Marcelo Godoy: Os generais e a carta democrática

Ao escrever Sobre o Conceito de História, Walter Benjamin concluiu que a verdadeira imagem do passado escapa rápido. E viu no anjo da tela Angelus Novus, de Paul Klee, a história, que avança para o futuro com o rosto para trás, sem se poder deter para despertar os mortos e reunir o despedaçado, pois uma tempestade a impulsiona para frente.

Em nossos dias, o anjo de Klee olha para o governo Bolsonaro e os militares. E nos pergunta: por que nenhum general assinou o manifesto Estado de Direito Sempre!, reedição da Carta aos Brasileiros de 1977? Só um entre dez deles da reserva indagados pela coluna disse ter sido consultado. O general esteve no governo Bolsonaro, de quem hoje é crítico. Mas se negou a assinar o texto, apesar de concordar com o movimento. E o fez por duas razões: expressa opiniões publicamente e as considera alinhadas à carta. Acredita que o documento traz um ranço pretérito, quando seria necessário olhar para o futuro. Defensor para as Forças Armadas da obediência ao poder civil, ele disse que este, em nosso País, ainda falha muito nesse campo.

Outros generais concordaram com a carta. “É uma reação ao ambiente ruim de falta de respeito institucional e pessoal que estamos vivendo. É um chamamento para que todas as disputas sejam feitas de maneira respeitosa, dentro da lei e dos princípios democráticos, como tem de ser”, disse Santos Cruz. Para ele, a iniciativa mobiliza forças para proteger a democracia. O brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla afirmou: “Trata-se de reafirmar a confiança no processo eleitoral. Assim, reitero minha confiança de sempre”.

A República sempre foi sacudida por manifestos militares, desde o testamento de Floriano Peixoto. Após a redemocratização, eles sumiram em obediência ao poder civil. Quem precisa revivê-los é Bolsonaro. Insatisfeito por levar para seu palanque apenas o então general da ativa Eduardo Pazuello, ele quer agora fazer desfilar a guarnição do Rio em um comício eleitoral no 7 de Setembro. Vilipendiam-se a Nação e as Forças Armadas quando a festa da Independência é usurpada pelo candidato.

Ao escrever sobre Benjamin, Hannah Arendt o qualificou como “pescador de pérolas”, dotado de algo raro: pensar poeticamente. Foi em 1940, no exílio francês, que Benjamin fez suas teses sobre a história. “O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador, convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.” Ainda hoje o anjo de Klee olha para trás. É a tempestade que o leva para o futuro, enquanto o bolsonarismo procura aumentar a pilha de escombros rumo ao céu. (O Estado de S. Paulo – 03/08/2022)

Marcelo Godoy, repórter especial

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