Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro levou a melhor em troca de partidos

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

O jurista Norberto Bobbio dizia que os governos, mesmo os “maus governos”, são a forma mais concentrada de poder, porque arrecadam, normatizam e coagem. Por isso, não se deve subestimar sua capacidade de agregação de forças políticas e sociais, atender interesses e cooptar apoios.

Nas democracias, o “autogoverno do povo” é um mito, mesmo nas revoluções clássicas (inglesa, francesa, americana e russa). No Brasil, todas as “revoluções” vitoriosas foram golpes de Estado bem-sucedidos — incluindo a Revolução de 1930, que inaugurou a nossa “modernização conservadora”.

Entretanto, com a urna eletrônica e as eleições diretas para os cargos do Executivo — presidente da República, governadores e prefeitos —, o protagonismo popular é absoluto no momento do voto. Mesmo durante o regime militar, sem eleições diretas para presidente, governadores e prefeitos das capitais, o voto popular foi decisivo para a derrota daquela ditadura. Vem daí o imponderável nas eleições brasileiras, que alterna o imprevisível (vitórias de Collor de Mello, em 1982; Fernando Henrique Cardoso, em 1994; Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002; e Jair Bolsonaro, em 2018) e o previsível (a reeleição de FHC, em 1998, e de Lula, em 2006). A eleição de Dilma Rousseff, em 2010, e sua reeleição, em 2014, estavam no terreno da previsibilidade.

Voltando à teoria dos governos de Bobbio, quem governa é sempre uma minoria ou alguns grupos minoritários em concorrência entre si, que tomam decisões que atingem a todos. As classes políticas “se impõem” ou “se propõem”. Minorias organizadas e resolutas acabam controlando o poder e suas decisões. Hoje, vivemos uma contradição entre o chamado “espírito das leis” — ou seja, a ideia de que somos uma democracia ampliada e regulada pela Constituição de 1988 — e a forma como Bolsonaro governa.

De viés bonapartista, o atual presidente nunca fez a menor questão de governar para a toda a sociedade. Governa para os seus, como a bíblica recomendação a Matheus. Os exemplos estão em toda parte, com destaque à educação, à cultura, ao meio ambiente e à segurança pública.

Quando desmobilizou sua tropa de assalto, a extrema-direita que embalou sua campanha eleitoral, ancorou sua capacidade de governança na forte presença de militares na administração e, para garantir a governabilidade, entregou o Orçamento da União e uma parte do governo aos políticos do Centrão. Aos trancos e barrancos, até agora isso deu certo. O único momento em que fracassou foi durante a pandemia de covid-19.

Quem ganhou e quem perdeu

Entretanto, Bolsonaro foi obrigado a recuar de seus propósitos autoritários toda vez em que ameaçou atravessar a Praça dos Três Poderes, principalmente em direção ao Supremo Tribunal Federal (STF). Esbarrou na resistência dos ministros da Corte, que sempre se uniram nesses casos, e na ampla mobilização da sociedade civil, que vai além dos partidos de oposição. Existe uma distância entre as ideias autoritárias do atual presidente, reiteradas no último dia 31, ao defender o regime militar, e sua capacidade efetiva de pô-las em prática, imposta pela atuação das forças democráticas.

Mas isso não significa que tenha desistido. Seu projeto político é uma “democracia iliberal”, sem programa de governo, a não ser a supremacia do Executivo e um mal desenhado “Brasil grande”, pois ignora os problemas reais e as verdadeiras prioridades da população. Entretanto, esse projeto não será derrotado por antecipação.

O troca-troca de partidos durante a janela partidária mostra que Bolsonaro recuperou expectativa de poder e plena viabilidade eleitoral. Com sua filiação ao PL, a legenda saltou de 43 para 75 deputados; o PP, do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI), de 42 para 59; o Republicanos, do deputado Marcos Pereira (SP), ligado ao bispo Edir Macedo, saltou de 31 para 46 deputados. Os partidos do Centrão podem até abandoná-lo, se perder a eleição e, por ora, não é o caso.

Lula continua sendo o favorito nas pesquisas de opinião, mas a distância para Bolsonaro encurtou. Na federação que o apoia, a bancada do PT na Câmara passou de 53 a 55 deputados e a do PV, de quatro para três. A do PCdoB foi outra que caiu — de oito para sete. O PSB, mesmo filiando Geraldo Alckmin, que será seu vice, passou de 30 para 21 deputados.

Os partidos da chamada “terceira via” também sofreram baixas:; o PDT de Ciro Gomes, encolheu de 25 para 19 deputados; o PSDB, de João Doria e Eduardo Leite, de 31 para 25, compensados pela federação com o Cidadania, cuja bancada caiu de oito para seis deputados; o MDB, de Simone Tebet, de 34 para 33 deputados. O Podemos teve a bancada reduzida de 11 para nove deputados, além de perder Sergio Moro para a União Brasil, que teve as maiores perdas: dos 81 deputados da fusão entre PSL e DEM, restaram 45. Esses números refletem as dificuldades para romper a polarização Lula x Bolsonaro. (Correio Braziliense – 03/04/2022)

Leia também

Lula rouba a cena e faz do 1º de Maio um palanque eleitoral

NAS ENTRELINHASAs centrais sindicais nem se deram conta dos...

O padrão a ser buscado

É preciso ampliar e replicar o sucesso das escolas...

Parados no tempo

Não avançaremos se a lógica política continuar a ser...

Vamos valorizar a sociedade civil

Os recentes cortes promovidos pelo Governo Federal, atingindo em...

Petrobrás na contramão do futuro do planeta

Na contramão do compromisso firmado pelo Brasil na COP...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!