Lula pode trazer o entendimento para recuperar a unidade política, social e o desenvolvimento eficiente
Lula está na história do Brasil como o líder sindical de origem pobre, que chega à Presidência e se afirma como um dos grandes presidentes da nossa República. Com sua eleição para o terceiro mandato, ele se transforma no maior sucesso eleitoral entre todos os políticos brasileiros, até hoje e por muitas décadas no futuro. Pode ser também o maior de nossos presidentes ao construir três pontes de que o Brasil carece.
A primeira ponte é para recuperar a unidade política e emocional entre os brasileiros e construir coesão nacional. Estamos divididos regionalmente, religiosamente, racialmente e até na preferência musical. Um país dividido em partes que se rechaçam e até se odeiam. Lula tem o desejo, a responsabilidade e a competência de reunificar o Brasil. Seu discurso na hora da vitória foi no sentido de voltar o diálogo, fazer com que famílias e amigos conversem sobre política e futuro sem rancor e sem distanciamento; que católicos e evangélicos se sintam igualmente cristãos e respeitem judeus, muçulmanos, espíritas, umbandistas, budistas e ateus; que nenhum brasileiro deixe de respeitar a outro por causa de seu gênero ou sua orientação sexual, seu partido político ou o líder de sua preferência; todos solidários na brasilidade e no humanismo.
A segunda ponte é social, entre as partes historicamente apartadas, que sempre dividiram o país entre escravos e libertos, índios e europeus, brancos e negros, sobretudo entre pobres e ricos, no sistema de apartheid social, nossa apartação brasileira. Por suas políticas sociais em favor dos pobres, Lula é chamado de Mandela do Brasil. Ainda mais por ter saído da prisão para ser eleito presidente, sem rancor e com discurso de unidade. Ele é o único brasileiro com condições de ser o condutor da “desapartação”: abolir a segregação social que joga 100 milhões de pessoas na pobreza e aprisiona centenas de milhares em condomínios cercados, deixando outros sem saber de que lado ou em que Brasil viverão seus filhos. Tudo indica que a ponte social virá da escola de qualidade igual para todos.
Nos dois governos anteriores, Lula implantou programas que permitiram aumentar o número de universitários, muitos que antes nem sonhavam com essa chance. Agora, Lula é o único que tem condições de implantar a grande reforma capaz de eliminar o analfabetismo de adultos e garantir que todo brasileiro tenha chance de concluir o ensino médio com qualidade, fazendo um país alfabetizado para a contemporaneidade. Nenhum outro político brasileiro tem liderança para assegurar um sistema escolar com a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da família: não mais escolas senzala e escolas casa grande. A educação de base deve ser uma questão nacional e federal, de responsabilidade do presidente, independentemente do município da criança. A ponte social deve eliminar todos os deficits sociais, fazendo com que nenhum brasileiro seja condenado a sobreviver abaixo de um piso da pobreza. Além do pilar da educação de base, a ponte social requer reajuste do salário mínimo acima da inflação, a retomada do crescimento, um grande programa de emprego para aqueles que a economia formal não absorve, a garantia de água e esgoto em todas as moradias, o financiamento para a construção de casas.
A terceira ponte é em direção ao desenvolvimento eficiente, justo, sustentável, para o Brasil ser uma nação rica, protagonista no mundo, conforme nosso tamanho geográfico, demográfico e econômico. Lula tem vocação, legitimidade e competência para trazer coesão no presente e orientar o rumo ao futuro. Definir as bases necessárias para termos uma economia eficiente, graças à previsibilidade e à confiabilidade que ele mesmo cita como os fundamentos da economia. Para isso, certamente repetirá a responsabilidade fiscal que caracterizou seus dois governos, investirá para aproveitarmos a janela de oportunidade que a crise ecológica oferece, e a grande janela de oportunidade que surgirá de uma população educada para os tempos atuais, com produtividade econômica, capacidade de inovação, competitividade internacional e participação social e política, além de criação cultural. Lula pode trazer o entendimento para um novo tipo de desenvolvimento, onde a superação da pobreza, o fortalecimento da democracia e a conservação da natureza, especialmente a Amazônia, sejam vistos como propósitos. Lula tem o preparo para aproveitar a terceira eleição e construir as três pontes de que o Brasil precisa. (Correio Braziliense – 02/11/2022)
Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)