Míriam Leitão: Jefferson é flagrante da farra das armas

O caso Roberto Jefferson jogou um holofote sobre uma parte tenebrosa do governo Bolsonaro. O incentivo a que seus aliados se armem levou o Brasil a uma situação explosiva. Há um milhão de armas nas mãos dos integrantes dos clubes de trio. O total de pessoas nos CACs é mais do que o efetivo de todas as PMs somadas. O arsenal que estava na casa do réu Roberto Jefferson é uma radiografia das falhas sequenciais. Por que o Exército não cassou a licença CAC dele, seguindo suas normas? A Polícia Federal sai do episódio com dois feridos e a reputação atingida. Ela não seguiu seus próprios padrões de segurança e abordagem por causa da interferência política no caso.

O Brasil tinha 120 mil integrantes dos Clubes de Tiros, os CACs no governo Temer, agora tem 700 mil pessoas. Além disso, aumentou muito o número de armas e munições que cada pessoa pode ter. Não são para defesa pessoal. Bolsonaro permitiu o acesso a armas de guerra. Esse submundo da loucura armamentista teve em Roberto Jefferson um exemplo. Ele não poderia ter aquelas armas todas, dos fuzis com mira a laser a granadas, nem poderia sequer ser CAC. Pelas normas da sua regulamentação, o Exército teria que ter cassado a licença de Jefferson. Falhou a polícia que permitiu aquele arsenal e falhou o Exército que não tirou a licença.

O policial federal Roberto Uchoa, da Federação Nacional dos Policiais Federais, pesquisou o assunto para a sua tese de mestrado e escreveu o livro “Armas pra quem?”. Ele alerta para o aumento espantoso das armas dos integrantes desses clubes.

— Há um milhão de armas nas mãos dos CACs. E pelo decreto, que foi suspenso pelo ministro Fachin, se todos os CACs comprassem as armas que cada um podia, o país teria 43 milhões de armas de fogo nas mãos deles. Em algumas permissões uma pessoa pode ter cinco fuzis de cada modelo — disse Uchoa.

— Há um descontrole, uma pulverização de decretos, portarias e normas infralegais baixadas pelo governo Bolsonaro. E o controle de tudo isso é difícil porque há dois sistemas, o Sigma, do Exército, e o Sinarm, da Polícia Federal, e eles não se falam — explica Flávio Werneck, diretor do Sindipol.

Michele dos Ramos, gerente de advocacy do Instituto Igarapé,think tank que estuda o tema da segurança pública no Brasil, explica que o governo Bolsonaro ao mesmo tempo em que facilita o acesso às armas desestimula a fiscalização pelo Exército, a Polícia Federal e outros órgãos de controle.

— De um lado, há o risco do aumento de armas e munições no país. De outro, vemos que o Estado não vem cumprindo a sua responsabilidade de tomar as providências para evitar que esses arsenais caiam nas mãos da criminalidade — disse.

O risco da farra do armamentismo teve um exemplo em pleno domingo. E a mentira atrás da qual se abrigam os que se definem como Caçadores, Colecionadores e Atiradores (CAC). Nenhum dos vários especialistas com quem eu conversei acha que faz sentido isso. Colecionador deveria ser de armas antigas, caçadores num país com caça tão restrita seriam poucos e atiradores da modalidade desportiva também. Essa explosão tem o objetivo de armar os seguidores de Jair Bolsonaro. No caso de Roberto Jefferson já se viu quem foram os primeiros alvos, os delegados e agentes da Polícia Federal.

A Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal soltou nota em que diz que a prisão de Jefferson foi “flagrante por crime hediondo”, que é a tentativa de homicídio qualificado de policiais em serviço. Exigiu que a Polícia Federal esclareça os “protocolos adotados no planejamento, na execução e no gerenciamento da crise”.

O clima dentro da Polícia Federal é de revolta. Os policiais poderiam ter morrido. Os agentes agiram nesse caso constrangidos pela politização do caso, dado que se tratava de um aliado do presidente da República.

Desde ontem está em curso uma operação de separação de corpos entre Bolsonaro e Roberto Jefferson, que é difícil dado o fato de que ele é do bolsonarisno radical, com o qual o presidente se identifica. Tanto que concedeu perdão presidencial a Daniel Silveira, também integrante da mesma falange.

A vinda do ministro da Justiça, Anderson Torres, ao Rio mostrou um tratamento privilegiado a um réu de crime hediondo. O que se fala, na PF, é que pela proteção política dada a Jefferson os padrões da própria PF foram abandonados, e isso colocou em risco de vida os policiais que foram cumprir o mandado judicial. O caso de Roberto Jefferson é um flagrante do crime de armar o país, cometido por Bolsonaro. (O Globo – 25/10/2022)

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