Marcus André Melo: O que explica a recuperação da popularidade de Bolsonaro?

A recuperação da popularidade de Bolsonaro deve-se a vários fatores, mas do ponto de vista do conhecimento acumulado da ciência política sobre o assunto, ela já seria em larga medida esperada. O ciclo da popularidade presidencial é conhecido: lua de mel no início do mandato; seguida de declínio nas taxas de aprovação; e finalmente elevação seis meses antes das novas eleições.

Identificado de forma rigorosa há pelo menos 50 anos para os EUA, só recentemente o padrão foi analisado para a América Latina. Carlyn e coautores (2018) utilizaram informação trimestral oriunda de 346 pesquisas de opinião e dados para 140 presidentes, de 1980 a 2014. O modelo de séries temporais controla pela taxa de crescimento do PIB e inflação, fatores que também afetam a popularidade presidencial.

O padrão é válido e ainda mais pronunciado na região do que nos EUA; no período de lua de mel, na média, a popularidade é 6,5% superior à linha de base, enquanto no último semestre do mandato é 5% menor. O padrão em Chile, Costa Rica, Panamá e Argentina é muito similar ao dos EUA. No Brasil ele também foi identificado com pequenas variações: de Sarney a Dilma, a popularidade presidencial sobe no último semestre antes das eleições (salvo o governo de FHC 2), o que também ocorreu com o governo Lula 2.

Neste caso, porém, não houve reversão, mas manutenção da tendência de alta.

Assim, independentemente do comportamento da economia, a queda de popularidade apresenta uma reversão, o que se explica pelo “efeito incumbência”: o amplo espaço para a manipulação política da máquina e das políticas públicas no ano eleitoral.

Este fator tem efeito mitigador sobre tendências de queda na popularidade devido a choques adversos, como guerras e pandemias, ou escândalos. Na sua ausência, seus impactos poderiam ser ainda maiores.
Bolsonaro esteve próximo de atingir níveis irreversíveis de popularidade em janeiro, como efeito da inflação de alimentos e energia, em quadro de ampla rejeição. Se a popularidade caísse abaixo dos 20%, poderia ser deflagrado um efeito manada na sua base parlamentar, afetando sua competitividade.

A reversão ocorrida deve-se a fatores claros na pesquisa Genial/Quaest recente: o Auxílio Brasil e a perspectiva de saída de Moro e Doria da campanha.

É temerário atribuir a recuperação de Bolsonaro à recente movimentação pública bizarra de Lula. Mas se ainda não teve tempo de afetar a massa da opinião pública, ela certamente deflagrou enorme reação nos formadores de opinião e redes em geral.

Popularidade não implica voto, que é uma escolha estratégica. O eleitor votará em quem não aprova para evitar quem rejeita mais. (Folha de S. Paulo – 11/04/2022)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

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