Sergio Lamucci: O câmbio mais valorizado e a inflação

A valorização do câmbio se intensificou nas últimas semanas. Com o movimento, o dólar enfim caiu abaixo de R$ 5. Num cenário de inflação resistente, a moeda americana nesses níveis ajuda a aliviar parte das pressões sobre os preços, embora não deva impedir que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) feche o ano na casa de 6%, bem acima da meta de 2021, de 3,75%. É um fator favorável para a dinâmica inflacionária, num ambiente marcado por alta forte de preços administrados, como tarifas de energia elétrica, avanço expressivo dos bens industriais, commodities caras e expectativa de retomada mais firme dos reajustes de serviços, com a reabertura da economia.

O dólar chegou a se aproximar de R$ 5,80 em março e aos poucos perdeu ímpeto, caindo com mais força a partir de meados de abril. Três fatores em especial têm contribuído para o movimento de queda da moeda americana: o elevado nível de preços de commodities, que dão fôlego às exportações brasileiras, o ciclo de alta dos juros promovido pelo Banco Central (BC), elevando a diferença entre as taxas internas e externas, e a melhora da percepção sobre a trajetória de curto prazo das contas públicas.

Por essa combinação de fatores, pode haver espaço para recuos adicionais do dólar. O economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), Robin Brooks, repete constantemente que a entidade vê R$ 4,50 como o valor justo para o câmbio brasileiro. A turbulência política até as eleições, porém, tende a se manter forte, o que leva alguns analistas a prever que o dólar não terminará o ano abaixo de R$ 5. O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, vê a moeda em R$ 5,30 no fim deste ano e em R$ 5,60 no fim do ano que vem por esse motivo.

A A.C. Pastore & Associados, por sua vez, prevê um câmbio de R$ 5,20 na média de 2021 e também na de 2022. Na visão da consultoria do ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, crescerá a percepção de risco fiscal por causa das eleições do ano que vem, o que levará a um câmbio um pouco mais depreciado do que hoje.

Já o efeito dos preços de commodities e o nível mais elevado dos juros apontam para um nível mais valorizado do câmbio por mais tempo. A A.C. Pastore, por exemplo, projeta um saldo comercial de US$ 85 bilhões neste ano, com um superávit em conta corrente (o resultado das transações de bens, serviços e rendas do país com o exterior) de US$ 38 bilhões, ou 2,3% do PIB. Para 2022, o saldo da balança deve ficar em US$ 83 bilhões, estima a consultoria. Com peso de dois terços nas exportações brasileiras, as commodities nas alturas levaram os termos de troca (a relação entre preços de vendas e compras externas) para níveis próximos aos registrados em 2011, o pico histórico desse indicador.

A taxa Selic mais alta também tem ajudado na valorização do câmbio. Os juros básicos já subiram de 2% para 4,25% ao ano, e a expectativa é que continuem a aumentar ao longo do ano, até que atinjam o nível que não acelera nem desacelera a inflação, que seria de 6,5%, a taxa projetada para o fim do ano pela MB. Há, porém, quem acredite que a Selic alcançará ainda neste ano um nível restritivo, como a A.C. Pastore, que projeta uma taxa de 7,25% no fim de 2021. Os juros mais altos atraem recursos do exterior para o país. Na semana passada, o dólar fechou em R$ 4,90 na quinta-feira, subindo para R$ 4,94 na sexta-feira.

Um fator importante por trás da valorização do câmbio é a melhora da percepção fiscal. As projeções para a dívida bruta melhoraram consideravelmente, e hoje há vários analistas que esperam que o indicador termine 2021 na casa de 82% do PIB. Em 2020, fechou em 88,8% do PIB, e na virada do ano havia estimativas de que ele subiria rapidamente para a casa de 100% do PIB. A inflação mais alta, porém, deu um alívio para as contas públicas no curto prazo. Ela inflou o valor do PIB nominal, além de contribuir para o aumento mais forte das receitas, elevando a arrecadação e, com isso, melhorando o resultado primário (que exclui gastos com juros). Isso está longe de resolver o problema estrutural das contas públicas brasileiras, mas melhorou a avaliação sobre a trajetória para as contas públicas num período mais curto, ajudando a tirar pressão do câmbio. Além disso, deverá haver mais espaço para o cumprimento do teto de gastos em 2022. O limite será corrigido pelo IPCA acumulado até junho deste ano, que ficará acima de 8%, enquanto a inflação que reajusta boa parte das despesas do governo federal – o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano fechado – deve atingir cerca de 6%.

Mas, como 2022 será um ano eleitoral, o governo de Jair Bolsonaro já dá sinais de que pretende aumentar os gastos com força, o que poderá consumir essa folga no teto. O presidente indicou que quer um valor próximo a R$ 300 para o Bolsa Família ampliado, além de planejar um reajuste de 5% para os servidores públicos. Há também a pressão para elevar despesas com obras públicas. Além disso, à medida que as eleições se aproximam, torna-se cada vez mais improvável o avanço de medidas no Congresso que segurem o crescimento de despesas correntes, como as de pessoal. A própria disputa eleitoral também tende a elevar incertezas sobre o futuro das contas públicas. É uma combinação que pode pressionar novamente o câmbio, atuando na direção contrária ao efeito das commodities e dos juros mais altos.

Sem um real mais valorizado, o cenário para a inflação ficará mais difícil. Um câmbio mais apreciado poderia tirar pressão dos bens industriais, por exemplo, que já acumulam alta de 8,34% nos 12 meses até junho, segundo o IPCA-15. Um dólar mais baixo também contrabalançaria o efeito dos preços elevados de commodities.

No cenário externo, um aperto mais rápido na política monetária americana é o que pode afetar o comportamento das moedas de países emergentes como Brasil. Isso poderia afastar recursos estrangeiros do país, ainda mais se houver dúvidas sobre as contas públicas por aqui.

No curto prazo, contudo, a expectativa é que o câmbio siga num nível mais valorizado. Um dólar na casa de R$ 5 em 2022 ajudaria no cumprimento da meta de inflação do ano que vem, de 3,5%. A tarefa do BC não será fácil, porque o IPCA deverá terminar 2021 na casa de 6%, deixando uma inércia maior para a inflação do ano que vem. (Valor Econômico – 29/06/2021)

Sergio Lamucci é editor-executivo do Valor Econômico

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