Cristiano Romero: Crescimento depende agora de crédito privado

Crescer com dinheiro público gera má alocação; é um crescimento de qualidade pior e geralmente menos sustentável

A equipe econômica do governo se surpreendeu com a velocidade de queda da oferta de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) desde o fim da Longa Recessão, em 2016, é atribuído, em parte, ao recuo significativo do crédito público e subsidiado.

O BNDES teve que lidar com duas novas realidades desde o governo de Michel Temer: o pagamento antecipado ao Tesouro Nacional de parcelas cada vez maiores de sua dívida com a União; e a criação da Taxa de Juros de Longo Prazo, (TLP), que se tornou mais atrativa, em alguns momentos, que a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).

No último boom da economia brasileira (de 2004 20110), o crédito oficial chegou a superar a marca de 50%. Já caiu abaixo disso porque a demanda por crédito diminuiu de forma acentuada ao longo de três anos de recessão (2014-2016) e mais de três de crescimento medíocre (1% ao ano) para o padrão histórico brasileiro. A estratégia iniciada no governo anterior é substituir o crédito público pelo privado.

A razão para isso é mais pragmática e menos ideológica: o dinheiro acabou. Ocorre que fazer isso, num país acostumado a depender do Estado, não é tarefa simples, mas uma reinvenção. Quando se olha para os surtos de crescimento da economia brasileira, o que se vê é que eles foram viabilizados por grande investimento público.

Tivemos biênios com investimento público equivalente, em média, de 3%, 4% do PIB. Agora, o setor público está investindo mísero 0,3% do PIB. O restante é praticamente privado, mas ainda num volume acanhado para a necessidade de financiamento do país. Sem crédito, nenhuma economia vai longe. O desafio no Brasil é destravar as amarras que tornam o crédito privado caro e de difícil acesso.

O próprio sistema financeiro terá que identificar suas ineficiências, afinal, a atividade precípua de um banco é captar recursos do público e emprestá-los a cidadãos e empresas, para não só promover a atividade econômica, mas também expandi-la, de forma a gerar renda e empregos. A intermediação financeira é o negócio dos bancos, é onde em tese eles deveriam obter bons lucros.

A tarefa de modernizar os marcos regulatórios do sistema financeiro é urgente. A fonte pública secou e, embora não se defenda aqui o seu extermínio, é preciso chamar a atenção para o fato de que a dependência da economia do crédito público e subsidiado é, muito provavelmente, a explicação dos “voos de galinha”. Estes condenam o país a crescer pouco, abaixo da taxa de crescimento da população, e abalam a confiança de investidores.

A crônica do “voo de galinha” anunciado funciona mais ou menos assim: quando você tem um surto de crescimento econômico com grande injeção de dinheiro público, como ocorreu nos governos Lula e Dilma, o país cresce, mas a produtividade cai. Não é difícil entender por que o modelo de crédito com dinheiro público não funciona no médio e longo prazos.

Primeiro, porque crescer com dinheiro público gera má alocação de recursos Os exemplos sobejam. Dinheiro público não tem dono, embora seja o mais precioso de todos os dinheiros. Gera um crescimento de baixa qualidade e, geralmente, menos sustentável porque chega uma hora em que a conta não fecha. Os recursos acabam porque a sociedade não aceita pagar mais impostos nem aumentar a dívida pública. A finitude do dinheiro da Viúva acaba por provocar a mãe de todas crises, que é a incapacidade do Estado de honrar seus compromissos e, portanto, de não entregar o fundamental, que são os serviços de educação e saúde de boa qualidade, a forma mais eficiente de igualar oportunidades numa economia de mercado.

Como as taxas de juros eram subsidiadas, para equilibrar a atividade econômica, o BC tinha que ter uma taxa Selic mais alta (e consequentemente um crédito livre mais caro). Só que a taxa Selic mais alta com um fiscal pior gera uma taxa curta mais alta, mas a longa mais alta ainda. A longa espelha o risco fiscal do que se faz agora. Dessa forma, não se consegue encaixar nenhum projeto de infraestrutura de longo prazo porque a rentabilidade do projeto não cobre esses juros, o que obriga o governo a fomentar ainda mais. E quanto mais se fomenta aqui, mais abre a taxa longa, é um círculo vicioso.

Nesse modelo de crescimento, não se criam indústrias privadas fortes, todos ficam pendurados no governo e, aí, tem-se a expansão que os economistas chamam de voo de galinha.

Na transição dos modelos, a economia cresce menos, não há outro jeito. A transição mais rápida quanto mais a sociedade e os agentes econômicos entenderem que é necessária a adoção de medidas urgentes e corajosas para destravar o mercado de crédito.

O modelo agora é o seguinte: não se usa mais o fiscal para fomentar, permitir que a taxa longa caia, que é o que aconteceu muito este ano e aí se começa a entrar com o privado no financiamento. Este crescimento tem muito mais qualidade. (Valor Econômico – 30/10/2019)

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras – E-mail: cristiano.romero@valor.com.br

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