Rogério Baptistini: Em defesa das mulheres, contra o preconceito e violência

A existência de uma data, designada pela Organização das Nações Unidas (ONU), dedicada a lembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, não é pouca coisa. Na memória coletiva, o 8 de março está associado ao incêndio que vitimou centenas de operárias na fábrica da Tringle Shirtwaist, nos Estados Unidos, durante o período de organização sindical dos trabalhadores de confecções, em 1911. Mas, na verdade, o Dia Internacional das Mulheres remete às lutas das mulheres trabalhadoras pelo reconhecimento social e político, pelo direito ao voto e pelo trabalho digno, movimento que teve início no século XIX, durante a segunda revolução industrial na Europa.

A luta pelos direitos das mulheres atravessou o século XX e conduziu, nos Estados Unidos, em 1920, à proibição à restrição do sufrágio feminino. O mesmo, entretanto, não se estendeu às mulheres negras, excluídas assim como os seus companheiros. No Brasil, o voto feminino foi permitido a partir de 1932, menos para a imensa maioria de analfabetas. Na Suíça, apesar da resistência, o sufrágio feminino foi conquistado em 1971.

Interessante observar que ao longo do século XX muita coisa mudou em relação às mulheres. A formação de vigorosas classes médias nas economias de mercado, decorrente do avanço do capitalismo, as lançou na vida pública, como trabalhadoras e como consumidoras. A autonomia conquistada, em que pese a resistência dos interesses investidos temerosos de perder posições com a mudança social, produziu uma verdadeira revolução nos costumes e na organização das instituições básicas da vida, como a família, por exemplo. Contudo, não atingimos a equidade de posições e estamos longe disso.

Infelizmente, na maioria das situações, as mulheres continuam a ser tratadas como “mulheres” e não como seres com as mesmas condições e possibilidades de desenvolvimento que os seus companheiros humanos. A objetivação dos seus corpos é apenas um exemplo; a defesa da família, com papéis tradicionais atribuídos ao gênero, outro.

No Brasil, em que quase metade dos domicílios é sustentado por mulheres, conforme levantamento da Consultoria IDados com base em informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), soa como escárnio a defesa, por um membro do governo, da submissão da mulher ao marido[1]. Igualmente chocante é outro membro do mesmo governo, em vídeo no Youtube, definir a mulher como mais eficiente fora do mercado de trabalho[2]. De fato, o que começa mal, com a eleição de alguém que ameaça uma mulher com a possibilidade de estupro, não pode evoluir bem[3].

O atraso de nossa situação está refletido nos dados do Painel Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Entre 2020 e 2021, os números anunciam que triplicou a violência contra a mulher, com os registros saltando de 271.392 para 823.127 casos, considerados feminicídios, estupros e agressões físicas. Não é mera coincidência que o fenômeno ocorra durante um período cuja liderança política do país demonstra absoluto desprezo pelas questões civilizatórias básicas, tratando direitos humanos e sociais como coisa menor, enquanto relega a mulher, sobretudo a pobre e trabalhadora, à própria sorte.

Alcançar a igualdade de gênero é meta do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 da ONU. As lideranças nas organizações empresariais, para além dos resultados econômicos e financeiros de curto prazo, são chamadas a assumir um firme compromisso com as mulheres e com a humanidade inteira no longo prazo. Para começar, basta não aceitar o discurso que explora o preconceito e estimula ódio, venha de onde vier. É a primeira medida, que precede todas as demais. (Boletim de junho da Will – Women in Leadership inLatin America)

Rogério Baptistini, sociólogo

[1] Damares: “Mulher deve ser submissa ao homem no casamento”. In: Metrópoles.com: Damares: “Mulher deve ser submissa ao homem no casamento” (metropoles.com) . Acesso em 30 de maio de 2022.

[2] Licença-maternidade ‘criminosa’ e Hitler de esquerda: as falas de Sachsida. In uol.com.br: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/05/12/licenca-maternidade-criminosa-e-hitler-de-esquerda-as-falas-de-sachsida.htm . Acesso em 30 de maio de 2022.

[3] Bolsonaro diz que não estupra deputada porque ela não merece. In: Exame.com: Bolsonaro diz que não estupra deputada porque ela não merece | Exame . Acesso em 30 de maio de 2022.

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