Luiz Carlos Azedo: O dilema de Anderson Torres e a sorte de Bolsonaro

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Há rumores de que os advogados do ex-ministro da Justiça Anderson Torres negociam a sua delação premiada com a PF

O dilema clássico dos prisioneiros é o seguinte: dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia, que tem provas insuficientes para uma condenação, mas usa um estratagema trivial, de separar os prisioneiros e oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre, enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a seis meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva cinco anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber qual será a do outro, e nenhum tem certeza da decisão do outro.

No livro A evolução da cooperação (Editora Hemus), o cientista político norte-americano Robert Axelrod estudou uma variante do cenário clássico do dilema do prisioneiro, que denominou dilema do prisioneiro iterado (DPI). Convidou colegas acadêmicos de todo o mundo a conceber estratégias automatizadas para competir, recorrendo à complexidade dos algoritmos. Descobriu que as estratégias egoístas tendiam a ser piores a longo prazo, enquanto que as estratégias altruístas eram melhores, julgando-as unicamente com respeito ao interesse próprio. Usou isso para mostrar como pode evoluir um comportamento altruísta a partir de mecanismos puramente egoístas na seleção natural.

A melhor estratégia era parecida com a Lei de Talião, da antiga Mesopotâmia: “Olho por olho, dente por dente”, desenvolvida e apresentada no torneio por Anatol Rapport, que misturava retaliação e cooperação. Consistia em cooperar logo no começo do jogo, e depois repetir o que o oponente escolheu na rodada seguinte, sem perder a capacidade de perdoar, ou seja, eventualmente cooperar em vez de retaliar, para não ficar encerrado num círculo vicioso de retaliações.

O segredo é começar cooperando. A retaliação só ocorre como resposta à deserção de outro jogador. Castiga-se imediatamente, mas volta-se a cooperar ao primeiro sinal de cooperação. Esse comportamento claro e direto permite que o outro jogador entenda facilmente a lógica por trás das ações. No torneio de Axelrod, as piores estratégias foram as que não estavam desenhadas para responder às escolhas dos outros jogadores.

A estratégia é fascinante porque permite entender a cooperação e a confiança humanas. Axelrod estabeleceu, porém, as condições necessárias para que a estratégia tenha êxito: amabilidade (o puro egoísmo leva ao fracasso), retaliação (colaborar em qualquer circunstância é um erro), perdão (evita o círculo vicioso das retaliações) e desprendimento (a inveja é péssima conselheira).

Delação premiada

Essa estratégia leva indivíduos egoístas a serem amáveis e colaborativos, indulgentes e não invejosos, porque os “bons rapazes” acabam ganhando. O dilema dos prisioneiros é um problema da teoria dos jogos, em que existe a possibilidade de evitar o jogo de soma zero ou mesmo o perde perde, por meio da cooperação mútua. Ou seja, ambas as partes serão beneficiadas.

Na Operação Lava-Jato, o dilema dos prisioneiros foi subvertido pela chamada “delação premiada”. Quem trair leva vantagem. Por meio das delações, políticos e empresários condenados por corrupção e lavagem de dinheiro receberam penas abrandadas ou mesmo eliminadas. Os maiores beneficiados foram o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto. Receberam as penas mais altas entre todos os condenados (122 e 74 anos de prisão), mas foram bem recompensados e acabaram sentenciados a apenas três e dois anos, respectivamente. As mais severas foram as do ex-diretor da Petrobras Renato Duque (50 anos de pena), do ex-presidente da Eletronuclear Othon Pinheiro da Silva (43 anos), do ex-presidente da Engevix Gerson Almada (34 anos) e do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto (30 anos).

Há rumores de que os advogados do ex-ministro da Justiça Anderson Torres negociam a sua delação premiada com a Polícia Federal, que investiga a tentativa de golpe de 8 de janeiro. Delegado federal, está cada vez mais enrolado e pode perder o emprego. Ontem, o ministro da Justiça, Flávio Dino, em entrevista ao historiador Marco Antônio Villa, revelou que há fortes indícios de envolvimento de Torres com as blitzes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) nas estradas para dificultar o acesso de eleitores às urnas no segundo turno.

O ex-ministro ocupava o cargo de secretário de Segurança do Distrito Federal e viajou para Miami, às vésperas da invasão do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, para se encontrar com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Torres integravam o grupo palaciano que contestava o resultado das urnas. Em sua casa foi encontrada a minuta do decreto de intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e afastamento do ministro Alexandre de Moraes da presidência daquela Corte, que supostamente seria assinado por Jair Bolsonaro.

Sabe-se que os então ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente do PP; das Comunicações, Fábio Faria; e de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha, atuaram para que o resultado das urnas fosse aceito por Bolsonaro. Além de Torres, o grupo radical era formado pelos generais Braga Netto, candidato a vice-presidente; Luiz Ramos, secretário-geral da Presidência; e Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). (Correio Braziliense – 05/04/2023)

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