Por que a reforma tributária demorou tanto para ser aprovada?
Demorou 30 anos. Sim, o diagnóstico e os remédios não foram muito diferentes dos propostos pela Comissão Executiva da Reforma Fiscal e no “emendão” do governo Collor; na revisão constitucional de 1993; nas PECs apresentadas por FHC e retiradas de pauta após longa tramitação; e mais recentemente em 2003 e 2007, como discuti em coluna.
Sim, contextos adversos colaboraram para o malogro: o impeachment de Collor, o aborto da revisão de 1993 e a crise asiática de 1997. No caso em que ela avançou mais, FHC preferiu a manutenção de um sistema ineficiente que garantia arrecadação a um modelo superior em quadro de grave instabilidade fiscal. Como examinei detalhadamente aqui.
Mais do que em qualquer área, as reformas tributárias tendem a seguir um padrão incremental. Reformas amplas são eventos raros devido à multidimensionalidade, complexidade e elevada aversão ao risco que apresentam. Mas a atual reforma passou em primeiro turno, o que requer uma explicação.
Não há uma maioria global: os vencedores e perdedores variam segundo a “dimensão”; o local de cobrança do imposto de consumo opõe estados produtores e consumidores; o IVA único eliminando os (milhares de) regimes especiais opõe estados (o líder do PT sabotou a proposta na votação do regime automotivo especial, alinhando-se com o governador Ratinho Jr!); a desoneração das exportações divide os exportadores e não exportadores; a distribuição da carga cria clivagem intersetorial entre serviços e indústria; a fusão do ISS/ICMS opõe municípios pequenos e grandes.
A complexidade e incerteza cria forte dissenso entre especialistas e burocracias técnicas. A aversão ao risco é maior aqui dado o risco potencial ser catastrófico politicamente.
A forma canônica para superar estes problemas envolve dois instrumentos: diferir no tempo a implementação das mudanças e criar seguros contra perdas. Mas as promessas aqui não são exatamente críveis porque nem mesmo sua constitucionalização garante “contratos futuros”. Estão sujeitos a mudanças posteriores e a governança a ser utilizada. (A experiência do Confaz mostra que a regra da unanimidade conferia poder de veto a SP, que agora desaparece).
A aprovação em primeiro turno reflete o consenso inédito sobre as disfuncionalidades colossais do sistema. Interesses organizados e empresas penduraram progressivamente presentes na árvore de Natal do sistema tributário, que agora está desmoronando.
É inédito o protagonismo do Congresso, de onde surgiu a PEC no governo anterior, fazendo com que pudesse ser negociada como questão suprapartidária, e não do governo. A barganha congressual ancorou-se no veto da maioria ao aumento da carga, que interessa ao governo e que não prosperou. A ver! (Folha de S. Paulo – 10/07/2023)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)