Vera Magalhães: Trump vira pesadelo para Bolsonaro

O famoso ‘establishment’ não deixará impunes, nem lá nem aqui, tentativas de conspiração para solapar a democracia

Jair Bolsonaro levou três meses no dilema volta-não volta ao Brasil depois de sua saída pelos fundos para a Flórida. Voltou num momento que, para ele, não poderia ter sido pior. Sua chegada ao país coincidiu não apenas com o escândalo das joias sauditas — tanto as que levou ilegalmente quando deixou a Presidência quanto as que moveu mundos e fundos para também levar —, como também com o agravamento dos indícios de que a estrutura de seu governo foi usada para influenciar o segundo turno das eleições de 2023.

Para deixar o revés ainda mais completo, seu amigo Donald Trump acabou por se tornar o primeiro ex-presidente norte-americano a ser réu por acusações criminais, justamente neste momento em que o cerco contra sua réplica tropical vai se fechando em várias frentes de investigação. Para alguém que ascendeu rapidamente do baixo clero à Presidência quase unicamente graças à narrativa de redes sociais, essa conjugação de fatores não poderia ser mais tóxica.

Bolsonaro parecia nutrir a expectativa de que seu destino no Brasil seria liderar a oposição. Valdemar Costa Neto, o dono do PL, vislumbrou no casal Bolsonaro “estrelas” que usaria num road show em busca de filiados e para engordar ainda mais o caixa do partido. Conviria olhar para cima no mapa e ver o que um líder de extrema direita que perde a eleição tentando minar a confiança da população no processo eleitoral e nas instituições enfrenta quando seu plano dá errado depois de causar muito estrago. Porque demora, tudo ainda não está desenhado, mas é certo que o famoso establishment não deixará impunes, nem lá nem aqui, tentativas de conspiração para solapar a democracia.

O caso em que Trump virou réu nem tem a ver com suas ações para tentar reverter a derrota na Georgia ou aquelas que contribuíram para o ataque ao Capitólio, mas é uma mostra de que seu plano para chegar ao poder incluía o uso de seu império econômico para tirar da frente possíveis acusações que atrapalhassem a caminhada. Nem que fosse preciso subornar pessoas e fraudar negócios para isso.

Na saga judicial que enfrentará, Bolsonaro também terá de prestar contas por casos anteriores ao mandato, que podem complicá-lo. Mas tanto ele quanto seu ídolo têm pela frente sérias acusações concernentes ao exercício da Presidência, e são essas que podem levar ambos a ser extirpados do processo político, se tornando inelegíveis.

Nessa seara, as investigações contra Anderson Torres, o diligente ministro da Justiça de Bolsonaro, vão adquirindo contornos dramáticos, por imprevisíveis, para o ex-chefe. Os indícios de que houve uma orquestração pessoal de Torres para realizar, no dia do segundo turno das eleições presidenciais, blitze em estados onde Lula fora bem votado no primeiro turno são muito fortes e vão se avolumando à medida que a Polícia Federal desenrola o fio dos acontecimentos. As digitais de que se tentou eliminar provas ao longo dos últimos meses também agravam a situação.

Torres é descrito por aliados e ex-subordinados como alguém tão vaidoso nos momentos de calmaria quanto inseguro nos de incerteza. Para alguém com essa instabilidade emocional e necessidade de endosso, ficar preso três meses sem nenhuma perspectiva de ser ajudado gera um nível de estresse que pode ser determinante para ditar a disposição de assumir todas as consequências do passado sozinho. Daí o corre-corre para trocar seus advogados e tentar evitar que ele entre em combustão espontânea.

O dramático para Bolsonaro, que o equipara a Trump, é que esse não é o único fio desencapado. Além das joias e de Torres, o ex-presidente tem pela frente a discussão de suas contas e uma fila de processos que podem torná-lo inelegível. A cada dia no Brasil, o capitão deverá sentir mais saudades dos fast-foods da Flórida. (O Globo – 05/04/2023)

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