Malu Gaspar: Governo Bolsonaro resiste a projeto que cria mercado de crédito de carbono antes da COP-26

As negociações na Câmara dos Deputados para a aprovação de um projeto de lei que cria e regulamenta um mercado de créditos de carbono no Brasil avançaram nos últimos dias, mas a resistência do governo federal ainda pode atrapalhar a votação do projeto antes da COP-26, a conferência do clima que começa em 31 de outubro em Glasgow, na Escócia.

O texto de autoria de Marcelo Ramos (PL-AM) é uma das apostas do presidente da Casa, Arthur Lira, para tentar melhorar a imagem do Brasil no exterior antes da conferência. Ele estava parado desde julho na Comissão de Meio Ambiente.

A relatora, Carla Zambelli (PSL-SP), dizia não concordar com a aprovação de nenhuma lei antes da conferência, que vai justamente discutir a criação de um mercado internacional desses créditos.

Na semana passada, técnicos indicados por Zambelli e pelo autor do projeto chegaram a um consenso em torno do texto final.

Só não se conseguiu ainda saber o que fará o Ministério do Meio Ambiente, que resiste a discutir o assunto. Sem o aval do governo Bolsonaro, Zambelli dificilmente apresentará um relatório favorável ao texto de Ramos.

Procurei ontem a assessoria de imprensa do ministério, mas fui informada de que até agora não há um posicionamento oficial do ministro Joaquim Leite sobre o projeto porque ele “está 100% focado” em sua participação na COP.

Na prática, isso quer dizer que o projeto na Câmara não é prioridade. Assim, se quiser vê-lo aprovado, Arthur Lira terá que fazê-lo à revelia do governo.

A ideia básica do mercado de créditos é que os países que mais preservam o meio ambiente e sequestram carbono na atmosfera possam negociar seus créditos com os países que não estejam conseguindo cumprir suas metas internacionais.

A regulamentação desse mercado internacional é o tema central da conferência de Glasgow. Em 2019, na COP-25, o Brasil foi um dos países que inviabilizaram um acordo, por não concordar com critérios que levariam a uma redução global na emissão de poluentes.

Na semana passada, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), divulgou uma nota defendendo que o Brasil flexibilize sua posição para destravar as negociações na COP.

A entidade, que representa mais de 70 grupos empresariais, considera que o Brasil tem muito mais a ganhar do que perder, mesmo fazendo concessões.

Mas, pelo que se sabe até agora, a estratégia que o ministro Leite vai levar à Escócia é a mesma do antecessor, Ricardo Salles – a de que os países ricos têm uma dívida histórica com países em desenvolvimento, em especial o Brasil, pela preservação da Amazônia.

Na Câmara, em agosto, Leite afirmou que vai cobrar dos países ricos na COP uma promessa de finaciamento de US$ 100 bilhões para que países em desenvolvimento façam uma transição para uma economia de baixa emissão de carbono.

Em viagem à Italia, no início do mês, Arthur Lira ficou preocupado com o que viu e ouviu sobre o Brasil ao participar de uma conferência de presidentes de parlamentos do G-20 e da Pré-Cop26, o encontro preparatório que reuniu deputados de vários países.

Além do clima de desconfiança, Lira escutou relatos de diplomatas brasileiros sobre as dificuldades em defender o país no exterior quando o assunto é meio ambiente. Nos painéis em que os membros da missão brasileira falavam, eram notáveis as expressões de desaprovação.

Por isso, embora tenha dedicado os primeiros meses de sua gestão a projeto que flexibiliza as normas para o licenciamento ambiental, o que regulamenta a regularização fundiária das ocupações de terras da União (chamado de PL da Grilagem) e o que dificulta a demarcação de terras indígenas, Lira acha que está na hora de limpar a barra do Brasil lá fora. Ele considera inclusive participar pessoalmente da COP-26, se tiver resultados a apresentar. Resta saber se o governo Bolsonaro vai deixar. (O Globo – 19/10/2021)

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