Marcus André Melo: Corrupção e eleições na Coreia do Sul e no Brasil

Eleições são disputas em torno de quais dimensões devem tornar-se salientes e quais devem ser interditadas

Na Coreia do Sul, o favorito na atual disputa presidencial é o ex-procurador-geral do país Yoon Seok-Youl, que adquiriu popularidade no processo que levou a ex-presidente Park Geun- Hye a sofrer um impeachment e ser presa. O atual presidente, Moon Jae-In, que não é candidato devido à vedação constitucional da reeleição, foi quem nomeou Yoon para o cargo, que agora está na oposição.

Recentemente, Moon concedeu indulto à ex-presidente temendo futuras investigações do ministério público, após uma malsucedida campanha para reduzir o poder dos procuradores (Yoon denunciou seu Ministro da Justiça e braço direito por corrupção). Park é filha do ex-ditador General Park Chung-Hee, que governou o país por 18 anos.

A questão da corrupção é o tema vertebrador da política no país juntamente com a inflação, endividamento familiar e moradia; o combate à pandemia tem sido exemplar mas não tem sido politizado.

O caso sul-coreano é ilustrativo das insuficiências das discussões em torno do significado de esquerda, direita e centro. Como no Brasil, mesclam-se questões relativas a corrupção, autoritarismo, e questões redistributivas. Mas os contrastes com nosso país são evidentes.

Historicamente, a dimensão em torno da qual a distinção entre esses polos se organizou é a redistributiva. Este foco logo se revelou redutor e as pesquisas empíricas passaram a incorporar uma segunda dimensão relativa a valores e comportamento; ao que se agregou uma terceira dimensão relativa às liberdades (individuais/públicas) vs autoritarismo.

Assim, o quadro conceitual alargou-se, permitindo a identificação de subtipos de esquerda ou direita: autoritária (ou não) e conservadora na agenda de costumes (ou não).

O republicanismo é para alguns analistas uma dimensão ortogonal às anteriores; mas um juízo cuidadoso o veria como parte integral do continuum liberdades vs autoritarismo. Afinal, a corrupção e o abuso de poder impactam a própria disputa política e, portanto, violam a soberania popular e o constitucionalismo. O democrata corrupto —e o seu avesso, o autoritário probo —são oximoros.

Dada a multidimensionalidade envolvida, a análise restrita a apenas uma ou duas dimensões é analiticamente pobre. Democracia constitucional é soberania popular mais transparência e governo limpo.

Mas a realpolitik das eleições presidenciais é que são disputas em que os atores buscam influenciar quais dimensões tornam-se salientes e quais são excluídas ou interditadas no debate político.

Aos dois principais contendores atuais em nosso país, por exemplo, não interessa que a disputa seja vertebrada pela discussão da dimensão republicana por razões óbvias. (Folha de S. Paulo – 17/01/2022)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

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