Marcelo Godoy: Os almirantes e o cumprimento do dever

Extravagâncias de Garnier e comportamento de Bento na alfândega marcam a Força Naval durante o governo Bolsonaro

Conta-se que, diante do inimigo, quando se aproximava do Riachuelo, o almirante Barroso transmitiu à frota uma mensagem: “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”. Com esse espírito, Hélio Leôncio Martins, então capitão-tenente, subiu em um caça-ferro para proteger comboios no Atlântico Sul, na 2.ª Guerra. Ali testemunhou um submarino do Eixo explodir um petroleiro na costa venezuelana.

Mais tarde, o almirante Leôncio foi o primeiro comandante do porta-aviões Minas Gerais. Era sincero nas respostas. Ao ser indagado sobre se a Marinha estava preparada para o conflito, disse: “Zero… Pode pôr zero. Zero mesmo. Não sabíamos nada de defesa antissubmarina, não tínhamos arma, nem equipamentos”. O caça-ferro Juruena, com o qual fez a guerra, só foi incorporado à Marinha em novembro de 1942, três meses após iniciado o conflito. E foi no mar que o Brasil sofreu as maiores baixas – 1,5 mil mortos –, embora a memória lembre mais da perda dos cerca de 600 pracinhas e aviadores na Itália. “Cada passagem de comboio era uma vitória.” E Leôncio teve muitas. Morreu em 2016. Honrou cada sílaba da frase de Barroso.

A Marinha tem agora um novo dever a cumprir. Lidar com o papel de seus almirantes no governo de Jair Bolsonaro. Foi do comandante da Força, Almir Garnier, que surgiram duas extravagâncias: o desfile de carros de combate em Brasília, no dia da votação da PEC do Voto Impresso, e a ridícula recusa de transmitir o cargo ao almirante Marcos Olsen. Elas expuseram a politização na Marinha.

Já a revelação do caso das joias trazidas da Arábia Saudita para Bolsonaro e sua mulher, Michelle, por outro almirante – Bento Albuquerque – só atesta a degradação que o bolsonarismo impôs ao País. Em uma das andanças, Bento esbarrou em um fiscal que cumpria o seu dever.

Pior. A voz do almirantado que se insurgiu contra a partidarização da Força Naval, o contra-almirante da reserva Antonio Nigro, foi punido com uma repreensão, em 2022. E isso em um governo que abafou o caso do general da ativa Pazuello. Se há punições que têm o valor de uma medalha, Nigro teve a sua.

Recentemente, ele escreveu: “Não me surpreende o fato de Bolsonaro ter incorporado ao seu acervo pessoal parte dos presentes. Nem tampouco o protagonismo de militares partidarizados na façanha de omitir o desvio das joias. Louvável a dignidade da conduta dos agentes de carreira da Receita. Exemplar a resistência deles contra investidas de autoridades de mais elevado nível hierárquico.” Nigro tem razão. Sua fala não tem nada de ofensiva, só reconhece na conduta do fiscal o mesmo material que moveu Barroso e Leôncio: o cumprimento do dever. (O Estado de S. Paulo – 15/03/2023)

Leia também

Brasil fica mais perto da nova Rota da Seda

Os chineses tentam atrair a adesão do Brasil ao programa há anos. Até agora, os governos brasileiros resistiram, por razões econômicas e geopolíticas.

Meia-volta, volver!

Ivan Alves Filho* Aprendi com um mestre do valor de...

A Democratização da Literatura no Brasil

Matheus Rojja Fernandes * A democratização da literatura no Brasil...

As eleições de 2024 e as de 2026

* Ivan Alves Filho Escrevo logo após o encerramento do...

O que se move sob nossos pés?

Há algo que se move sob nossos pés e...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!