Correio Braziliense – Arnaldo Jardim e Victor Bicca – 02/08/2019
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) completa nove anos hoje. Foram duas décadas de tramitação no Congresso Nacional para conseguirmos aprovar uma lei revolucionária em termos ambientais, capaz de enfrentar um problema antigo do país e do mundo: o que fazer com todo o lixo gerado pela atividade humana. Nos últimos 10 anos, o volume de lixo cresceu 21% no Brasil. Estima-se que o Brasil produza, a cada 24 horas, 240 mil toneladas de lixo, ou seja, mais de um quilo de resíduos por habitante/dia.
O grande dilema: como continuar a estimular a produção e o consumo de bens com menor impacto ambiental. Com esse desafio no horizonte, a PNRS criou o conceito da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, distribuindo a “obrigação de fazer” entre os setores envolvidos.
Aos governos federal e estaduais, estabelecer planos, garantir a infraestrutura para disposição adequada dos resíduos, organizar e fiscalizar a lei. Aos governos municipais, a gestão integrada dos resíduos sólidos, incluído a implantação e a manutenção da coleta seletiva. Ao setor privado, a obrigação da “logística reversa” — recuperar os resíduos e dar-le destinação adequada; e à população, o papel de acondicionar de forma diferenciada seus resíduos e rejeitos, descartando-os corretamente.
Assim, no que diz respeito à legislação, a PNRS colocou o Brasil em um patamar de igualdade com os países desenvolvidos. A expectativa era a sua implementação. Apesar das enormes dificuldades, após quase uma década, muitos avanços foram alcançados. Mais da metade dos municípios brasileiros (64%) já disponibilizam informações sobre sua gestão de resíduos sólidos. Os Planos Municipais de Gestão de Resíduos Sólidos já são elaborados por 1.765 municípios. Esses planos estabelecerão as metas de redução, reutilização, coleta seletiva e reciclagem, visando reduzir a quantidade de rejeitos encaminhados para disposição final.
Que pese ainda os lixões fazerem parte da realidade brasileira, já contamos, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), com 2.202 municípios que adotaram medidas para garantir a destinação adequada do lixo. Com o lançamento do programa Lixão Zero pelo MMA, busca-se melhorar essa situação. A coleta seletiva, segundo dados da Ciclosoft, pesquisa nacional realizada em 2018 pelo Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), estava implementada em 1227 cidades (22% dos municípios brasileiros), atingindo 35 milhões de brasileiros (17% da população). A evolução é lenta, mas consistente, e passou a priorizar a participação das cooperativas de catadores.
Em relação à logística reversa, implementada por meio dos Acordos Setoriais, muito já se avançou. O índice de coleta de embalagens Plásticas de Óleos Lubrificantes já alcança 86%. No setor de Lâmpadas, verifica-se a recuperação de 657 toneladas em 1.636 pontos de coleta instalados em 257 municípios.
O compromisso do setor das Embalagens em Geral (alumínio, papel e plástico) encerrou sua primeira fase no final de 2017, reduzindo em 21,3% a quantidade de embalagens dispostas em aterro. Há ações executadas em pelo menos 63 cidades de 21 estados e DF, incluindo, por exemplo, o apoio a 802 cooperativas de catadores.
Avançamos muito, sem dúvida, mas ainda há muito para ser feito. A implementação da lei tem sido um aprendizado para todos os setores e trouxe inúmeros ensinamentos, dentre os quais, a necessidade de maior integração entre os poderes constituídos (Executivo, Judiciário e, destacadamente, o Ministério Público), no sentido de se adotar uma visão comum para a adequada implementação da PNRS.
É importante ainda estarmos abertos à incorporação de novos princípios, uma vez que a busca pela sustentabilidade passa obrigatoriamente pela adoção de um modelo que ultrapassa o foco estrito das ações de gestão de resíduos e de reciclagem.
O modelo da “Economia Linear” de extrair, transformar e descartar, ainda que de forma ambientalmente adequada, está atingindo seus limites. A PNRS deve incorporar os princípios da Economia Circular, que é vista como um elemento chave para promover a dissociação entre o crescimento econômico e o aumento do consumo de recursos.
Além disso, é imperativo buscar uma sustentabilidade econômica para a implantação da política, haja vista que um dos principais entraves para o crescimento da cadeia da reciclagem é a carga tributária. Não faz sentido o setor de reciclagem ser obrigado a pagar a mesma carga tributária que o restante da indústria. Ser multitributado!
Nesse sentido, criamos, ao lado de 27 entidades representativas do setor privado, a Frente Parlamentar pela Criação de Estímulos Econômicos para a Preservação Ambiental – a Frente da Economia Verde —, que visa ser um foro de debate democrático sobre o desenvolvimento de um sistema tributário que leve em consideração o impacto ambiental dos diversos bens e serviços. Esperamos que a resposta dos agentes econômicos a esses estímulos venha na forma de incremento da atividade industrial ambientalmente responsável.