“Introduza um pouco de anarquia. Perturbe a ordem vigente e, então, tudo se torna um caos. Eu sou um agente do caos. Ah, e sabe a chave pro caos? O medo.”
O discurso, conhecido, é proferido pelo Coringa, o vilão do Batman. Mas poderia ser de Jair Bolsonaro, circunstancialmente presidente do Brasil.
As circunstâncias que o levaram ao Planalto, aliás, já são fruto do caos. Numa situação de normalidade institucional, alguém cuja única obra em vida foi apostar na ofensa e no esculacho a pessoas e corporações jamais poderia ter sido eleito presidente.
Uma vez aboletado no poder, não era de esperar que um agente do caos virasse um promotor da ordem. Quis o destino que essa figura histórica estivesse no comando do país na pandemia de covid-19.
O resultado do investimento no caos está aí. Para ficar só em dois fatos recentes: está na capitulação do Exército Brasileiro ao Coringa que expurgou décadas atrás. E está na capa da revista britânica “The Economist”, que mostra um Cristo Redentor sem oxigênio, retrato acabado da nossa tragédia.
Parecia esculhambação demais até para os padrões bolsonarescos imaginar que Eduardo Pazuello escaparia do episódio em que se postou ao lado de Bolsonaro num caminhão de som sem ao menos uma advertência. Pois aconteceu: Bolsonaro colocou o Alto Comando do Exército na situação de submissão completa a sua explícita pressão, para que o caso claro de indisciplina fosse arquivado.
O precedente, mais um, é de gravidade extrema. Uma vez infiltradas pelos caprichos do capitão reformado do Exército em 1988, depois de um rumoroso processo por indisciplina, que papel desempenharão as Forças Armadas nas eleições de 2022?
É esse o caos atual que Bolsonaro fomenta. E, para esse tipo de plano, como o que o levou a ser julgado pelo Superior Tribunal Militar, ele é ardiloso e obstinado.
Não é de hoje que o presidente testa os limites dos militares. Quando encontra resistências, trata de extirpá-las do caminho. Foi assim com os generais Santos Cruz, Rêgo Barros, Fernando Azevedo e Silva e Edson Pujol, todos caídos, como um dominó de alta patente.
Ainda assim, os generais Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira, respectivamente ministro da Defesa e comandante do Exército, ambos colocados nos postos atuais em substituição a companheiros de arma que não aceitaram vergar diante dos caprichos de Bolsonaro, toparam fazer o jogo.
As consequências potenciais são gravíssimas. A própria reportagem da “Economist” se debruça sobre a insubordinação militar e a infiltração das Forças Armadas pela ideologia política como uma das causas de o Brasil estar sufocado.
O método bolsonarista de bagunçar o coreto das instituições para cooptá-las está descrito pelo semanário britânico em seus pormenores, e as reportagens que compõem o triste retrato do Brasil mostram como esse caos planejado está minando as diversas áreas da vida nacional, do SUS ao meio ambiente.
No discurso que fez na posse do agora defenestrado general Azevedo e Silva na Defesa, lá nos primórdios de seu mandato, Bolsonaro olhou para o general Villas Bôas e lhe agradeceu pelo papel que teve em sua eleição, um segredo que prometeu levar para o túmulo, mas que, no seu método de fomentar o caos, fez questão de vazar ali em voz alta.
Ao coreografar, como o Coringa, cada uma de suas investidas contra o sistema para implodi-lo por dentro, Bolsonaro vai fazendo questão de mostrar a seus seguidores que é capaz de tudo.
Primeiro, alude a uma fraude inexistente numa eleição que venceu. Depois vai dilatando os controles nas Forças Armadas e nas polícias militares. Alicia o Ministério Público, fazendo papinha da lista tríplice. Mira os órgãos de controle, como Coaf e Tribunal de Contas.
Quando os integrantes de todas essas corporações corrompidas acordarem, será tarde demais. (O Globo – 04/06/2021)