Luiz Carlos Azedo: Melhor legalizar o lobby e fazer tudo às claras no Congresso

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Uma das características da política em Brasília é o fato de que o outro lado do balcão não muda muito em matéria de lobbies no Congresso. O que muda é a composição da Câmara e do Senado, a cabeça de quem manda na pauta das duas Casas e a correlação de forças a favor e/ou contra os interesses em jogo. Nos bastidores, os lobistas que atuam a favor desses interesses são muito conhecidos. Quando são flagrados fazendo coisa errada, são rapidamente substituídos por outros.

Há todo tipo de lobistas. Os mais sérios atuam com competência na discussão de mérito e na articulação política. Os bandidos engravatados são os que operam as malas da propina. Como não há regulamentação da prática de lobby, todos acabam estigmatizados pela opinião pública. Por isso, talvez a mãe de todas as prioridades do Centrão deveria ser a regulamentação do lobby, como acontece nos Estados Unidos e muitos países da Europa. Haveria mais responsabilidade e transparência na tramitação das propostas.

O sociólogo alemão Max Weber, na célebre palestra A política como vocação, divide os políticos em duas categorias: os que vivem para a política e os que vivem da política. Na primeira categoria estão aqueles que veem a política como bem comum, ou seja, não são financeiramente remunerados pelos projetos que votam em favor de interesses privados ou corporativos. Na segunda, os que têm a política como verdadeiro negócio, na acepção da palavra, pois se beneficiam financeiramente das leis que aprovam. Muitas vezes são empresários do ramo ou agentes remunerados diretamente pelo engajamento em projetos empresariais. O Centrão é formado por parlamentares que veem a política como negócio.

Todos são políticos profissionais, mas há uma diferença nada sutil entre ser remunerado com um salário de parlamentar ou ter esse salário multiplicado pelo fato de representar grandes interesses privados. A existência de salário é a forma encontrada para garantir a sobrevivência de quem defende o bem comum. Entretanto, no Brasil, todos os políticos dizem representar o bem comum, embora não seja isso que aconteça muitas vezes, na prática. O bem comum geralmente é difuso e universal, tem apoio social disperso na sociedade. O negócio, não. É focado numa atividade econômica, num determinado espaço geográfico ou num segmento da sociedade. Seu lobby é mais concentrado e direcionado. A regulamentação do lobby, para uns e para outros, possibilitaria mais transparência e paridade de meios de atuação entre os que defendem os interesses públicos e os agentes dos interesses privados nos bastidores da nossa política.

Regras do jogo

Por exemplo, vejamos a pauta anunciada pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), de comum acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Não é nenhuma novidade para quem acompanha a vida do Congresso, muitos projetos dormem nas gavetas da mesa da Câmara ou das comissões há anos, mas, agora, existe uma conjunção zodiacal que favorece a aprovação dessas matérias até então consideradas prejudiciais à sociedade, à economia popular, à saúde pública, aos direitos humanos ou ao meio ambiente.

Como aconteceu na quarta-feira, com a nova Lei do Agrotóxico. Os deputados ligados ao agronegócio, muitos deles fazendeiros, articularam a aprovação trocando apoio com outros segmentos interessados em matérias dessa “pauta suja”, como a chamada “bancada da bala”, interessada na liberação da venda e compra de armas e na chamada “exclusão de ilicitude”, que legitima a violência policial indevida.

Com apoio do presidente Jair Bolsonaro, a “bancada da bala”, da qual seu clã faz parte, nunca teve tanto poder. Os lobistas das indústrias de armamento circulam à vontade nos corredores do Congresso. Nas redes sociais, têm forte apoio de atiradores, milicianos, caminhoneiros, fazendeiros, garimpeiros, grileiros, os embrutecidos e violentos de um modo geral.

Essa aliança entre o agronegócio e a “bancada da bala” não é nova, mas nunca teve tanta influência na pauta de votação do Congresso, em razão dos acordos feitos por Lira para se eleger presidente da Câmara. O esquema se reproduz com os políticos ligados às grandes empresas interessadas no novo marco da mineração, na flexibilização do licenciamento ambiental, no fim da demarcação das terras indígenas e na PEC dos Combustíveis, para citar o que o Congresso deve debater nas próximas semanas.

Existe uma Associação Brasileira de Relações Institucionais Governamentais (Abrig), que reúne executivos das principais empresas do país, e luta pela regulamentação do lobby faz algum tempo. Na cartilha da entidade, a atividade é conceituada como aquela “por meio da qual os atores sociais e econômicos impactados por proposições legislativas (Parlamento), por políticas públicas (Executivo), por demanda da sociedade civil organizada (terceiro setor) e/ou pelo mercado (consumidores) fazem chegar aos tomadores de decisões estratégicas (privado) e políticas (autoridades) a sua visão sobre a matéria”. Que isso seja feito com transparência e regras claras. (Correio Braziliense – 11/02/2022)

Leia também

Deputados querem reduzir o poder do Supremo

Existe um caldo de cultura favorável ao avanço desse tipo de proposta na opinião pública, por causa de decisões polêmicas de ministros da Corte, sobretudo em processos criminais.

‘Edição nacional’ dá forma a um ‘novo’ Gramsci

“Edição nacional” dá forma a um “novo” GramsciO século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” em seu tratamento quanto um relativismo interpretativo inconsequente.No campo das ciências sociais, Antonio Gramsci talvez seja o autor italiano mais traduzido no Brasil. Um autor sui generis já que, em vida, nunca publicou um livro e seus escritos foram, por escolha dos seus editores, publicados primeiramente a partir dos grandes temas que se entrecruzavam nos cadernos escritos na prisão, para só depois ganharem uma “edição crítica” que se esmerou em acompanhar a cronologia da escritura gramsciana durante seu encarceramento. Referimo-nos aqui à “edição temática” coordenada por Felice Platone e Palmiro Togliatti, publicada entre 1948 e 1951, e à “edição crítica” dos Cadernos do Cárcere, de 1975, coordenada por Valentino Gerratana.1Atualmente, os Cadernos do Cárcere, somados a textos escritos para jornal, cartas (de Gramsci e dos seus interlocutores) e traduções, compõem o escopo da denominada “Edição nacional”, cujo primeiro volume veio à luz em 2007 e já conta com 9 volumes publicados na Itália. A “Edição nacional”, coordenada pela Fondazione Istituto Gramsci e publicada pelo Istituto della Enciclopedia Italiana – Edizione Treccani –, está projetada em quatro seções, a saber: 1. Scritti (1910-1926); 2. Epistolario (cartas anteriores e posteriores à prisão); 3. Quaderni del carcere (nova edição crítica e integral); 4. Documenti (dedicado à atividade político-partidária).2Com a difusão dos seus escritos, inicialmente, Gramsci foi visto tanto como o “teórico da cultura nacional-popular” quanto um formulador “da revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíram conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala. Ao longo de décadas, Gramsci foi utilizado de maneira ampliada e, no mais das vezes, buscou-se, a partir dele, difundir algumas fórmulas desvinculadas do seu contexto de enunciação. Inevitável que tivesse ocorrido tanto um processo de instrumentalização — no PCI, Gramsci assumiu a figura de um formulador ortodoxo e também a de um precursor do “eurocomunismo” — quanto de diluição e empastelamento do seu pensamento, sendo muitas vezes citado por opositores declarados às suas aspirações políticas de emancipação dos subalternos. Por esses descaminhos, diluiu-se a riqueza do seu pensamento, o que parece estar sendo recuperado, como a sua complexa leitura do nacional a partir de um “cosmopolitismo de novo tipo”3 ou sua aspiração por um “comunismo como sinônimo de igualdade e democracia”.4Olhando essa trajetória de recepção e assimilação, pode-se dizer que Gramsci chegou a um patamar de utilização que passou a exigir um novo tratamento, que desmontasse mitos, simplificações e falsificações, e pudesse resgatar Gramsci como uma obra que se confunde com sua vida, contextualizada nos conflitos e transformações daqueles anos febris que marcaram o alvorecer do século XX.Esse espírito marca uma reviravolta nos estudos gramscinos nas últimas décadas que, em primeiro plano, buscou estabelecer uma leitura filológica dos seus textos com o intuito de dar uma compreensão mais refinada dos seus conceitos em compasso com sua escritura, ou seja, capturando o “ritmo do pensamento”.5 Em paralelo, a partir de uma perspectiva analítica centrada na “historização integral”, foi possível pensar, de maneira articulada e contextualizada historicamente, as vicissitudes da sua trajetória pessoal e da sua reflexão teórica, permitindo que se pudesse compreender melhor os dramas individuais e os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo. Muito desse movimento renovador se alicerçou no trabalho desenvolvido pela Fondazione Gramsci de Roma por meio de pesquisas inovadoras, seminários regulares difundidos em publicações coletivas e iniciativas intelectuais que articulavam o diálogo entre estudiosos e pesquisadores dos escritos de Gramsci ao redor do mundo.6Com o trabalho de pesquisa ensejado na propositura da “Edição nacional” e em função das pesquisas desenvolvidas de identificação e reorganização do que Gramsci escreveu, passou a haver um significativo movimento de reavaliação e revigoramento do seu pensamento. Diversas publicações de estudos sobre sua vida e seu pensamento têm vindo a público, particularmente na Itália — mas não só —, que, além de questionarem diversas formas pelas quais Gramsci havia sido assimilado e utilizado, propõem uma revisão de muitas dessas interpretações e sugerem o que vem sendo chamado de um “novo” Gramsci.De acordo com Gianni Francioni e Francesco Giasi, a ênfase dessa caracterização não está no conteúdo, mas no reconhecimento de que “um novo Gramsci ganha forma graças a um complexo trabalho coletivo que conta com a participação de estudiosos de diferentes gerações, com diferentes formações e perfis, com maturações diversas, no campo dos estudos históricos e filosóficos, unidos por pesquisas específicas e continuadas”.7De imediato, esse reconhecimento sugere um questionamento inevitável à equivocada visão de alguns anos atrás de que Gramsci havia deixado de ser lido e estudado na Itália em detrimento do crescimento da investigação sobre Gramsci por parte de pesquisadores não italianos. Outra ideia que deverá ser questionada em breve é a de se supor que a “Edição nacional”, com seus portentosos volumes — que muito dificilmente serão traduzidos em sua totalidade em outros países —, diminuirá a pesquisa sobre Gramsci ao redor do mundo. Sì e no, efetivamente, essa é uma questão em aberto.Em suma, esse “novo Gramsci” obedece mais ao clima do tempo, mais plural e dialogante, do que aquele do status de referencial predominante de um campo político-ideológico, vinculado a um partido, ou então, o seu inverso, como na fabulação de um “outro Gramsci” que se opõe à imagem que, em particular, o PCI, atribuiu a dele. O século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” de tratamento do nosso autor quanto um relativismo interpretativo inconsequente; e repele, mais ainda, a leitura essencialista, antitética e tresloucada promovida pela extrema-direita, à la Olavo de Carvalho8, que deforma tudo e promove somente ignorância.Esse “novo Gramsci”, muito mais fiel à sua trajetória de vida e à complexidade do seu pensamento, permanece convocando seus leitores e estudiosos a se esforçarem no sentido de contribuírem com a discussão dos dilemas políticos da contemporaneidade, notadamente por meio das temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois temas caros a ele e vetores essenciais para o enfrentamento dos desafios deste “mundo grande e terrível”… e “complicado”, que ele já divisara no seu tempo, um século atrás. (Estado da Arte/O Estado de S. Paulo - 09/10/2024 - https://estadodaarte.estadao.com.br/filosofia/edicao-nacional-da-forma-a-um-novo-gramsci/)Notas:1. A “edição temática” foi quase integralmente publicada no Brasil na década de 1960 pela editora Civilização Brasileira. A partir de 1999, tendo como editores Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, a mesma editora publicaria uma versão dos Cadernos do Cárcere que mescla a “edição temática” com a “edição crítica”. ↩︎ 2. Em maio de 2024, foi lançado Scritti 1918, organizado por Leonardo Rapone e Maria Luisa Righi, o último volume até agora publicado da “Edição nacional”. ↩︎ 3. IZZO, Francesca. Il moderno Principe di Gramsci – cosmopolitismo e Stato nacionale nei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2021(uma versão em português está no prelo pela Editora da Unicamp & FAP). ↩︎ 4. DESCENDRE, Romain & ZANCARINI, Jean-Claude. L’oeuvre-vie d’Antonio Gramsci. Paris: La Dècouverte, 2023, p. 13. ↩︎ 5. COSPITO, Giuseppe. Il ritmo del pensiero – per una lettura diacronica dei “Quaderni del carcere” di Antonio Gramsci. Napoli:Bibliopolis, 2011. ↩︎ 6. A título ilustrativo podemos mencionar: Giuseppe Vacca, Vida e pensamento de Antonio Gramsci – 1926/1937 (Contraponto/FAP, 2012); Leonardo Rapone, O jovem Gramsci – cinco anos que parecem séculos – 1914-1919 (Contraponto/FAP, 2014); Aberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques & Giuseppe Vacca (orgs), Gramsci no seu tempo (Contaponto/FAP, 2009; 2ª. ed. 2019); Fabio Frosini & Francesco Giasi (orgs), Egemonia e modernità – Gramsci in Italia e nella cultura Internazionale (Viella, 2019). ↩︎ 7. FRANCIONI, F. & GIASI, F. Un nuovo Gramsci – biografia, temi, interpretazioni. Roma: Viella, 2020, p. 12. ↩︎ 8. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. “Gramsci no jardim das aflições”. In: Anais do VIII Encontro de pesquisa em história da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2019. ↩︎

Santa raiva

A tragédia educacional precisa ser vista como a da escravidão.

Como se reconhece um democrata?

Ele se move pelas sendas complicadas da razão, recusando a manipulação das emoções que políticos e governantes fazem regularmente, sobretudo em períodos eleitorais.

Democracia na América

As nações democráticas de todo o mundo, entre as quais a nossa, não podem dispensar a presença renovada dos Estados Unidos nas suas fileiras.

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!