Cristina Serra: Pauta-bomba na Câmara para a mata atlântica

Deter a pilhagem ecológica secular não é pauta exclusiva de ambientalistas

Tom Jobim dizia que “a coisa mais bonita” que já vira era a mata atlântica e que sua obra fora inspirada pelo esplendor de vida de bichos e plantas. Num tempo em que poucos sabiam o que era ecologia, Tom já falava da urgência de conter o desmatamento e de “plantar floresta”.

Imagino a tristeza do Tom se soubesse que hoje ocorre exatamente o contrário. O monitoramento feito pela SOS Mata Atlântica e pelo Inpe revelou um alarmante aumento de 66% na derrubada da floresta em 2021 (sobre 2020).

Tesouro de extraordinária biodiversidade, a mata atlântica é um dos biomas mais ameaçados do planeta, tendo apenas 12% da floresta original preservada. O desmatamento atual deve-se principalmente à agropecuária e à especulação imobiliária. Pressões favorecidas pelo estímulo permanente do vândalo do Planalto ao crime ambiental.

Uma pauta-bomba na Comissão de Meio Ambiente da Câmara agrava ainda mais o cerco ao bioma e preocupa a Rede de Ongs da Mata Atlântica. Um dos projetos pretende esquartejar a Lei da Mata Atlântica, de 2006. Se for aprovado, os campos de altitude perdem a proteção legal. Mesmo risco que correm as faixas mais sensíveis das restingas litorâneas, hoje com status de áreas de preservação permanente.

Outro projeto libera a “caça esportiva”, uma sentença de morte para a nossa fauna. Há ainda proposta que inviabiliza a criação de novas unidades de conservação e facilita o desmonte das que já existem. Outra flexibiliza o licenciamento para lavra de minerais usados na construção civil.

No Senado, a “boiada” lança mais uma ofensiva para tentar reabrir a Estrada do Colono e rasgar o Parque Nacional do Iguaçu, declarado Patrimônio Mundial Natural pela Unesco.

A mata atlântica produz água onde vivem 70% dos brasileiros. Isso mesmo, a fúria da bancada do “correntão” não se importa sequer com a água que bebemos. Deter a lógica da pilhagem ecológica secular não é pauta exclusiva de ambientalistas, mas de cada cidadão. (Folha de S. Paulo – 31/05/2022)

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