Segundo turno é outra eleição. Embora a afirmação seja frequente, ela não é exata. Segundos turnos são sempre uma continuação do primeiro, e, apesar de Bolsonaro ter se saído muito melhor do que sugeriam os principais institutos de pesquisa, Lula ainda é o favorito.
O ex-presidente não foi mal. Com 48,43% dos votos válidos, ele ficou a apenas 1,57 ponto percentual mais um sufrágio de liquidar a fatura no domingo. Das eleições presidenciais brasileiras que foram a segundo turno, só em uma delas o desempenho do primeiro colocado na fase inicial foi melhor —e ainda assim milimetricamente. Em 2006, o próprio Lula encerrou o primeiro escrutínio com 48,61% dos votos válidos.
O problema é que a performance de Bolsonaro superou em muito as expectativas baseadas em pesquisas. O atual presidente amealhou 43,2% dos votos válidos, contra estimativas que variavam de 35% a 38%. Ainda assim, Lula ficou 5,23 pontos percentuais à frente de Bolsonaro. Para superar a diferença, Bolsonaro precisaria converter para si mais de 62% dos 8,37 pontos percentuais dados a outros candidatos —isso supondo que Lula não herde nenhum dos votos remanescentes. Não chega a ser uma missão impossível, mas é difícil, especialmente quando se considera que os eleitores remanescentes de Tebet e Ciro, que somam 7,2 pontos, provavelmente tendem mais para Lula que para Bolsonaro — é difícil explicar os resultados sem imaginar que já ocorreu um movimento de voto útil da direita.
Outra possibilidade seria Bolsonaro tirar votos do petista. De novo, não é impossível, mas raro. Desde que fazemos pleitos em dois turnos, a única vez que um dos candidatos teve menos votos no segundo escrutínio do que no primeiro foi também na eleição de 2006, quando Alckmin, o então adversário de Lula e atual vice, perdeu uns 2 milhões de sufrágios.
Bolsonaro goza hoje da vantagem psicológica de ter frustrado as expectativas petistas. Mas, objetivamente, as chances de Lula ainda são melhores. (Folha de S. Paulo – 04/10/2022)