Luiz Carlos Azedo: MDB pleiteia três ministérios, um para Simone Tebet

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

A participação do MDB no governo Lula é assunto resolvido. O presidente da legenda, deputado Baleia Rossi (SP), pacificou o partido internamente para que integre a coalizão que está sendo formada com o PT e mais 14 partidos. A ex-candidata à Presidência Simone Tebet será a estrela da legenda no novo governo, com apoio integral das bancadas da Câmara e do Senado, que também estarão representadas na ampla coalizão democrática em formação. O martelo deve ser batido no encontro de Rossi com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Baleia considera Simone Tebet a grande liderança democrática de centro que emergiu da disputa eleitoral, não apenas pela votação que teve no primeiro turno, no qual a chamada “terceira via” foi esvaziada pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Sua atuação no segundo turno, quando se engajou de corpo e alma na campanha do petista, contribuiu decisivamente para levá-lo à vitória. Lula sabe disso.

O excelente desempenho durante os debates entre os candidatos à Presidência e a clareza de suas propostas fizeram de Simone a candidata do MDB com melhor desempenho em disputas presidenciais da História, com 4.915.423 votos — o equivalente a 4,2%. O apoio a Lula no segundo turno não foi por gravidade, mas condicionado à adoção de propostas de seu programa de governo, como o pagamento de uma bolsa de R$ 5 mil para alunos que terminarem o ensino médio. Durante a campanha, Simone se empenhou para transferir o maior número de votos possível para Lula, que obteve apoio de 3,5 milhões de eleitores a mais na segunda votação.

A presença de Simone Tebet no governo Lula, por isso mesmo, muda a natureza da ampla coalizão em formação, que passa a ser claramente de centro-esquerda, independentemente da participação de outras legendas. Mesmo sem a presença do PSDB, que pôs a carroça à frente dos bois ao projetar o governador eleito do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, novo presidente da legenda, como virtual pré-candidato à Presidência da República. É um certo açodamento, porque há um longo caminho a ser percorrido até 2026.

Eleições municipais

A aposta do MDB é construir um forte campo eleitoral de centro democrático nas eleições municipais de 2024, a partir de uma federação formada com Podemos, PSDB, Cidadania e outras legendas. Segundo ele, esse é o caminho para viabilizar candidaturas competitivas no campo de forças que se opõem ao bolsonarismo e apoiam o governo Lula. Não é uma construção fácil. O PSDB derivou para a oposição em razão da aliança entre Eduardo Leite e o deputado Aécio Neves, ex-governador de Minas, que ganhou a queda de braço com o ex-governador paulista João Doria e recuperou sua influência na bancada federal da Câmara.

Além disso, a situação do PSDB é muito delicada em São Paulo, porque o apoio do ex-governador Rodrigo Garcia ao novo governador eleito Tarcísio de Freitas não foi robusto o suficiente para conter a debandada de prefeitos tucanos para o PSD de Gilberto Kassab, que será o braço direito do novo governador paulista. Até os garçons do Palácio dos Bandeirantes sabiam que o esvaziamento do PSDB paulista seria inevitável, com a ida do ex-governador Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República eleito, para o PSB, e a derrota acachapante de Garcia, que ficou fora do segundo turno. Nesse rastro, deputados do PSDB e outras legendas só não fazem a baldeação por medo de perderem os mandatos.

Orçamento secreto

Independentemente da PEC da Transição, votada ontem no Senado e que ainda precisa ser aprovada pela Câmara, os dias do chamado orçamento secreto estão contados. E não apenas porque a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, que cobra o fim do sigilo sobre as emendas, pôs em votação a ação de PSB, PSol, Cidadania e PV que arguia inconstitucionalidade das chamadas emendas do relator.

Começa a se formar entre as lideranças do Congresso uma opinião majoritária de que as emendas ainda podem gerar muita dor de cabeça para seus autores, devido à farra de distribuição de verbas federais durante a campanha eleitoral e as denúncias de corrupção nos municípios. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já vem conversando com outras lideranças sobre a necessidade de uma alternativa que garanta mais transparência às emendas. A campanha mostrou que o sigilo sobre seus autores criou uma situação de desequilíbrio na distribuição dos recursos não apenas entre governistas e oposicionistas. Houve concentração de recursos, também, entre integrantes da mesma bancada, o que gerou muita insatisfação. (Correio Braziliense – 08/12/2022)

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‘Edição nacional’ dá forma a um ‘novo’ Gramsci

“Edição nacional” dá forma a um “novo” GramsciO século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” em seu tratamento quanto um relativismo interpretativo inconsequente.No campo das ciências sociais, Antonio Gramsci talvez seja o autor italiano mais traduzido no Brasil. Um autor sui generis já que, em vida, nunca publicou um livro e seus escritos foram, por escolha dos seus editores, publicados primeiramente a partir dos grandes temas que se entrecruzavam nos cadernos escritos na prisão, para só depois ganharem uma “edição crítica” que se esmerou em acompanhar a cronologia da escritura gramsciana durante seu encarceramento. Referimo-nos aqui à “edição temática” coordenada por Felice Platone e Palmiro Togliatti, publicada entre 1948 e 1951, e à “edição crítica” dos Cadernos do Cárcere, de 1975, coordenada por Valentino Gerratana.1Atualmente, os Cadernos do Cárcere, somados a textos escritos para jornal, cartas (de Gramsci e dos seus interlocutores) e traduções, compõem o escopo da denominada “Edição nacional”, cujo primeiro volume veio à luz em 2007 e já conta com 9 volumes publicados na Itália. A “Edição nacional”, coordenada pela Fondazione Istituto Gramsci e publicada pelo Istituto della Enciclopedia Italiana – Edizione Treccani –, está projetada em quatro seções, a saber: 1. Scritti (1910-1926); 2. Epistolario (cartas anteriores e posteriores à prisão); 3. Quaderni del carcere (nova edição crítica e integral); 4. Documenti (dedicado à atividade político-partidária).2Com a difusão dos seus escritos, inicialmente, Gramsci foi visto tanto como o “teórico da cultura nacional-popular” quanto um formulador “da revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíram conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala. Ao longo de décadas, Gramsci foi utilizado de maneira ampliada e, no mais das vezes, buscou-se, a partir dele, difundir algumas fórmulas desvinculadas do seu contexto de enunciação. Inevitável que tivesse ocorrido tanto um processo de instrumentalização — no PCI, Gramsci assumiu a figura de um formulador ortodoxo e também a de um precursor do “eurocomunismo” — quanto de diluição e empastelamento do seu pensamento, sendo muitas vezes citado por opositores declarados às suas aspirações políticas de emancipação dos subalternos. Por esses descaminhos, diluiu-se a riqueza do seu pensamento, o que parece estar sendo recuperado, como a sua complexa leitura do nacional a partir de um “cosmopolitismo de novo tipo”3 ou sua aspiração por um “comunismo como sinônimo de igualdade e democracia”.4Olhando essa trajetória de recepção e assimilação, pode-se dizer que Gramsci chegou a um patamar de utilização que passou a exigir um novo tratamento, que desmontasse mitos, simplificações e falsificações, e pudesse resgatar Gramsci como uma obra que se confunde com sua vida, contextualizada nos conflitos e transformações daqueles anos febris que marcaram o alvorecer do século XX.Esse espírito marca uma reviravolta nos estudos gramscinos nas últimas décadas que, em primeiro plano, buscou estabelecer uma leitura filológica dos seus textos com o intuito de dar uma compreensão mais refinada dos seus conceitos em compasso com sua escritura, ou seja, capturando o “ritmo do pensamento”.5 Em paralelo, a partir de uma perspectiva analítica centrada na “historização integral”, foi possível pensar, de maneira articulada e contextualizada historicamente, as vicissitudes da sua trajetória pessoal e da sua reflexão teórica, permitindo que se pudesse compreender melhor os dramas individuais e os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo. Muito desse movimento renovador se alicerçou no trabalho desenvolvido pela Fondazione Gramsci de Roma por meio de pesquisas inovadoras, seminários regulares difundidos em publicações coletivas e iniciativas intelectuais que articulavam o diálogo entre estudiosos e pesquisadores dos escritos de Gramsci ao redor do mundo.6Com o trabalho de pesquisa ensejado na propositura da “Edição nacional” e em função das pesquisas desenvolvidas de identificação e reorganização do que Gramsci escreveu, passou a haver um significativo movimento de reavaliação e revigoramento do seu pensamento. Diversas publicações de estudos sobre sua vida e seu pensamento têm vindo a público, particularmente na Itália — mas não só —, que, além de questionarem diversas formas pelas quais Gramsci havia sido assimilado e utilizado, propõem uma revisão de muitas dessas interpretações e sugerem o que vem sendo chamado de um “novo” Gramsci.De acordo com Gianni Francioni e Francesco Giasi, a ênfase dessa caracterização não está no conteúdo, mas no reconhecimento de que “um novo Gramsci ganha forma graças a um complexo trabalho coletivo que conta com a participação de estudiosos de diferentes gerações, com diferentes formações e perfis, com maturações diversas, no campo dos estudos históricos e filosóficos, unidos por pesquisas específicas e continuadas”.7De imediato, esse reconhecimento sugere um questionamento inevitável à equivocada visão de alguns anos atrás de que Gramsci havia deixado de ser lido e estudado na Itália em detrimento do crescimento da investigação sobre Gramsci por parte de pesquisadores não italianos. Outra ideia que deverá ser questionada em breve é a de se supor que a “Edição nacional”, com seus portentosos volumes — que muito dificilmente serão traduzidos em sua totalidade em outros países —, diminuirá a pesquisa sobre Gramsci ao redor do mundo. Sì e no, efetivamente, essa é uma questão em aberto.Em suma, esse “novo Gramsci” obedece mais ao clima do tempo, mais plural e dialogante, do que aquele do status de referencial predominante de um campo político-ideológico, vinculado a um partido, ou então, o seu inverso, como na fabulação de um “outro Gramsci” que se opõe à imagem que, em particular, o PCI, atribuiu a dele. O século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” de tratamento do nosso autor quanto um relativismo interpretativo inconsequente; e repele, mais ainda, a leitura essencialista, antitética e tresloucada promovida pela extrema-direita, à la Olavo de Carvalho8, que deforma tudo e promove somente ignorância.Esse “novo Gramsci”, muito mais fiel à sua trajetória de vida e à complexidade do seu pensamento, permanece convocando seus leitores e estudiosos a se esforçarem no sentido de contribuírem com a discussão dos dilemas políticos da contemporaneidade, notadamente por meio das temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois temas caros a ele e vetores essenciais para o enfrentamento dos desafios deste “mundo grande e terrível”… e “complicado”, que ele já divisara no seu tempo, um século atrás. (Estado da Arte/O Estado de S. Paulo - 09/10/2024 - https://estadodaarte.estadao.com.br/filosofia/edicao-nacional-da-forma-a-um-novo-gramsci/)Notas:1. A “edição temática” foi quase integralmente publicada no Brasil na década de 1960 pela editora Civilização Brasileira. A partir de 1999, tendo como editores Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, a mesma editora publicaria uma versão dos Cadernos do Cárcere que mescla a “edição temática” com a “edição crítica”. ↩︎ 2. Em maio de 2024, foi lançado Scritti 1918, organizado por Leonardo Rapone e Maria Luisa Righi, o último volume até agora publicado da “Edição nacional”. ↩︎ 3. IZZO, Francesca. Il moderno Principe di Gramsci – cosmopolitismo e Stato nacionale nei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2021(uma versão em português está no prelo pela Editora da Unicamp & FAP). ↩︎ 4. DESCENDRE, Romain & ZANCARINI, Jean-Claude. L’oeuvre-vie d’Antonio Gramsci. Paris: La Dècouverte, 2023, p. 13. ↩︎ 5. COSPITO, Giuseppe. Il ritmo del pensiero – per una lettura diacronica dei “Quaderni del carcere” di Antonio Gramsci. Napoli:Bibliopolis, 2011. ↩︎ 6. A título ilustrativo podemos mencionar: Giuseppe Vacca, Vida e pensamento de Antonio Gramsci – 1926/1937 (Contraponto/FAP, 2012); Leonardo Rapone, O jovem Gramsci – cinco anos que parecem séculos – 1914-1919 (Contraponto/FAP, 2014); Aberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques & Giuseppe Vacca (orgs), Gramsci no seu tempo (Contaponto/FAP, 2009; 2ª. ed. 2019); Fabio Frosini & Francesco Giasi (orgs), Egemonia e modernità – Gramsci in Italia e nella cultura Internazionale (Viella, 2019). ↩︎ 7. FRANCIONI, F. & GIASI, F. Un nuovo Gramsci – biografia, temi, interpretazioni. Roma: Viella, 2020, p. 12. ↩︎ 8. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. “Gramsci no jardim das aflições”. In: Anais do VIII Encontro de pesquisa em história da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2019. ↩︎

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Como se reconhece um democrata?

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