Editorial do Estadão: A guilhotina populista

Certo e errado, competência e incompetência, interesse nacional e interesse de alguns fazem pouca ou nenhuma diferença quando se trata de servir ao presidente Jair Bolsonaro. Em qualquer caso, cabeças podem cair. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi demitido, a contragosto do presidente, depois de ter feito uma coisa errada: aceitou um gabinete paralelo, facilitando a bandalheira de dois pastores malandros. Já o presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, perderá o posto por ter feito a coisa certa: comandou com critérios empresariais uma companhia com acionistas no Brasil e no exterior. Diferentes na competência, no estilo de trabalho e na atenção às funções, coincidiram, no entanto, num ponto essencial: contrariaram o projeto de poder de seu chefe, um presidente empenhado na reeleição e, portanto, na preservação das condições políticas, jurídicas e pessoais associadas à Presidência.

Até o escândalo do tal gabinete paralelo, o ministro Milton Ribeiro foi sempre apoiado pelo presidente Bolsonaro. Como seu chefe, nunca levou a sério os mandamentos da boa administração nem respeitou os critérios de impessoalidade e de laicidade da função pública. Errou por omissão e por ação, mostrando-se incapaz de entender as funções da escola, de atividades como o Enem e da política educacional. Teve uma gestão desastrosa, como seus antecessores, e foi fiel aos padrões bolsonarianos, contrários à educação, à cultura e à ciência. Violou até as fronteiras do decoro e do ridículo, ao admitir a impressão de Bíblias com sua foto.

O ministro só perdeu o conforto e a segurança quando o Estadão, recentemente, revelou o gabinete paralelo. Em poucos dias, histórias chocantes foram publicadas pelos meios de comunicação, com gravações de falas indecorosas e testemunhos de prefeitos achacados por pastores ligados, informalmente, ao Planalto e ao Ministério da Educação. Sem poder negar o escândalo nem sua ligação com os vendedores de facilidades, o presidente Bolsonaro tratou de conter os danos e afastou o ministro, já condenado por grupos evangélicos ligados à política bolsonariana.

O presidente da República aproveitou a ocasião para afastar o chefe da Petrobras. Seria mais fácil, supostamente, porque as atenções estariam ocupadas também com a demissão do ministro Milton Ribeiro. Ao propor a substituição do general Joaquim Silva e Luna, o presidente Bolsonaro daria satisfação, talvez, aos descontentes com os preços dos combustíveis.

Outro político poderia gastar algum tempo explicando as condições do mercado internacional, os efeitos da guerra na Ucrânia e as limitações de uma empresa como a Petrobras. Não seria, no entanto, o caso de um populista pouco interessado em questões administrativas e, além disso, conhecido por suas tentativas de intervir na estatal. Com a demissão já anunciada, o presidente da Petrobras ainda apontaria, num pronunciamento público, duas limitações da empresa: não lhe cabe fazer política pública nem, “menos ainda”, política partidária.

Ao indicar para o comando da Petrobras o economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Bolsonaro envia ao mercado, aparentemente, um recado tranquilizador. Já havia buscado entendimento com os generais apoiadores de Silva e Luna, ao discutir com eles, previamente, a demissão do presidente da estatal. Pires é respeitado como conhecedor do setor de energia e como defensor de políticas pró-mercado. Mas é cedo para falar sobre sua disposição de manter preços alinhados com o mercado internacional e de cuidar dos interesses dos acionistas. É cedo, também, para especular sobre uma possível defesa de subsídios aos consumidores, assunto complicado, em princípio, por envolver a equipe econômica.

Mas um ponto é certo. Não haverá um novo Bolsonaro. O presidente será o mesmo político populista e autoritário responsável pelo afastamento de Joaquim Silva e Luna, o mesmo explorador da religiosidade envolvido na escolha do pastor Milton Ribeiro, o mesmo candidato ligado ao Centrão e indiferente à boa administração. (O Estado de S. Paulo – 30/03/2022)

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