Cristina Serra: Luiz Fux, o guitarrista supremo

Em que país seria normal um ministro do STF almoçar com apoiadores de um golpista?

O talento musical não é o forte de Fux, hoje presidente da corte. O decoro que o cargo exige também não. Soube-se por esta Folha que ele participou de um rega-bofe com 20 empresários, em São Paulo, na semana passada. Alguns dos convivas declaram-se abertamente apoiadores de Bolsonaro, agressor da democracia, da legalidade e da Constituição, que o Supremo tem por obrigação defender. Consta que o ambiente estava tão descontraído que Fux cantarolou para deleite dos comensais.

Que a autoridade máxima do Judiciário almoce com empresários, em ambiente restrito, já é bastante complicado. Que alguns convidados sejam apoiadores do chefe do Executivo que acabara de ensaiar um golpe, tendo como mote a invasão e o fechamento do STF, é simplesmente inexplicável.

Em que outro país isso seria considerado normal? Percorri mentalmente os que são citados com frequência nas sessões do STF pelo arcabouço jurídico que conseguiram construir e pelos juristas que são referências para seus pares aqui: Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Reino Unido. Alguém consegue imaginar o presidente do Judiciário de algum desses países em animado convescote com empresários adeptos de um golpista e, vai saber, todos se balançando ao ritmo dos trinados supremos?

Numa sociedade em convulsão, como a brasileira no momento atual, canais de diálogo entre os poderes e a sociedade podem e devem ser desobstruídos. Mas isso deve ser feito de maneira institucional, transparente e com sobriedade. Caso contrário, fica difícil não ouvir o eco da frase premonitória do ex-senador Romero Jucá, no fatídico 2016: “Com o Supremo, com tudo”. (Folha de S. Paulo – 14/09/2021)

Cristina Serra é paraense, jornalista e escritora. É autora dos livros “Tragédia em Mariana – a história do maior desastre ambiental do Brasil” e “A Mata Atlântica e o Mico-Leão-Dourado – uma história de conservação”

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