as decisões judiciais não fossem cumpridas. Os documentos estão sob sigilo de Justiça.
A empresa saiu do Brasil em 17 de agosto e o STF só se comunica com a plataforma pela própria rede X. O Código Civil regulamenta o funcionamento de empresas e companhias nacionais ou internacionais, detalha como deve ser o funcionamento no Brasil. A suspensão de atividades de empresas que não cumprem as regras está prevista também no Marco Civil da Internet.
Já houve episódio semelhante com o Telegram, que ficou sem representante no país. Moraes, à ocasião, deu o mesmo prazo de 24 horas para indicação de representação local. A plataforma indicou quatro pessoas.
A propósito, no sábado, o cofundador do Telegram Pavel Durov foi preso na França, sob a alegação de que a falta de moderação no aplicativo contribui para a prática de crimes, como lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e compartilhamento de imagens de exploração sexual de crianças. Foi detido no aeroporto Le Bourget, em Paris, ao desembarcar de um voo com origem em Baku, capital do Azerbaijão. (Correio Braziliense – 30/08/2024)