William Waack: O muro ficou estreito

Lula ainda não decidiu entre velha e nova política externa para seu governo

No domingo, dia 30, Lula tinha acabado de ganhar a eleição, mas era essencial que governos dos países centrais reconhecessem a vitória o mais rápido possível, ajudando a torná-la um fato consumado incontestável. Foi então que o presidente francês ligou.

Passava das duas da manhã de segunda-feira, 31 de outubro, em Paris e era o próprio Macron que estava do outro lado da linha. Mas Lula nem ficou sabendo. Integrantes da velha-guarda do PT, Celso Amorim à frente, controlaram as demandas internacionais pelo presidente eleito. Deram preferência a Cuba, Bolívia e Argentina. E o secretário-geral da ONU recebeu o mesmo tratamento dispensado a Macron, ou seja, ficou para o dia seguinte.

Consta que Lula enfureceu-se ao saber do ocorrido – mas já era tarde para devolver as duas ligações e, de qualquer maneira, havia falado com o presidente americano Joe Biden, num esquema com horário pré-acertado com diplomatas americanos. De lá para cá, Lula ainda não decidiu uma ácida disputa doutrinária sobre os rumos da política externa.

Trata-se de um debate entre duas “escolas” de pensamento num cenário global que se alterou profundamente. E que não combina mais com o “antiamericanismo de grêmio estudantil”, como definem integrantes da equipe de Lula a velha escola dos postulados Sul-Sul.

Se quiser que o Brasil volte ao centro, ouviu Lula, o foco primordial deve ser Washington e Pequim. E não o antigo circuito Buenos Aires-Santiago-La Paz, como foi imediatamente sugerido ao presidente eleito pela desgastada escola de relações internacionais petista. Ressuscitar grêmios como Celac e Unasul não faz mais sentido diante de uma brutal mudança geopolítica representada pela invasão russa da Ucrânia.

Lula teria abandonado a visão inicial do conflito, calcada nos surrados postulados de que, se Putin se opõe aos Estados Unidos, então Putin tem razão e a culpada é a Otan. Por questão de princípio, o Brasil jamais poderia concordar com a invasão de uma outra nação soberana, ainda que tente se equilibrar entre beligerantes.

Ocorre que o espaço para esse equilíbrio foi brutalmente reduzido pela piora da relação entre Estados Unidos e China, de um lado, e pela postura que europeus, de outro, começam a exigir de seus principais parceiros frente à invasão da Ucrânia. O alto do muro ficou estreitinho.

Basta lembrar o que aconteceu com uma decisão de governo petista: a compra de caças suecos para reequipar a FAB, em vez dos F-18 da Boeing. Na época, a Suécia era um país de sólidas credenciais de neutralidade. Hoje está entrando na Otan. (O Estado de S. Paulo – 17/11/2022)

William Waack, jornalista e apresentador do programa WW, da CNN

Leia também

O muro que divide a história das famílias italianas no mundo

O fim da cidadania italiana por descendência como conhecemos:...

Direito à crítica não pode degenerar em ataque pessoal

publicado no site contraponto em 19 de maio de...

Uma nova luta de classes se formando

Uma questão central, hoje, tem que ver com a...

Papa Francisco: uma perda imensurável para o mundo moderno

Confira artigo de Renata Bueno, dirigente do Cidadania, ex-vereadora...

Humanismo e Frente Ampla

Aprendi com a vida o quanto é importante assimilar...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!