Míriam Leitão: Governo autoriza violência política

O presidente Jair Bolsonaro estimula e autoriza a violência política. Esse é o resumo de três anos e meio de governo, de tudo o que ele fez e disse, de tudo o que declarou antes de ser presidente. Ele acredita na violência para vencer o adversário político. “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”, disse, usando um tripé como se fosse um fuzil. Em pelo menos cinco vezes estimulou crianças a gostarem de armas. Em agosto do ano passado, disse que “todo mundo tem que comprar fuzil, pô”. Em maio deste ano, em outra louvação às armas, ele foi além: “Não interessa os meios que porventura tenhamos que usar”. Na reunião ministerial de abril de 2020, quando o país queria proteção contra a pandemia, Bolsonaro mandou “escancarar a questão do armamento”.

As frases são tão abundantes quanto os atos em que Bolsonaro aumentou as possibilidades de posse e de porte de armas, reduziu impostos para baratear a compra, permitiu o acesso a vários tipos de artefatos que aumentam a letalidade, reduziu o poder de fiscalização do Exército sobre armamentos. Portanto, não há qualquer tipo de comparação possível entre a intolerância do PT, da qual sou bem testemunha, e a do governo Bolsonaro, que tem usado a estrutura do Estado para seus intuitos.

Depois do assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda pelo policial penal Jorge Guaranho, Bolsonaro não teve uma palavra de consolo para a família e ainda fez acusações à esquerda que, neste caso, é vítima. Durante as últimas 24 horas, Bolsonaro usou sua técnica de confundir e atacar.

Numa postagem feita ontem em uma rede social, Bolsonaro comentou uma nota na qual escrevi, e repito aqui, que ele estimula a violência. “Será que o segredo para ganhar sua simpatia é aplaudir ataques violentos ao invés de rejeitar esse tipo de apoio como eu fiz?” Não. Jamais terá minha simpatia quem estimula ou aplaude a violência e a violência política. Não, Bolsonaro não condenou a violência, apenas usou truques para se desvencilhar do assassinato. Em seguida, ele me cobra pelo fato de o ex-presidente Lula ter elogiado o vereador do PT que empurrou um opositor, o que o levou a ter traumatismo craniano. A declaração de Lula, abonando esse comportamento do seu seguidor, é deplorável. Já fui alvo da hostilidade do PT, e sempre critiquei os erros do partido. Mas é preciso não se deixar confundir: Bolsonaro tem usado o aparato do Estado para estimular o conflito entre brasileiros.

— Eu peço que vocês cada vez mais se interessem por esse assunto, se precisar iremos à guerra — disse Bolsonaro, ao lado do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, no dia 3 de junho em Umuarama, Paraná.

Referia-se a não deixar a esquerda vencer, e, ao lado do general, fez a defesa do conflito armado entre brasileiros. Disse que a necessidade de lutar não era apenas dos militares.

Essa referência à guerra é sempre repetida no discurso dele:

— Com flores não se ganha a guerra não pessoal. Quando se fala em armamento, quem quer paz, prepare-se para a guerra.

Em pelo menos três vezes diferentes Bolsonaro falou em enviar opositores para a “ponta da praia”, numa referência a um local de extermínio de opositores do regime militar. São abundantes seus elogios à tortura e aos métodos da ditadura militar de eliminar adversários. O erro, segundo ele, foi a ditadura ter matado pouco.

Perguntado sobre o assassinato de Marcelo Arruda, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, disse “vamos fechar esse caixão”. O risco é o de que haja outros caixões, porque o que ocorreu em Foz do Iguaçu foi plantado por atos e palavras.

Em dezembro de 2020, quando o Brasil precisava de vacinas, o governo eliminou os impostos de importação de pistolas e revólveres. Desde que assumiu o cargo, Bolsonaro já assinou mais de 20 atos que facilitam a compra e a posse de armas. Aumentou a quantidade de munição que pode ser comprada pelos atiradores e derrubou instruções normativas que davam ao Exército poderes no rastreamento de armas e munições. Só não foi pior porque a Justiça tem suspendido a validade de alguns desses decretos.

Em 82 dias o país irá às urnas. Bolsonaro está em enorme desvantagem, no seu tempo de governo plantou a dúvida contra o processo eleitoral, estimulou seus seguidores a se armarem para uma “guerra”. Esse é o centro da questão. Esse é o risco que o país vive. (O Globo – 12/07/2022)

Leia também

Lula rouba a cena e faz do 1º de Maio um palanque eleitoral

NAS ENTRELINHASAs centrais sindicais nem se deram conta dos...

O padrão a ser buscado

É preciso ampliar e replicar o sucesso das escolas...

Parados no tempo

Não avançaremos se a lógica política continuar a ser...

Vamos valorizar a sociedade civil

Os recentes cortes promovidos pelo Governo Federal, atingindo em...

Petrobrás na contramão do futuro do planeta

Na contramão do compromisso firmado pelo Brasil na COP...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!