Fernando Exman: Campanha eleitoral na tribuna da ONU

O Brasil sempre abre a Assembleia Geral das Nações Unidas desde que, em 1947, o ex-chanceler Oswaldo Aranha, então chefe da delegação nacional, presidiu a primeira sessão especial da organização. Desta vez, contudo, aliados e adversários já esperavam que suas palavras fossem dirigidas mais para os eleitores brasileiros do que à comunidade internacional. Afinal, poucos dias separavam o aguardado evento da ONU e o primeiro turno da disputa presidencial.

“Abro este debate geral às vésperas de eleições, que vão escolher, no Brasil, o presidente da República, os governos estaduais e grande parte de nosso Poder Legislativo. Essas eleições são a celebração de uma democracia que conquistamos há quase 30 anos, depois de duas décadas de governos ditatoriais. Com ela, muito avançamos também na estabilização econômica do país”, disse logo no início do discurso.

A partir daí, passou a listar realizações de seu governo, entre elas iniciativas de modernização da economia e de apoio à população mais pobre. Contabilizou empregos criados, e destacou que estava ocorrendo um aumento do poder de compra das famílias.

Passando por saúde e educação, retornou para a economia: “Não descuramos da solidez fiscal e da estabilidade monetária e protegemos o Brasil frente à volatilidade externa”. Apontando para o deteriorado cenário econômico internacional, ponderou que, mesmo diante dos desafios impostos pela crise recente, o Brasil conseguiu evitar o aumento do desemprego, a redução de salários, a perda de direitos sociais e a paralisia do investimento. Abordou, também, o esforço para combater a inflação. “Nos consolidamos como um dos principais destinos de investimentos externos. Retomamos o investimento em infraestrutura numa forte parceria com o setor privado. Todos esses ganhos estão ocorrendo em ambiente de solidez fiscal.”

A despeito das críticas ao Brasil, não ignorou a questão ambiental. “Destaco, nesse contexto, a necessidade de estabelecer um mecanismo para o desenvolvimento, transferência e disseminação de tecnologias limpas, ambientalmente sustentáveis.”

Horas depois, em entrevista a jornalistas, teve que explicar o motivo de o Brasil não ter assinado a “Declaração de Nova York sobre Florestas” – documento apresentado durante a Cúpula do Clima com o objetivo de combater o desmatamento. Alegou que não se tratava de uma proposta da ONU, mas sim de países desenvolvidos que não haviam consultado o Brasil sobre o teor do texto antes de apresentá-lo.

E ainda precisou responder se havia ido à Assembleia Geral da ONU como representante do Brasil ou postulante ao Palácio do Planalto. “Sugiro que vocês olhem os meus quatro discursos. Os meus quatro discursos são muito parecidos no que se refere a eu falar sobre uma questão fundamental – eu falar que o Brasil reduziu a desigualdade, aumentou a renda, ampliou o emprego, em todos os discursos. Em todos eles”, rebateu.

Tudo isso poderia fazer parte de um futuro relato da viagem que o presidente Jair Bolsonaro fará na semana que vem a Nova York, onde, seguindo a tradição, abrirá os trabalhos da próxima Assembleia Geral da ONU. No entanto, aconteceu em setembro de 2014, quando era a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) quem disputava a reeleição.

À época, a petista também foi acusada de aproveitar uma viagem oficial para fazer campanha. Era um período em que a “Lei de Dilma”, aquela segundo a qual se faz o diabo para ganhar uma eleição, estava em plena vigência. E situação semelhante se vê hoje em dia, com o atual governo abrindo os cofres e forçando os Estados a fazerem o mesmo em benefício da campanha à reeleição de Bolsonaro.

Espera-se, para a semana que vem, comportamento semelhante do representante do Brasil na tribuna da ONU. O que pode ter mudado é a disposição das candidaturas oposicionistas – e de setores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – para tentar impedir que o chefe do Executivo se aproveite mais uma vez da estrutura governamental para fazer campanha.

Faixa presidencial

Bolsonaro falou na segunda-feira que, em caso de derrota, irá “passar a faixa” e se recolher. Deve-se lamentar pelo país onde uma declaração dessas causa alguma surpresa positiva. Porém, o fato é que, até agora, a aposta corrente na Esplanada dos Ministérios era que a missão de passar a faixa presidencial ficasse para o vice Hamilton Mourão ou algum dos integrantes seguintes da linha sucessória.

Ainda sobre a posse de Rosa

Relatora do processo que questiona a legalidade do chamado “orçamento secreto”, a nova presidente do STF também se dirigiu ao Legislativo em seu primeiro discurso à frente da Corte. Disse Rosa Weber na segunda-feira, citando Rui Barbosa: “O Supremo Tribunal Federal é esta instituição criada sobretudo para servir de dique, de barreira e de freio às maiorias parlamentares”. Os presidentes da Câmara e do Senado, assim como os articuladores políticos do Executivo, prestigiavam a solenidade.

No entanto, foi um outro trecho do discurso da ministra que gerou “climão”. Rosa envolveu-se em antiga polêmica ao mencionar um trecho do hino do Rio Grande do Sul, segundo o qual “não basta para ser livre ser forte, aguerrido e bravo. Povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. Logo na sequência, ela justificou: “E virtude, entenda-se, digo eu, como disposição firme e constante para a prática do bem, com excelência de conduta, informada pelos valores ‘justiça, prudência, fortaleza e esperança’, e em conformidade com o lema ‘liberdade, igualdade e humanidade’, também inscrito na bandeira do Rio Grande do Sul”. Essa parte do hino rio-grandense é objeto de severas críticas do movimento negro. (Valor Econômico – 14/09/2022)

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