Vinicius Torres Freire: Tebet precisa inventar um ministério

Planejamento quase não tem função e é uma ideia morta, mas que pode ser recriada

Simone Tebet vai para o Planejamento. É um arranjo de última hora para que Luiz Inácio Lula da Silva possa salvar a face da ideia de “frente ampla”, ao menos no que diz respeito à composição do ministério.

O ministério do Planejamento quase inexiste. Nos últimos 30 anos, foi esquartejado, desidratado, fatiado, anexado, e extinto, a última vez por Jair Bolsonaro. Ressuscita, vez e outra, como uma pasta que faz o Orçamento, cuida da administração pública, de estatais (sobre as quais pouco apita), e patrimônio, com Ipea e IBGE, autônomos, sob suas asas.

Administração pública e patrimônio, sob Lula 3, vão para o ministério da Gestão. Tebet fica com Orçamento e estatais. Como diz o clichê, o Planejamento é um personagem à procura de um autor.

A ministra vai precisar inventar uma pasta para chamar de sua. Talvez possa ter influência no PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), mas está difícil de ver como. Além de ser quase certo que fique na Casa Civil, sob Rui Costa (PT), o PPI tem um Conselho Diretor autônomo, composto e direcionado por outros ministros; suas ações são executadas por qualquer ministério.

É irônico que o PPI fique sob o comando de um ministério do PT, embora faça sentido, em parte, pois a Casa Civil tem papel de coordenação.

O programa foi criado por Michel Temer, em 2016, e serve para ampliar a “interação entre o Estado e a iniciativa privada… para a execução de empreendimentos públicos de infraestrutura e de outras medidas de desestatização”.

Mas é por aí que pode haver algum “planejamento estratégico” e orientação de investimento, por meio de impulsos e garantias para o setor privado.

No mais, Tebet e assessores podem ter papel importante na discussão da nova regra fiscal —o que pode também dar problema. Quem será sua equipe? Seu grupo é o que se apelida de “liberal” ou “ortodoxo”.

Segundo o zunzum, Tebet pode ainda inventar um sistema de avaliação de programas orçamentários (são criados e vivem, por inércia e por interesses menores, sem avaliação de eficácia).

O ministério do Planejamento, no pós-morte do “planejamento estratégico”, se tornou apenas gerente de poucas funções de governo. Faz quase 30 anos, é um anacronismo prático e ideológico. O auge da ideia de planos estratégicos no Brasil foi nos anos 1950. A pasta foi criada em 1962, para abrigar o grande Celso Furtado, seu Plano Trienal e o Conselho de Desenvolvimento. Deu em quase nada.

Na ditadura, foi o responsável pelos grandes planos de desenvolvimento, mistura de política macroeconômica intervencionista, programas colossais de investimento e de reformas. Tudo isso acabou mal, com a ditadura militar, com a hiperinflação e década e meia de desastre econômico; com o declínio do desenvolvimentismo e a contraofensiva liberal.

Além do mais, outras instituições foram criadas para “planejar”, com “p” maiúsculo ou, mais comum, minúsculo. O ministério da Fazenda se tornou preponderante, tanto pela necessidade de estabilizar a economia de um país inflacionário (prioridade para o curto prazo) como pela mudança do pensamento econômico mais geralmente aceito, para o qual o velho planejamento é uma aberração.

Nos anos finais da ditadura, a existência de Planejamento e Fazenda provocava disputas pelo controle da política econômica. Mais por tradição do que por igualdade de forças entre as pastas, essa disputa durou até meados do governo FHC, então algo caricata e irrelevante. O Planejamento não tinha músculo para ser protagonista de nada.

Para crescer e aparecer, Simone Tebet vai ter de inventar seu ministério. (Folha de S. Paulo – 28/12/2022)

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