Carlos Andreazza: Menos tetas, mais leite

Este GLOBO noticiou que partidos políticos têm menos cargos diretos na administração federal que em governos passados. O Centrão maneja menos tetas na máquina do que manobravam as legendas que sustentaram os governos de Dilma Rousseff e Michel Temer.

Diga-se que ter menos tetas para mamar não significará menos leite na boca. São, sim, menos tetas. Nunca foi tão farto o leite. Chegaremos lá.

Aos dados. Levantamento feito pelos pesquisadores Sérgio Praça e Karine Belarmino informa que, de quase 4 mil indicados a altos postos comissionados em dezembro de 2021, apenas 9% seriam vinculados a algum partido. Em 2015, sob Dilma, eram 25%. Com Temer, entre 20,5% e 23% (2016 a 2018).

Teria acabado a mamata? Hum. E a cota dos militares, naturalmente sem partido, nessa distribuição de cadeiras? Cargos continuam a ser ofertados a aliados, certo? Apenas não mais tanto a filiados a partidos, né? Chegaremos lá também.

Antes, outra pergunta: o que é o Centrão? Conforme ora difundido pelo senso comum, o que é?

Um grupo robusto de parlamentares, sobretudo deputados, submetido à liderança do trio Ciro Nogueira/Arthur Lira/Valdemar Costa Neto e capaz de decidir o destino de votações. Um grupo patrimonialista que se mobiliza por espaços do Estado na forma de recursos públicos para aplicação em áreas de influência. Um grupo que se articula sob acesso privilegiado a emendas, a dinheiros para apadrinhar na ponta e fazer girar o motor do poder local. Um grupo que se move pelos milhões em emendas parlamentares que lhes são discricionariamente carimbados; não necessariamente por cargos.

O lance é a grana.

O Centrão: Ciro Nogueira, Arthur Lira e Valdemar Costa Neto. Eles detêm cargos. Mas nem precisariam. Têm a chave do Tesouro. Cuidam das partilhas. Esse é o novo arranjo. São sócios num governo que também deve aquinhoar os associados militares. Há para todos, segundo a democracia bolsonarista. O Centrão cuida do cofre.

Nogueira, Lira e Costa Neto. Que tal ser dono do partido do presidente da República? Dar nome aos bois importa porque nos ajuda a entender que ter menos cargos, em termos de volume, pode ser um bom negócio caso se possua, por exemplo, a Casa Civil da Presidência da República, trono hoje ocupado por Nogueira — o gestor do Orçamento da União em ano eleitoral, Orçamento que vai transformado, sob a fachada das emendas do relator, em peça corporativista e eleitoreira.

Indaga-se: quando, no governo de quem, um tipo como Nogueira, patrão do PP, terá sido ministro da Casa Civil, a mais poderosa cadeira dentro do Planalto, sob Bolsonaro ainda o lugar de onde se dirige o Orçamento? O arranjo mudou. E há que acomodar os militares.

Para que controlar muitos cargos, se se podem controlar os dinheiros?

Mais dados. Desde 2020, avançando a sociedade entre Bolsonaro e o dito Centrão, a destinação de emendas parlamentares, especialmente as do relator, superou as liberações promovidas pelos governos anteriores. Em 2021, foram empenhados R$ 34,9 bilhões em emendas — metade dos quais para o orçamento secreto. Para 2022, 46% dos R$ 36 bilhões autorizados estão sob a rubrica “emenda do relator”, um mecanismo avesso à transparência, cuja flexibilidade permite que parlamentares atendam suas demandas paroquiais.

É como o governo Bolsonaro firma sua base de apoio tardia, logo caríssima. Demorou; custa mais caro. Tudo resolvido via Congresso, no homem a homem; Nogueira, na Casa Civil, dentro do Planalto, sendo o hub. É como os sócios de Bolsonaro exercem poder.

E não que, para gerir o Orçamento, esses valdemares tenham ficado pobres de alcance em posições-chave da administração federal. Leia-se o que trouxe o Estadão: o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, com orçamento bilionário e baita cota para gastos discricionários, vai comandado pelo ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira.

Que tal?

E sob essa condição, com Lira presidente da Câmara e Nogueira ministrão, tornaram-se os estados de Alagoas e do Piauí, em dezembro de 2021, respectivamente primeiro e quarto em envios do FNDE. Alagoas, com 485 mil estudantes na rede pública. São Paulo, em segundo lugar, com 11,9 milhões.

Quem manda? A turma manda no Orçamento e nos órgãos que mais sugam os orçamentos secretos. Quem manda na Codevasf? Ponto. O resto fica para o resto. O resto é gordo.

O governo militar Bolsonaro exerce sua essência corporativista distribuindo cargos aos fardados. O presidente dá crachás aos de sua confiança. Diminuiu-se o número de assentos aos sócios senhores dos partidos, mui satisfeitos em cuidar dos trânsitos orçamentários, contemplados pazuellos mais ou menos extravagantes no grosso dos postos da máquina federal.

Nada mudou. Todo mundo está feliz. A mamata não acabou. Coube até mais gente. (O Globo – 22/03/2022)

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