Viabilidade do semi-presidencialismo na agenda do Chile e do Brasil
“O regime parlamentar no Brasil fez a abolição pacificamente, ao passo que o regime presidencial nos EUA desencadeou uma revolução tremenda.” Medeiros e Albuquerque foi o primeiro entre nós a fazer um exercício contrafactual relacionando sistema de governo e abolição.
Em “O Regime Presidencial no Brasil” (1914) anotou: “se, em 1887, o Brasil fosse República presidencial e tivesse de eleger o seu presidente, não elegeria um abolicionista incondicional e sem indenização”.
E completou: “um ano depois, esta solução se impunha e se realizava suavemente; mas só se impunha e só se realizava suavemente, porque foi possível sacrificar vários ministérios. Todos viram assim que, esgotadas as outras soluções, restava apenas a da abolição e incondicional”.
Sob o parlamentarismo, alegava, os debates e as soluções insuficientes produziam queda de ministérios sem fortes descontinuidades. Já o presidencialismo seria inflexível: os presidentes são forçados a manter seus pontos de vista “por teima ou coerência” até o fim do mandato.
Medeiros e Albuquerque era hiperinstitucionalista: acreditava que as instituições determinavam resultados políticos, desconsiderando o amplo espaço de escolha dos atores. Não notava também que as escolhas institucionais são endógenas: as instituições são selecionadas pelos resultados esperados; e esta seleção é influenciada por fatores que afetarão o resultado final.
O semipresidencialismo, por exemplo, irrompeu na agenda política chilena e brasileira atual porque os atores envolvidos esperam que possa coibir abusos do Executivo e reduzir a instabilidade. No Chile, o hiperpresidencialismo, alardeado pela esquerda, é um dos temas centrais da convenção constitucional. E tornou-se crucial dado o abuso de poder pelo presidente Piñera e a ascensão política de Kast. No entanto, a vitória de Boric produzirá uma inversão: direita apoiando e esquerda recuando.
No Brasil, a experiência do impeachment de Dilma e a experiência traumática com Bolsonaro catapultaram o semipresidencialismo para a agenda. Mas historicamente setores majoritários da esquerda (e dos militares) sempre foram contra o parlamentarismo e a favor de uma visão cesarista do executivo. A perspectiva de vitória em 2022 altera o cálculo.
Sim, há razões históricas para a comunalidade de agendas: Brasil e Chile são os únicos países da região que já adotaram o parlamentarismo; o primeiro durante o Segundo Reinado, e de 1961 a 1963; o segundo, de 1891 a 1925.
Reconhecer a endogeneidade da escolha institucional independe da avaliação que se possa fazer sobre o semipresidencialismo, mas é crucial para pensar sua viabilidade na atual conjuntura. (Folha de S. Paulo – 20/12/2021)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)