Apesar de ter passado um bom tempo de minha vida fora do Brasil – cerca de dez anos, no total -, eu não me pronuncio com muita frequência sobre a questão internacional. Talvez por considerá-la uma das áreas mais difíceis de serem analisadas, ou um terreno de observação muito próximo daquele que os historiadores denominam por História Comparada.
Contudo, não posso deixar de externar aqui, como cidadão, algumas preocupações minhas. A principal delas tem que ver com a formação de um novo Eixo – e tomara que eu esteja equivocado – no mundo. Reunindo desta vez a Rússia de Putin e seus numerosos simpatizantes na extrema-direita europeia. A esse bloco, vem se somar os diferentes populismos latino-americanos. Vale dizer: um novo fascismo se apresenta em nosso horizonte. Com o mesmo desprezo pela Democracia, recorrendo ao expansionismo, à corrupção e ao nacionalismo rasteiro, sempre em defesa do grande capital e da guerra. Isso, para não aludirmos a uma eventual vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, nas eleições de novembro deste ano, extremamente perigosa para a continuidade da Democracia no mundo. As mutações no campo do trabalho explicam, em parte, que as forças democráticas e progressistas ainda não tenham armado uma política capaz de chegar aos anseios das massas populares. Não estamos mais na fase artesanal da indústria – que gerou o movimento anarquista – ou até mesmo naquela da indústria pesada – com os comunistas da III Internacional à frente do processo de lutas. O mundo industrial hoje é aquele capitaneado pela automação e pela inteligência artificial, projetando novos setores e atores econômicos e políticos. O fascismo, como nos anos 20 e 30 do século passado, tem sabido explorar esse contexto conturbado, essa crise civilizatória. Uma transição para lá de complexa desfila diante de todos nós.
Daí a necessidade urgente de unirmos o Campo Democrático. Os liberais, imprescindíveis para a estratégia dos Aliados na Segunda Mundial, são, a meu juízo, mais uma vez, uma peça fundamental no tabuleiro democrático internacional. Penso sempre, nesse momento, na estratégia do dirigente operário comunista Giorgi Dimitrov, o qual percebeu com acuidade admirável o quão necessário era estabelecer uma política de alianças com os liberais democratas, com quem os comunistas dividiam, já àquela altura, os ideais de defesa dos valores da Civilização contra a Barbárie. Outro respeitado comunista, o historiador Eric Hobsbawm, insistia sempre nessa tecla também. Ou seja, uns podem ser mais democráticos no terreno político, outros, na seara social e econômica. Mas há uma base democrática comum possibilitando o entendimento. Vamos ao que nos une então.
Ultimamente, tenho trocado ideias com companheiros como Roberto Freire e Luiz Corvo a esse respeito. Mais: pequenos países podem servir de laboratório, não apenas as grandes nações, como os Estados Unidos, a Rússia e a própria União Europeia. É o caso, por exemplo, de El Salvador. Ali, empunhando a bandeira da luta contra a corrupção e o crime organizado, o presidente Nayib Bukele acaba de ter uma votação estrondosa em sua reeleição. Deixar a bandeira da luta contra a corrupção e a insegurança nas ruas nas mãos da extrema-direita dá nisso.
Resumindo: que este exemplo sirva de alerta para nós. Unir o Campo Democrático em torno dos valores da Civilização – os quais implicam também o combate à corrupção e à violência de gangues e milícias de todo tipo, com os instrumentos que a Democracia coloca ao nosso alcance – é um grande passo para salvar a Democracia.
Ivan Alves Filho, historiador.
Março de 2024