Marcus André Melo: O mistério do distritão: cui bono?

O distritão é efeito da hiperfragmentaçao e fraqueza dos partidos

Muito já se escreveu sobre o distritão como modelo eleitoral exótico, mas pouco se falou sobre quem se beneficia de sua adoção. Afirma-se que o modelo favorece candidaturas individuais de grande apelo em detrimento dos partidos, mas quem ou o quê está por trás das mudanças —uma coalizão de celebridades? Um abissal desconhecimento técnico?

Para além das celebridades, há um grupo que ganha com o distritão: os deputados federais cuja votação é expressiva mas inferior ao quociente eleitoral, os quais necessitam de votos de outras candidaturas da lista partidária. Eles formam uma maioria expressiva: correspondem a 94,7% dos parlamentares eleitos.

A proposta já foi derrotada duas vezes, mas a situação atual é nova porque a proibição de coalizões em eleições proporcionais abalou o perverso equilíbrio existente. Sem o mercado persa de negociatas em torno da formação de chapas (e que envolvia também tempo de TV), a meta do quociente torna-se mais difícil.

E, quanto maior o quociente eleitoral (que varia de 1,5% do total de votos em São Paulo a 12,5% no Acre), maiores as dificuldades para atingi-lo individualmente, já que não será possível agregar “cauda” de outras legendas.

Todas as agremiações são pequenas ou médias: não há partidos grandes. A hiperfragmentação é estratosférica. Fora os dois maiores que detêm 10% do total de cadeiras, há dez partidos médios com algo entre 5%-7% das cadeiras, situação absolutamente inédita no mundo e que tem causado profundo cinismo cívico que está na base da situação em que vivemos.

Todos os atuais deputados do ES, RR, RO, RN, SE, AL e AP provêm de partidos diferentes. O maior partido das bancadas de GO, TO, MT, MS, AC, AM, e PI tem dois representantes, os demais apenas um. Dois terços das bancadas são praticamente uninominais: ou seja, o Congresso é uma coleção de indivíduos pertencentes a partidos distintos. Eis a chave para se entender a proposta do distritão.

Ela reflete a hiperfragmentação e a fraqueza dos partidos. É efeito e não causa dela.

O distritão maximiza os interesses dos atuais titulares das cadeiras; conjugado com o fundo eleitoral multibilionário, torna-os infalíveis. Quem perde com o modelo: todos os atores que operam no mercado de chapas (donos de partidos etc.).

Mas o centrão é a solução para um problema dos parlamentares individuais; não resolve, agrava os problemas centrais da representação política no país. A solução não é reverter para o status quo e ante reforma de 2017. Ao contrário, a reforma aprovada é golpe profundo no mercado de formação de chapas ao mesmo tempo que reduz a hiperfragmentação. (Folha de S. Paulo – 02/08/2021)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universidade Yale

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