O ex-presidente da República provavelmente ficará inelegível, pode ser preso e se torna cada vez mais tóxico para o PL
Ailton Barros, um militar da reserva, em conversa com o tenente-coronel da ativa Mauro Cid, o braço direito do então presidente da República, diz o seguinte: “Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão, sei quem mandou. Sei a porra toda. Entendeu? Está de bucha nessa parada aí”. Eles conversavam intensamente para cometer crime, fraudar documentos públicos, o que foi consumado quando o ConectSUS foi acessado a partir do IP do Palácio do Planalto. Tudo para que várias pessoas, entre elas Jair Bolsonaro, se beneficiassem dessa mentira. Cid só não é comandante de tropa agora porque o governo Lula impediu, mas o Exército queria promovê-lo.
A história que foi revelada ontem ao Brasil é estarrecedora em todos os seus detalhes e sela o destino de Jair Bolsonaro. Depois de mais esse caso, ele provavelmente ficará inelegível, pode acabar preso e se torna, a cada dia mais, uma pessoa tóxica para a estrutura política do PL que ainda lhe dá respaldo.
Bolsonaro foi muito fundo nos seus atentados contra a saúde pública. Para não se vacinar e evitar qualquer ônus decorrente, como não poder entrar nos Estados Unidos, ele mobilizou o aparato do Estado e sua rede política através do seu ajudante de ordens. A operação para fraudar documentos e cometer crime de falsidade ideológica, entre outros, foi montada na conexão entre o Planalto e Duque de Caxias.
E por que Ailton e Cid estavam tendo essa conversa sobre Marielle? É que para fraudar registros do SUS através da estrutura da prefeitura de Duque de Caxias, ele estava pedindo um favor em troca. “Entre a gente, não vai existir nunca essa história, entendeu? Então vamos lá, é visto cancelado. Quem é esse garoto? Esse garoto Marcello Siciliano era um vereador do Rio que foi acusado de ser o mandante da morte de Marielle, aí depois o cara confessou que inventou a história”.
Dessa conversa típica de bandidos, que falam sem qualquer cerimônia no assassinato da vereadora Marielle Franco, participa o coronel que tinha senhas bancárias de Bolsonaro, pagava contas da família do presidente, que foi muito mais do que seu cargo indicava. Ajudante de ordens tem proximidade, o tenente-coronel Cid tinha cumplicidade com o então presidente.
Bolsonaro presidiu um país no qual morreram pelo menos 700 mil pessoas de Covid. Ele não tomou vacina, mandou fraudarem sua carteira de vacinação e a colocou em sigilo de 100 anos. Estimulou as pessoas a não se vacinarem e, até hoje, o país carrega as sequelas disso com a queda da cobertura vacinal. Quanto ao coronel, foi nomeado para comandar o Primeiro Batalhão de Ações de Comandos. As tropas mais próximas do Distrito Federal. Quando o governo Lula determinou que ele não assumisse, o comandante do Exército Júlio César de Arruda se insurgiu. Teve que ser substituído.
O ministro Alexandre de Moraes lista os possíveis crimes cometidos por Cid e outros que se uniram em quadrilha: infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores. A falsificação pegou a família do Cid, Bolsonaro e sua filha, os seguranças que foram para os Estados Unidos, dezenas de pessoas.
Diante de todas as evidências, áudios, documentos, a vice-procuradora geral Lindôra Araújo, em nome do procurador-geral Augusto Aras, o que diz? Que Bolsonaro não sabia de nada, que foi tudo feito à revelia dele, inclusive falsificar documento da filha adolescente do ex-presidente. “Não há lastro indiciário mínimo para sustentar o envolvimento do ex-presidente”. Segundo ela, o coronel Cid “teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa”. O ministro Alexandre de Moraes reage dizendo que essa versão da PGR “não é crível” e “não há qualquer indicação que conceda credibilidade a isso”.
Bolsonaro está envolvido em mais uma teia de um novelo de crimes. O onipresente Mauro Cid foi o mesmo que mobilizou o aparato da presidência e avião da FAB para tentar liberar as joias milionárias sauditas. Tanto na falsificação do cartão de vacinação, quanto nas joias, eles estavam apressados. Queriam que tudo estivesse resolvido até a partida do então presidente da República para os Estados Unidos. Nem Bolsonaro, nem seu antigo ministro da Justiça, Anderson Torres, queriam estar em Brasília no dia 8 de janeiro. Já Mauro Cid gostaria de estar comandando tropas em Goiás, bem perto da capital. (Com Ana Carolina Diniz/O Globo – 04/05/2023)