As pesquisas eleitorais retratam o momento. São fotografias, dizem, mas podem ser vistas também como tendência. Há meses, o retrato e a tendência têm sido os mesmos, com pequenas variações: Lula e Bolsonaro bastante à frente dos outros postulantes. Até o momento, o que vem definindo o quadro é mais a política do que o marketing eleitoral. E, por política entende-se não apenas o movimento para agregação de apoios, o que é importante, mas fundamentalmente o sentido e a perspectiva que os pré-candidatos expressam. Ambos muitas vezes não conseguem ser medidos pelas pesquisas, o que complica a dança dos números.
O fato político que mais chamou a atenção nos últimos dias não foi a indicação de Simone Tebet como pré-candidata do MDB/Cidadania, mas a perda da pré-candidatura de João Doria pelo PSDB, em aliança com esses mesmos partidos. Com o afastamento de João Doria pelo próprio partido – e foi precisamente isso o que aconteceu – não há mais entre os pré-candidatos da chamada “terceira via” (ou quaisquer outros) a menor possibilidade de se construir, em tempo hábil, uma candidatura que consiga agregar em torno de si uma robusta expectativa de poder.
Josias de Souza, comentarista político do UOL, deu a chave para o entendimento do lançamento de Simone Tebet. Diz ele: “a presença de um contraponto feminino (…) faz bem à democracia. O Brasil não termina em 2022. Ainda que Simone não tenha condições de vencer a eleição, é útil que o brasileiro conheça pessoas que possam se apresentar como alternativas para o futuro”. Pode-se deduzir que, para o analista, a candidatura Tebet jogará o papel, por assim dizer, de “café com leite” das antigas brincadeiras infantis. Por óbvio, a “utilidade” de qualquer candidatura presidencial é, antes de tudo, ser capaz de vencer as eleições e para isso, desde já, se mostre como uma expectativa real de poder.
A pré-candidata a presidente da República do MDB/Cidadania não parece ter condições de se mostrar como tal. Os dirigentes de ambos partidos aceitaram e seguiram a fronda que a atual direção do PSDB orquestrou contra Doria, o único que, confrontando abertamente Bolsonaro, evidenciava a possibilidade de construir tal expectativa de poder, especialmente em função de sua gestão como governador de São Paulo durante a pandemia. Em sua primeira aparição como pré-candidata do Centro Democrático – expressão que, ao que parece, passa a ser usada no lugar de “terceira via” – Tebet foi dos velhos chavões de unidade das forças políticas – e isso vindo de um partido como o MDB que, como sabemos, é um “primor” em unidade quando se trata de eleição presidencial – a um arremedo de “feminismo”: “mulher vota em mulher”, disse ela. Uma bravata que contradita a máxima do movimento de que, dentre todas as coisas da vida, “mulher vota em quem ela quiser”!
Ao que parece, a pré-candidata do Centro Democrático não tem propriamente muito mais coisa a dizer. A favor de Tebet deve-se registrar que ela não parece ser uma candidata de si mesma. Entretanto, fica cada vez mais evidente que a sua é uma candidatura instrumental que visa apenas eleger e reeleger deputados federais e eventualmente senadores e governadores. À primeira vista, ficou a impressão de que, com Tebet, o Centro Democrático não ousou apresentar ao país uma candidatura capaz de propor alternativas substantivas diante da polarização, com propostas inovadoras para o futuro do país. Trata-se de uma candidatura voltada para a obtenção de algum êxito nas eleições parlamentares, mas longe da ambição de conquistar a presidência da República.
Enfim, é a isso que chegamos! Entre a “política dos cidadãos”, que expressaria a defesa de interesses maiores, e a “política dos políticos”, que expressa apenas o cálculo no jogo eleitoral, não se alcançou uma relação ajustada e positiva. Ator decisivo na imposição dessa estratégia, a atual direção do PSDB, dividida entre Tebet ou um candidato próprio, gira no vazio e demonstra não estar preocupada em formular uma agenda para o futuro do país e tampouco mostra vontade e capacidade de falar ao desamparo da população diante da selvageria de Bolsonaro. Combatendo diuturnamente a postulação de Doria – que demonstrava, pela experiência de São Paulo, a potencialidade de resgate da ideia de Mario Covas de que o país precisa de um “choque de capitalismo”, com proteção social –, o que o isolou e afastou apoios, o PSDB, na prática, se recusou a pensar o novo para a socialdemocracia brasileira e hoje caminha para perder a função nacional que possuía, correndo o risco de desaparecer enquanto força política relevante no país.
Para aqueles que acreditavam numa “frente democrática” ou numa “frente ampla” – formulações envelhecidas que tiveram importância e audiência no passado –, não resta outra coisa senão admitir que não ancoraram em lugar nenhum. Diante da polarização irrefreável, há que se salvar a democracia mesmo sem que se tenha, de fato, uma candidatura para valer. Qualquer voto vale contra Bolsonaro. (Horizontes Democráticos – 29/05/2022 https://horizontesdemocraticos.com.br/e-aqui-chegamos/)